Projeto segue para sanção do prefeito. Festividade, realizada por Mãe Néia, acontece há 40 anos, em Camburi
A Câmara de Vitória aprovou, nesta quarta-feira (22), o Projeto de Lei (PL) 264/2023, de autoria do vereador André Moreira (Psol). A proposta, que seguirá para sanção do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), inclui no calendário de festas da Capital o Dia da Entrega do Balaio para Iemanjá, em 2 de fevereiro, referente à festividade em homenagem à orixá, organizada há quatro décadas por Mãe Néia, no píer de Iemanjá, em Camburi. Durante a sessão, o mandato de André distribuiu rosas brancas, simbolizando a paz.
Apenas um vereador foi contrário, Davi Esmael (PSD). Outros oito foram favoráveis: Aloízio Varejão (PSB), André Brandino (PSC), André Moreira, Dalto Neves (PDT), Duda Brasil (União), Karla Coser (PT), Maurício Leite (Cidadania) e Vinícius Simões (Cidadania). Já Anderson Goggi (PP), Leonardo Monjardim (Patriota), Luiz Emanuel (Republicanos), Luiz Paulo Amorim (SDD) e Chico Hosken (Pode) não votaram, mas Goggi, que não estava na Câmara no momento da votação, pediu para que constasse em ata sua posição favorável ao projeto. O presidente da Casa, Leandro Piquet (Republicanos), não vota.
Na justificativa, o vereador afirma que seu propósito é “reconhecer e valorizar as tradições das religiões de matriz africana, bem como enfrentar o preconceito e a discriminação enfrentados por seus praticantes”, além de apontar que a entrega do balaio “representa um importante momento para promover a diversidade cultural e religiosa na cidade de Vitória”.
Pelo fato de, historicamente, as religiões de matriz africana sofrerem discriminação, André acredita que o Dia da Entrega do Balaio para Iemanjá “surge como uma resposta simbólica ao fortalecer as celebrações e manifestações religiosas afro-brasileiras”. O texto diz ainda que “ao incluir essa data no calendário municipal, o município demonstra seu compromisso em combater o preconceito e promover a tolerância religiosa”.
André afirma que “o ato de entregar o balaio às águas é carregado de significado ritualístico e pessoal para os praticantes das religiões de matriz africana. Simboliza a busca por harmonia, proteção e fertilidade, conforme a tradição de Iemanjá, a Rainha do Mar”.
Durante a votação na Câmara, o vereador também pontuou que quando a festividade é inclusa no calendário da cidade, se reservará o espaço e o horário para que outras “não se confrontem com esta que já acontece há 40 anos”.
O vereador apontou, ainda, que “tolerância religiosa é mais importante quando se defende a religião do outro, quando se defende só a nossa, não é tolerância, é proselitismo”. Maurício Leite defendeu o PL destacando o “significado que tem no Brasil esse segmento [religiões de matriz africana]” e Leandro Piquet que “se é para o bem, temos que apoiar”. “Sou católico, mas se a Mãe Néia fizer qualquer movimento que me ajude, que me ilumine, que me dê sabedoria para conduzir o parlamento, faça! Se emana sentimentos positivos, está valendo”, disse.
Também católico, o vereador Anderson Goggi afirmou que “isso não me impede de respeitar a religião do próximo”. A vereadora Karla Coser mencionou as festividades de cunho religioso do calendário da Capital. São mais de 20, em sua grande maioria, católicas e evangélicas. “Todas oportunidades de benção, se é para o bem, se é para o amor, eu acredito”, destacou.
Satisfação
Diante da aprovação do PL, afirma Mãe Néia, o sentimento é de satisfação. “Comecei eu e Deus, agora já se arrasta uma multidão. Já são 40 anos, não se pode jogar fora. A gente faz com o coração. Fiquei muito emocionada. É um avanço que temos no respeito à nossa religiosidade”, destaca. Filha de Iemanjá com Ogum e Obaluaê, Mãe Néia fez a primeira entrega de balaio quando chegou ao Espírito Santo, em 1982, vinda de Santos, São Paulo. “Peguei minha cestinha, fiz oferenda para minha mãe, começou a aparecer um monte de curiosos. Veio até polícia pensando que alguém estava morrendo afogado. Acabou que eles ficaram ali comigo”, conta.
Com a inauguração do píer, em 1988, ela passou a fazer o festejo ali, mas em 1999, a mãe de santo, junto com a Federação Afrobrasileira do Espírito Santo, presidida na época por Nilton Dário, mobilizou as religiões de matriz africana para que também fizessem na praia, o que acontece até hoje. “Normalmente se fazia no ano novo, aí misturava religião com outras coisas, com bebida. Me sinto feliz, pois fiz um trabalho e tive resposta. Digo de cabeça erguida: eu fui corajosa. É uma vitória”, comemora.
Embora não tenha frequentado seu Barracão, ela lembra com carinho do ex-prefeito de Vitória Hermes Laranja, em cuja gestão foi inaugurado o píer de Iemanjá. “Ele tinha muita fé. A gente agradece e respeita muito ele”, enfatiza.