A Assembleia Legislativa fecha a segunda semana de trabalhos após o recesso com uma questão no ar: está havendo ou não a ingerência do Executivo sobre os deputados? O tema foi alvo de bate-bocas entre os deputados Enivaldo dos Anjos (PSD) e Gildevan Fernandes (PV), líder do governo. O primeiro acusa o plenário de submeter-se à pressão governista. Já o segundo nega qualquer interferência e acusa Enivaldo de constranger os colegas. De forma prática, o plenário aprovou somente duas proposições ao longo das últimas cinco sessões ordinárias.
Os dois projetos de lei aprovados não tratam de matérias que compõem a pauta principal de assuntos do Estado. Na sessão de terça-feira (11), os deputados aprovaram uma matéria de autoria da deputada Luzia Toledo (PMDB), declarando como patrimônio imaterial do Estado os tapetes de Corpus Christi de Castelo, que tramitava desde 2011. O outro projeto, aprovado nesta quarta-feira (12), de autoria de Gilsinho Lopes (PR), obriga fornecedores de produtos e serviços a definirem junto aos consumidores a data e horário de entrega ou instalação de equipamentos. Propostas que são conhecidos nos bastidores como “cobra d’água”, já que não trazem nenhuma grande repercussão à sociedade.
Por outro lado, a discussão sobre a ingerência do Legislativo invadiu a esfera de outras matérias bem mais relevantes, como a proposta de emenda constitucional (PEC) que obrigava o Estado assegurar defensores públicos em todos os municípios ou do projeto de lei que regulamenta o regime jurídico das terras devolutas. Nos dois casos, as matérias foram retiradas de pauta após manobras de Gildevan, que vem conduzindo a liderança do governo com “mãos de ferro” – de acordo com Enivaldo, que chegou a ameaçar deixar o cargo se ele fosse considerado um “problema” aos colegas.
Nas duas últimas sessões, a animosidade entre os dois ficou clara. O motivo foi o arquivamento de um projeto de lei apresentado por Enivaldo, que obrigava a manutenção da utilidade de bens públicos doados. O autor da proposta admitia que a proposta fosse rejeitada em plenário, mas o texto acabou sendo atingindo no nascedouro após o parecer pela inconstitucionalidade da Comissão de Justiça. A atitude motivou o desabafo de Enivaldo, que foi além nas críticas sobre a suposta fragilidade do Poder Legislativo. Ele se queixou que os deputados não têm acesso às outras instituições, tampouco são recebidos por autoridades ou têm demandas aceitas pelo governo.
Já o líder do governo se defendeu, negando qualquer tipo de interferência nos trabalhos da Assembleia. Para Gildevan, o comportamento de Enivaldo estaria constrangendo os demais colegas. Ele chegou a citar um pronunciamento do colega antes da votação do projeto que proibia a retenção de veículos que tivessem débitos de IPVA. Naquela ocasião, Enivaldo afirmou que os deputados que votassem contra a proposta seria a favor da máfia dos guinchos, que é tema de uma CPI presidida por ele. “Cada deputado aqui vota de acordo com as suas convicções”, diagnosticou Gildevan.
No entanto, o “líder das mãos de ferro” não mostra tanto disposição na defesa de quem vota seguindo as suas convicções. Também nesta semana, Gildevan trocou farpas com o deputado Sérgio Majeski (PSDB), que é o principal crítico do projeto Escola Viva. Na segunda-feira (10), o tucano afirmou ser indiferente ao sucesso do projeto piloto de escola integral no antigo campus da Faesa, em São Pedro. “Estou preocupado com a educação de 120 mil alunos que continuam sem a devida atenção do Estado”, afirmou Majeski. No entanto, o líder do governo – ignorando o fato das demais escolas estaduais não terem o que comemorar – acusou o colega de ser o “inimigo número um da Escola Viva”.
Uma declaração pesada, mas que encontrou eco em outra aliada de primeira hora do Palácio Anchieta: a presidente da Comissão de Educação da Casa, Luzia Toledo. Além de rasgar elogios à escola teste, a peemedebista defendeu a gestão da educação no governo Paulo Hartung (PMDB) e apontou o dedo para Majeski na tentativa de deslegitimar o colega para tratar o assunto por ser professor da rede privada de ensino. Provocação similar feita em rápida passagem nos microfones de aparte do quase-sempre calado deputado, Professor Marcos Bruno (PRTB), que também seguiu a “cartilha Gildevan” de responder provocações com mais ataques.
Enquanto o tempo das sessões – três horas regimentais por reunião – vai se perdendo com as discussões, alguns deputados reclamam pela falta de tempo para o grande expediente, quando os parlamentares e líderes partidárias podem discursar com tema livre. Nesta semana, o deputado Edson Magalhães (DEM) puxou o coro dos descontentes. Mas nem o pedido do demista teve acolhida por Enivaldo, que presidia a sessão naquele momento. Enquanto isso, os temas importantes vão se acumulando na Ordem do Dia, que é pauta de votações. Para a próxima semana, deve voltar à votação a proposta que cria cargos comissionados e amplia o número de CPIs.
Nesta matéria, o texto original, de autoria da Mesa Diretora, permitia a ampliação do número máximo de CPIs em andamento de cinco para dez. No entanto, o texto já recebeu emenda do deputado Rafael Favatto (PEN) para retornar ao atual patamar. Outra emenda do parlamentar é para vedar o exercício da presidência de duas ou mais comissão ao mesmo tempo – proposta que atingiria diretamente Enivaldo, que comanda a CPIs da Sonegação e dos Guinchos. No mesmo bolo, a Comissão de Justiça também rejeitou as emendas de Majeski, que em uma delas acabando com a necessidade do aval da Mesa até mesmo para nomeação de servidores para os gabinetes dos deputados, o que inviabiliza com a expressão “livre escolha” nas indicações.
No caso do projeto sobre terras devolutas, a questão é muito mais complexa. Mesmo sendo de autoria do próprio governo do Estado, o deputado Gildevan pediu mais tempo para analisar sobre as implicações do texto. O PL 296/2015 é apontado por integrantes de movimentos sociais como uma forma atender à demanda por mais terras para plantios de eucalipto, como a apresentada pela Aracruz Celulose (hoje Fibria) e a Suzano. A estimativa é de que hoje o Espírito Santo tenha cerca de 1 milhão de hectares de terras devolutas. No entanto, o governo não divulga o mapa das áreas, o que tem servido como empecilho à luta dos movimentos do campo pela reforma agrária.