É preciso ampliar a área de proibição de pesca em razão da contaminação pelos rejeitos de mineração da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP em Mariana/MG, em cinco de novembro de 2015.
Essa é a principal recomendação feita pela consultoria Lactec, contratada pelo Ministério Público Federal (MPF) de Linhares, no norte do Espírito Santo, para analisar a nota técnica emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em maio último – NT 8/2019 – sobre a avaliação do risco de consumo de pescado proveniente das regiões afetadas pelo crime.
Na época, a Fundação Renova deturpou o conteúdo da nota, publicando, em seu site, uma notícia com o título “Anvisa atesta segurança do consumo do pescado no Rio Doce”. Dias depois, a própria agência divulgou uma Nota Pública desmentindo a notícia.
O comunicado foi assinado juntamente com Ministérios Públicos Federal e Estadual do Espírito Santo (MPF e MPES), a Defensoria Pública (DPES), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a Agência Estadual dos Recursos Hídricos (Agerh) e a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag).
Na nota, as entidades afirmavam que a NT 08/2019 da Anvisa estava sendo utilizada de forma equivocada pela Fundação Renova. “A reunião com a Anvisa foi muito importante, pois esclareceu às instituições e órgãos presentes sobre a finalidade da Nota Técnica emitida no dia 22 de maio, que foi meramente informativa aos técnicos que ainda conduzem os estudos pertinentes. Não pode, em hipótese alguma, ser usada para incentivar o retorno das atividades pesqueiras, o consumo de pescado ou a eventual interrupção dos programas socioeconômicos executados pela Fundação Renova”, afirma na época o defensor público Rafael Mello.
Áreas proibidas
Atualmente, a pesca está proibida, no mar, em uma faixa delimitada ao sul pela Barra do Riacho, no município de Aracruz, ao norte pela praia de Degredo, no município de Linhares, e ao leste até onde a plataforma continental alcança 25 metros – polígono definido pela Justiça Federal do Espírito Santo em fevereiro de 2016.
Na porção continental, a Portaria no 40 de 11 de maio de 2017, redigida pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, proibiu a pesca de “espécies autóctones e peixes em toda a bacia do Rio Doce, com o intuito de preservar e conservar os recursos pesqueiros, de modo a assegurar o equilíbrio ecológico e a biodiversidade no Estado de Minas Gerais”. No entanto, permitiu a “captura e o transporte de espécies alóctones ou exóticas e de espécimes híbridos, sem limite de cota para o pescador profissional e com limite de 10 kg (dez quilogramas) mais um exemplar de qualquer tamanho acima do mínimo estabelecido pela legislação vigente para o pescador amador”.
Na conclusão da Lactec, é de extrema importância que seja mantida a proibição da pesca na região marinha-estuarina, uma vez que mesmo organismos capturados fora da área previamente estabelecida apresentaram elevadas concentrações de elementos potencialmente tóxicos (EPTs).
Além disso, prossegue a consultoria, devido a esses elementos terem sido encontrados em todos os pontos amostrados, também, na porção continental, sugere-se discussão sobre uma melhor regulamentação ou, ainda, sobre a proibição da pesca desses pontos, além da ampliação da proibição da pesca para espécimes alóctones ou exóticas à bacia hidrográfica do Rio Doce, que haviam sido liberadas para a pesca de acordo com a Portaria 40/2017 do IEF de Minas Gerais. Tais indivíduos, muito embora estejam em maior número em relação às espécies nativas, também acumulam grande quantidade de contaminantes.
Ressalta-se, ainda, a importância da fiscalização e de monitoramento ambiental para que se possam realizar estudos mais abrangentes quanto à contaminação do pescado em toda a área acometida pelo crime, bem como a continuidade de estudos de avaliação de risco, que constituem uma ferramenta muito importante para estimar a probabilidade de ocorrência de um efeito adverso em um organismo ou população, diante da exposição a elementos potencialmente tóxicos.
Somente assim, explica a empresa, será possível fazer uma previsão sobre o tempo de depuração e de recuperação dos organismos e ambientes atingidos, além de obter informações essenciais sobre a contaminação desses organismos e determinar se esses podem ou não ser utilizados para consumo humano.
Contaminação persiste
O estudo feito pela Anvisa e analisado pela Lactec considerou a contaminação do pescado coletado em diversos pontos atingidos pelo crime em relação a doze elementos: cádmio (Cd), cobre (Cu), cromo (Cr), chumbo (Pb), ferro (Fe), manganês (Mn), mercúrio (Hg), arsênio (As), alumínio (al), níquel (Ni), prata (Ag) e zinco (Zn)], dos quais apenas oito (Cd, Cr, Cu, Pb, Fe, Mn, Hg e As) foram quantificados em peixes de água salgada.
Dos doze elementos avaliados, seis (Cu, Cr, Fe, Mn, Ni, Zn) são considerados essenciais. Porém, mesmo esses elementos, quando em elevadas concentrações, podem causar diferentes alterações aos organismos e, portanto, podem ser considerados tóxicos. Os demais, são reconhecidamente não essenciais, ou seja, não são importantes para a fisiologia e como constituintes de organismos vivos.
Dentre os avaliados, os elementos não essenciais – mercúrio e cádmio – foram os que apresentaram as maiores porcentagens de desacordo em relação à Resolução RDC no42/2013, que dispõe sobre o Regulamento Técnico Mercosul sobre Limites Máximos de Contaminantes Inorgânicos em Alimentos.
Outros estudos sobre presença de metais no pescado da região também foram analisados pela Lactec, como os feitos pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Para a maior parte desses estudos analisados, contextualiza a Lactec, há um consenso de que o impacto visual do desastre está diminuindo, porém, é válido ressaltar que, tanto na calha do Rio Doce quanto na região marinha-estuarina da foz deste, ainda há uma importante mobilização e contribuição da pluma de rejeitos na contaminação das águas, sedimento, solo e biota local por EPTs, sejam eles direta ou indiretamente associados à atividade de mineração.
Além disso, ressalta a consultoria, embora haja indicação de que o material em suspensão esteja se depositando e se acumulando no fundo, junto ao sedimento, é sabido que ele pode ser ressuspenso e disponibilizado na coluna d’água desencadeando, consequentemente, por um longo período, alterações significativas na qualidade da água, biogeoquímica de sedimentos, bioacumulação e efeitos de toxicidade para a biota local e até mesmo para a população humana.
O estudo da Anvisa, divulgado por meio da nota técnica 8/2019, confirma a ocorrência de EPTs em peixes provenientes da região, bem como alerta para o risco do consumo dos mesmos em porções superiores a 200g para adultos e 50g para crianças.
Entre os elementos mais preocupantes quanto aos efeitos sobre a saúde humana, segundo a Anvisa, estão o mercúrio (Hg) e o chumbo (Pb), que foram encontrados nas amostras avaliadas por aquela agência regulamentadora. Nos resultados apresentados pelo Lactec, os elementos arsênio (As) e Hg foram os que apresentaram as maiores concentrações, especialmente nos organismos capturados nas porções estuarina-marinha.
No entanto, se comparado aos estudos de linha base, os elementos cromo (Cr), cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn) e zinco (Zn) estão com concentrações bastante elevadas, na porção continental, e os elementos cádmio (Cd), Cr, Cu, Fe, Mn e Pb, na porção estuarina-marinha.
Para a análise de avaliação de risco, a Anvisa considerou dados conservadores quanto ao consumo diário de peixes pela população, que talvez não seja condizente com os hábitos alimentares das diferentes comunidades locais. Do mesmo modo, nos dados considerados não houve separação quanto ao nível trófico dos organismos avaliados, que os difere quanto à capacidade de bioacumulação. O estudo desenvolvido pelo Lactec considerou o risco à saúde humana, com base apenas nos dados de acúmulo desses elementos em peixes, ou seja, não foram consideradas outras fontes (como outros pescados, água, verduras, leite, etc.) nem outras vias (por exemplo, inalatória e cutânea) de exposição, assim como não foram considerados os efeitos que podem ser causados pela sinergia entre esses elementos.