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‘A Renova é um engodo e deve ser destituída do processo’, diz Helder Salomão

“A Fundação Renova é um engodo e deve ser destituída desse processo”. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Helder Salomão (PT) afirma categoricamente a ineficiência intencional da entidade com base nas diligências feitas por sua comissão nas comunidades capixabas impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, que completou quatro anos nesta terça-feira (5). 

Foto: Assesoria Helder

O relatório final do trabalho foi apresentado na Câmara nessa quarta-feira (6) e aponta inequivocamente a ineficácia da governança atual, que tem como protagonista a Fundação Renova, cujo conselho curador é formado majoritariamente por representantes das empresas criminosas. Dos nove membros, três são da Vale, três da Samarco e três do Comitê Interfederativo (CIF), este criado com a finalidade de orientar e fiscalizar as ações da Fundação, mas que, na prática, cede a palavra final sistematicamente à Fundação, que deliberadamente defende os interesses dos algozes dos atingidos. 

“O que nós vimos nas diligências é de cortar o coração. São gritos de socorro de pessoas que estão doentes não só fisicamente, mas também emocionalmente. E isso pode comprometer as futuras gerações. Os filhos das pessoas atingidas podem sofrer mais consequências se não houver atuação do poder público, mas também das empresas”, denuncia o deputado. 

O relatório detalha os prejuízos que a lama tóxica trouxe às comunidades, sob os mais diversos aspectos e nas mais variadas atividades econômicas tradicionais do território. 

Sobre a saúde, chama atenção os relatos dos moradores sobre doenças que eram desconhecidas no território ou que ocorriam com incidência muito menor, antes do crime. Problemas de pele, gastrointestinais e nos olhos, anemia, além de problemas mentais e emocionais, como depressão, ansiedade e síndrome do pânico. As crianças, especialmente, têm sofrido muito, segundo relatos de mães, professores e diretores de escolas, que narram desmaios, dificuldades de aprendizagem, entre vários outros problemas graves. 

Talvez ainda mais alarmante que os problemas em si, é a total falta de atenção dispensada pelos poderes públicos e, claro, pela Fundação Renova e suas patrocinadoras, a Vale, a Samarco e a BHP Billiton, que financiam toda a sua estrutura e operação no vasto território atingido no Espírito Santo e Minas Gerais. 

“A única devolutiva que [os atingidos] tiveram [sobre análises feitas nos últimos quatro anos por diversas instituições] foi de estudo feito pelo Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas da Universidade de São Paulo entre março e dezembro de 2017, com 300 indivíduos dos municípios de Linhares e São Mateus nas regiões de Regência, Areal, Entre Rios, Povoação e Campo Grande. A conclusão é que 297 deles apresentaram aumento de arsênio, 79 de níquel e 14 de manganês no sangue”, afirma o relatório assinado pelo petista.

“De acordo com o laudo, esses metais pesados são tóxicos e absorvidos pelo organismo pela ingestão ou pelo contato direito com a água do rio ou do mar. Em geral, o excesso das substâncias no organismo pode provocar náusea, vômitos, dor abdominal, diarreia, anorexia, emagrecimento, dor de cabeça, enxaqueca, vertigens, retardo mental, diabetes, anemia, problemas renais e pulmonares, arritmia, infarto, hipertensão, acidente vascular cerebral, doença vascular periférica (arteriosclerose severa sistêmica), gangrena (síndrome do pé preto), laringite, faringite, entre outros. O arsênio e o níquel podem causar câncer (pele, pulmão, bexiga, rins e outros tipos)”, prossegue o documento.

Os encaminhamentos da Comissão para a questão específica da saúde incluem a disponibilização de equipes de atendimento psicológico e psiquiátrico; constituição de um plano de atendimento de saúde às pessoas impactadas, considerando a necessidade de atendimento médico especializado que providencie diagnóstico, estratégia de prevenção de doenças e tratamento; registro epidemiológico da região para verificar as suspeitas de adoecimento generalizado da população; disponibilização de análises clínicas para o acompanhamento da população sobre contaminação e exposição a metais e pesados. Ações que, afirma o relatório, devem ser financiadas pela Fundação Renova “e não pelos cofres públicos”. 

Emenda parlamentar 

Helder Salomão declara que está providenciando uma emenda parlamentar de seu mandato para a Secretaria de Estado de Saúde (Sesa), para financiar, junto com a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e outras instituições de pesquisa e saúde, investigações sobre os problemas de saúde relatados pelos atingidos nas diligências. “Os relatos são muito contundentes. Merecem investigação mais rigorosa”, assevera. 

A falta de averiguação dos relatos por parte da Renova é apenas uma das “estratégias de proteção do capital da Vale S/A e da BHP Billiton Brasil Ltda” – este um dos intertítulos do relatório que trata do conselho curador da Fundação. 

“A Renova não tem independência, não resolve os problemas. Ela vai empurrando com a barriga, dividindo as comunidades, criando obstáculos. Esse modelo de governança está errado”, dispara o parlamentar. 

Lucro bilionário

“Só a Vale teve R$ 6,5 bilhões de lucro no primeiro trimestre de 2019, segundo o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Brumadinho, aprovado essa semana. Com uma empresa com esse lucro, o problema pra resolver a situação dos atingidos não é financeiro. O problema é que não há uma visão social e humanitária nem da Renova nem das empresas”, desmascara. 

“Onde nós fomos ouvimos que a Renova só fez dividir as comunidades. Numa localidade com dois mil atingidos, ela faz reparação de meia dúzia e diz que os outros não foram atingidos. Um empreendedor de turismo de Regência que faliu, um agricultor que não pode irrigar sua plantação, como negar que são atingidos?”, indigna-se. 

“São dois milhões de pessoas atingidas, segundo o MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens], considerando todas as que foram diretamente impactadas ou de alguma outra maneira por esse crime ambiental, por causa da destruição da fauna e da flora, dos rios e do mar”, diz. 

Defendendo enfaticamente um novo modelo de governança, Helder cita o caso de Brumadinho, onde a possibilidade de ter a atuação da Renova foi descartada. “É um sinal de que não eu certo, foi um equívoco, uma experiência que não funcionou. É hora de mudar, é urgente!”, clama. “Se não fizermos isso, daqui a quatro anos vamos continuar falando as mesmas coisas”, adverte. 

A Comissão fará ainda diligências em Minas Gerais e continuará monitorando os desdobramentos nos dois estados. De imediato, estão sendo oficiados diversos órgãos, para envio de informações oficiais sobre as denúncias colhidas nessa primeira incursão ao território capixaba. 

“A CDHM oficiará a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] a respeito das denúncias relacionadas à advocacia privada, e o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], a respeito da negativa de seguro defeso para os indivíduos que recebem o subsídio da Renova. Oficiará o governo dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, as prefeituras, o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério Público do Espírito Santo, a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública de Minas Gerais, a Defensoria Pública Espírito Santo e o Conselho Curador da Fundação Renova, solicitando informações e previdências sobre o teor completo deste relatório”, elenca o documento.

ONU

Helder lembra que o crime foi denunciado por ele em Genebra, ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). E que em dezembro, o tema será tratado pelo relator da ONU para Resíduos Tóxicos, Baskut Tuncak, que virá ao Brasil para investigar também o vazamento de óleo no mar, direitos dos atingidos por barragens, mineração em terras indígenas e lixões a céu aberto. “Possivelmente ele visitará Brumadinho ou Mariana e terá agendas com governadores e a Comissão da Câmara dos Deputados”, anuncia. 

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