A Marcha para Jesus, no último final de semana, ganhou adesão de pessoas que que faziam apologia ao armamento, além de incluir em sua programação uma motociata de recepção ao presidente Jair Bolsonaro (PL), com a participação de políticos locais, lideranças religiosas e cantores gospel. Se por um lado tem gente que se vestiu de verde e amarelo e foi às ruas de Vitória e Vila Velha participar, por outro, o evento gerou questionamentos por parte de quem não enxerga nele algo que vai ao encontro dos ensinamentos de Jesus.
Para o presbítero Nilton Emmerick Oliveira, da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, “a política só tem sentido na ótica do bem comum”. A mesma ideia é defendida pelo membro da Rede Nacional de Assessores do Centro de Fé e Política Dom Helder Câmara, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Maurício Abdalla.
“A gente não apoia político, partido, mas a opção que Jesus fez pelos pobres”, diz Nilton, que destaca um trecho do Evangelho de Mateus, no qual Jesus é questionado sobre o que deve ser feito para herdar o reino de Deus, dando como resposta atos como dar de comer a quem tem fome e visitar os detentos na prisão.
“Essa é a essência do Cristianismo. Ficar fora disso é apostar na destruição da obra da criação de Jesus, que é o ser humano. A Marcha era para Jesus, mas esqueceram de convidá-lo. Primaram pelo desfile com uma arma de todo tamanho, acreditam no armamento, em algo que traz destruição”, diz, referindo-se ao fato de que, durante o evento, havia uma réplica gigante de um revólver. E acrescenta: “isso é olho por olho, dente por dente. É Velho Testamento, e o Velho Testamento deve ser lido na ótica do Novo Testamento, quando Jesus deixa claro que essas leis foram feitas em cima da maldade e da perseguição”.
Com base na Doutrina Social da Igreja Católica, Maurício Abdalla acredita que a Marcha para Jesus se tratou da “instrumentalização da fé em função de uma candidatura e de uma agenda armamentista”.
“A Igreja defende o estímulo à participação na política, como candidato ou eleitor consciente, mas não abraça uma candidatura. Enxerga a política como expressão máxima da caridade, concretizando os ideais do Cristianismo no mundo, como a justiça, igualdade e bem comum. Dar comida, por exemplo, é um ato de caridade individual, por meio da política, com a criação de políticas públicas, essa ação se amplia, atinge um número muito maior de pessoas”, ressalta Maurício.
Ele prossegue apontando que “a política é consequência da fé, e não o contrário”, e defende a formação e conscientização dos cristãos, dando como exemplo de iniciativa desse tipo a
Escola de Fé e Política da Arquidiocese de Vitória, da qual é coordenador pedagógico. “A formação crítica tem como consequência a atuação desses cristãos em movimentos sociais, uma atuação mais presente na sociedade, em diversas formas de fazer política, para impedir que aqueles que querem manipulá-la para interesse próprio possam dominar esses espaços”, complementa.
Igreja Presbiteriana
A Igreja Presbiteriana do Brasil analisa a adoção de uma resolução na qual defende a reeleição de Jair Bolsonaro. O texto diz que a igreja deve apresentar “a contradição entre Marxismo e suas variantes com o Cristianismo Bíblico” e que “essas pastorais orientem os declarados ‘cristãos de esquerda ou progressistas’ de suas inconsistências”. Nilton explica que essa igreja se difere da qual faz parte, a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.
O presbítero recorda que esta última surgiu no tempo da ditadura, quando a outra divulgou uma carta apoiando o golpe. “A direção fez a opção por aderir à ditadura. Foram fechados dois seminários, um em Recife e outro em Minas Gerais. Muitos professores foram denunciados e perseguidos, um deles foi o Rubem Alves”, rememora. Nilton afirma que a carta “é como se tivesse sido escrita hoje, de tão atual”. “Hoje se adere ao mesmo perfil, se tem as mesmas atitudes, apoiando esse fascista que está aí”, diz, em alusão ao presidente.
Carta dos bispos
A carta é assinada por Dom Dario Campos e Dom Andherson Franklin Lustoza de Souza, da Arquidiocese de Vitória; Dom Paulo Bosi Dal’Bó, da Diocese de São Mateus; Dom Luiz Fernando Lisboa, da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim; e Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa, da Diocese de Colatina. Dom Dario preside a Regional, Dom Paulo é vice-presidente e Dom Luiz, secretário.
A necessidade de “avaliação criteriosa”, segundo os bispos, existe pelo fato de que “o voto tem consequências na situação econômica, social, cultural e ambiental de nosso País, nossos estados e municípios”, sendo assim, “necessária uma análise da história e das propostas daqueles que desejam ser nossos e nossas representantes no exercício de mandatos políticos”.