De bicicleta e sem panfletos, Fernando Colombi é um dos que acredita ser necessário rever o modo de fazer campanha
“Se cada candidato a vereador distribuir mil santinhos, teremos 500 milhões de santinhos espalhados por todo país. É muito lixo eleitoral”. A fala é de Fernando Colombi, candidato a vereador em Vitória pelo Psol, no vídeo em formato noticiário que chamou de “Bad News”. Ele é um candidato que define sua campanha como Lixo Zero. Aboliu o uso de santinhos e busca novas estratégias como o teatro nas ruas e vídeos na internet para chamar atenção de eleitores.
“Não me sinto confortável de entregar milhares de panfletos que provavelmente 90% das pessoas jogarão na primeira lata de lixo mais próxima, conhecendo a realidade da onde vem essa matéria-prima. Coerência é uma palavra muito cara para mim”, afirma Fernando, formado em Direito e candidato pela primeira vez. Ele trabalhou junto a comunidades quilombolas no Norte do Estado e denuncia até hoje o impacto do monocultivo de eucalipto para produzir papel, o chamado Deserto Verde, que ocupa boa parte do território capixaba, com especial impacto sobre as comunidades tradicionais.
“Lixo Zero é uma meta ética, econômica, eficiente e visionária para guiar as pessoas a mudar seus modos de vidas e práticas de forma a incentivar os ciclos naturais sustentáveis, onde todos os materiais são projetados para permitir sua recuperação e uso pós-consumo”.
Definição da Zero Waste International Aliance (ZWIA)
O Instituto Lixo Zero Brasil publicou uma e-book com orientações para Candidatos e Políticos Lixo Zero e também um Plano de Governo Lixo Zero, já que o compromisso não termina nas campanhas, pelo contrário, elas devem ser um começo para uma atuação mais comprometida com a questão.
Uma das candidaturas deste ano que aderiu à Campanha Lixo Zero foi de Patrícia Hulle, que também é pela primeira vez candidata, se postulando ao cargo de vereadora pelo partido Cidadania. Enfermeira com mais de 30 anos de trabalho na área de saúde, ela se aproximou do tema ao perceber o impacto da destinação inadequada dos resíduos sólidos nas questões de saúde, que contribuem para o aumento de diversas doenças.
Alguns candidatos chegaram a usar papel-semente para os santinhos, contendo sementes de plantas dentro, podendo ser picotados e enterrados e gerar alimentos. Porém, há uma polêmica, já que em consulta, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná considerou que o uso do papel-semente configura entrega de brinde, o que é proibido pela lei eleitoral. Patrícia discorda deste entendimento, mas não quis correr o risco. Tentou também produzir santinhos com material reciclado, mas não conseguiu gráficas que disponibilizassem.
Em relação aos mandatos, o Coletivo Lixo Zero Vix aponta como um dos políticos que se alinhou à ideia do Lixo Zero o deputado estadual e candidato à prefeitura de Vitória, Fabrício Gandini (Cidadania). Em seu gabinete, ele adotou a proposta desde o ano passado, reduzindo em 80% as impressões, eliminando copos descartáveis e papel-toalha e separando os resíduos que são direcionados diretamente para associações de catadores. Até uma composteira chegou a ser instalada no local para os resíduos orgânicos, mas foi desativada durante a pandemia com a diminuição do fluxo no gabinete.
Nas campanhas eleitorais, outra fonte de poluição vem do transporte, já que os candidatos se deslocam por diversos lugares, geralmente em veículos automotores, além de promoverem carreatas. Em contraposição, Fernando Colombi faz sua campanha sempre percorrendo a cidade em sua bicicleta, na qual instalou uma grande bandeira de seu partido.
Em locais como feiras e outros pontos de circulação de pessoas, chegou a se vestir como um homem que acabara de cometer um feminicídio e também como um jovem que havia sido baleado, por meio de maquiagem especial feita por um amigo da área. Com o visual impactante e performance teatral, chama atenção dos transeuntes e os convida para o diálogo.
“Para entrar em contato com as pessoas que se interessaram pela campanha, peço alguma forma de contato, como WhatsApp, e-mail ou rede social, anoto num caderno que carrego comigo, e daí encaminho o material de campanha”, diz sobre a estratégia de divulgação sem panfletos. “Me oriento sempre na ideia de não gerar lixo, pois acredito que a reciclagem está longe de ser suficiente para resolver o grande problema que é a geração de resíduos”. No caso de quem não tem celular e redes sociais, ele escreve o nome e número num pedaço de papel de seu caderno e entrega para o eleitor.
Descobriu recentemente também uma campanha do Psol no interior de São Paulo que está usando um carimbo aplicado em folhas de árvore secas ou em papéis de nota fiscal reaproveitados. “Se soubesse antes teria feito assim também”, refletiu se aproximando da reta final de campanha.
Será viável fazer uma campanha competitiva sem gerar lixo? Será possível avançar progressivamente para uma redução significativa do “lixo eleitoral”? E o principal, será possível eleger cada vez mais candidatos preocupados com o cuidado necessário e a redução da produção com os resíduos? E com conhecimento e ação para o cumprimento da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, que busca reduzir o impacto socioambiental no descarte? São perguntas que serão respondidas nas urnas mas também a partir da ousadia de candidatos. “É preciso abdicar de algumas coisas”, diz Patrícia. É preciso fugir do convencional, visto sempre como o caminho mais fácil.
Fernando Colombi considera uma tendência a redução de santinhos, bandeiras e carros de som. “A população já não vê com bons olhos tamanha produção de lixo, sobretudo numa época onde há muito conteúdo feito de forma digital”, afirma, apontando para a necessidade de maior inclusão digital, aumentando as chances de conseguir diminuir a produção de lixo físico.
Patrícia Hulle cita que ela e outros candidatos assumiram compromisso com organizações da sociedade civil, como a assinatura da carta da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação Capixaba de Agroecologia (ACA) e Rede Urbana Capixaba de Agroecologia (Ruca), acolhendo propostas que vão desde a valorização do alimento saudável e sem agrotóxicos até o cuidado com os resíduos e o meio ambiente.
Ela entende que o caminho para melhorar o tratamento de resíduos passa pela educação popular com promoção de saúde e informação nas escolas, unidades de saúde e, sobretudo, em espaços da juventude. Passa também pela organização e diálogo no âmbito comunitário, com especial olhar para as regiões de ecossistemas importantes como os manguezais, onde podem ser implantados projetos pilotos, como cita o exemplo da Revolução dos Baldinhos, em Florianópolis (SC), uma referência em compostagem comunitária.
“É preciso trabalhar com moradores do entorno e outros atores sociais para que possamos ter multiplicadores da ideia do Lixo Zero dentro das comunidades”, aponta a candidata. Também vê a necessidade de ampliar os ecopontos e a coleta seletiva, além da fiscalização de comércios. Como profissional da saúde, outra preocupação central para Patrícia Hulle é com o descarte de lixo hospitalar, que pode ser extremamente perigoso e contaminante para seres humanos e ecossistemas se não tiver destino correto.
Tanto Fernando como Patrícia concordam que o papel da sociedade civil é fundamental nesse processo. Não só elegendo candidatos comprometidos mas, também, cobrando campanhas menos poluentes e mandatos que sejam ativos e propositivos na questão, pressionando as autoridades para melhorar a legislação e as práticas na destinação dos resíduos.