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Capitão Sousa: ‘processo não me intimida de exercer meus direitos’

Integrante do Movimento Antifascista, Sousa participou de protesto ‘Fora Bolsonaro’ e responderá a procedimento interno

Arquivo Pessoal

O capitão da Polícia Miliar do Espírito Santo Vinícius Sousa, processado pela Corregedoria da Corporação por ter participado de manifestações populares de cunho político, como o “Fora Bolsonaro”, no dia 24 de julho, disse não temer o resultado da ação e que não vai se intimidar nem esmorecer. “Não vai mudar nada, porque estou exercendo um direito que me é garantido pela Constituição”, disse a Século Diário, em entrevista exclusiva a qual considerou o procedimento arbitrário, apontou equívoco na área de Segurança Pública, e destacou: “O policial não é um herói, é um trabalhador, e deve ter seus direitos respeitados”.

Aos 37 anos, casado, pai de três filhos, e lotado em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado, capitão Sousa tem formação em Direito com pós-gradução em Gestão Pública, além do curso de oficiais da PM. Ele defende direitos plenos para os policiais, como qualquer cidadão, e destaca a vedação constitucional à greve, à sindicalização e à filiação partidária, procedimentos seguidos pelo Movimento Nacional de Policiais Antifascismo no Espírito Santo, do qual é integrante. O grupo é formado por policiais militares de várias patentes, policiais civis e rodoviários federais, agentes penitenciários e guardas municipais.

A estrutura atual, segundo o capitão, ao negar a sindicalização ao militar, por exemplo, leva-o a buscar outras formas de se manifestar. No entanto, há uma contradição a partir do momento em que as ações conservadoras ganham apoio e as progressistas são perseguidas.

O capitão atribuiu a atitude adotada contra ele à “penetração na Corporação de conceitos externos de influência política, sempre arbitrária, para cercear a opinião. Não podemos afirmar nominalmente de onde vem essa pressão, mas sabemos que é de extrema direita, que não opera pela lógica e o debate de ideias, mas pela imposição e o discurso de ódio, na divulgação de fake news – fizeram isso com relação à vacina, com relação à urna eletrônica – para tentar criar uma cortina de fumaça para as pautas neoliberais, e estão sempre lançando mão de mentiras e manipulando a população”.

Na conversa om Século Diário, apontou: “Dentro da Polícia Militar eles não querem que esse processo seja diferente. Ao contrário, querem que seja mais forte. Então, a gente nota que no ambiente interno tem muito mais espaço à opinião de direita do que a de esquerda”. 

Confira o restante da entrevista:

Então é o mesmo modelo criado pelo atual governo de Bolsonaro, que tenta espalhar esse tipo de atuação por todo o país?

Exatamente. Existe no Estado um grupo de apoiadores do presidente, não por pautas ideológicas, mas um esforço destrutivo da opinião alheia, discurso de ódio. Não há sequer espaço para debater, mas uma tentativa de neutralizar e eliminar o adversário. E nós estamos denunciando esse fascismo, essa forma de resolver os desafios sociais, pelo ódio, pela violência. É isso o que está ocorrendo e resulta em redução de direitos fundamentais, defesa da tortura. E a Polícia Militar deveria ser a última a permitir que isso entrasse na corporação, que tem como missão institucional defender e promover os direitos humanos.

Quando a instituição é alvo de um atentado – e o que está acontecendo é um atentado fascista -, com cerceamento à liberdade de opinião dos próprios integrantes, daí a pouco a polícia estará atuando como polícia política, e nós não queremos isso. O governo Bolsonaro representa um retrocesso. um retrocesso enorme em matéria de Segurança Pública e de desrespeito aos direitos humanos. Além de reduzir os investimentos em segurança e em área sociais, fomenta a violência, num visão fascista de deixar que a própria população resolva seus problemas a partir da violência.

Você não acha que esse papel de polícia política já não acontece?

Sim, já acontece em alguns casos, como essa arbitrariedade comigo; nas manifestações, por exemplo, qual o papel que ela deve desempenhar ali. E já está ocorrendo muita arbitrariedade e nós não podemos legitimar isso e aceitar como se fosse algo institucional. Isso sim mereceria processos administrativos da Corregedoria e outros órgãos, para fazer esse filtro das ilegalidades que estão sendo cometidas na polícia. São políticas externas que estão tendo mais êxito do que os freios institucionais, que deveriam estar funcionando.

O Movimento Policiais Antifascismo conta com algum apoio da classe política no Espírito Santo?

Embora seja um movimento orgânico, mais relacionado ao social, não está ligado à área partidária. Nosso papel, com qualquer movimento social, é fazer pressão sobre pautas de interesse coletivo. Não tem a pretensão, por exemplo, de se organizar por meio de uma atividade partidária regular, com formação de chapas para as eleições. Nada disso, o movimento faz o debate público e pressiona os atores da política institucional. Então nesse sentido aí, o movimento se relaciona, mas de forma independente, construtiva.

Acontece que pela natureza das nossas pautas, a gente encontra mais apoio nos partidos de esquerda, as legendas progressistas, cujos compromissos são semelhantes aos nossos. Eles atuam por meio da política institucional, nós pelo debate público, levando as pautas à população e colhendo dela as suas impressões. Desse modo, o movimento fica muito mais espontâneo, embora seja orgânico, do que se fosse institucionalizado como partido.

Isso não impede que, eventualmente, em 2022, o movimento lance um candidato para defender essas pautas nas casas legislativas, correto?

O movimento é muito aberto em relação a isso e está ciente da necessidade de renovação dos quadros políticos atuais. O integrante que lá na frente quiser se candidatar pelo partido A ou B, tem que entender que isso não significa que o movimento seguirá com ele. É preciso manter essa característica suprapartidária, pois não opera na política partidária, mas sim na política enquanto movimento social.

Arquivo Pessoal

Como você vê essa divisão das polícias no Brasil, a estrutura de Segurança Pública, que se revela cheia de falhas?

O sistema de Segurança Pública no Brasil precisa de um a verdadeira transformação. Temos que nos espelhar em modelos de países desenvolvidos, que já realizaram em parte ou em todo essas mudanças. Temos que dar um choque de atualidade na nossa polícia, que começa por respeitar o direito do próprio policial, que deve ser viso como um cidadão, trabalhador, e não como um herói. Isso porque o herói não precisa de condições de trabalho adequadas, de salário digno, nada disso. O herói age com sua capacidade sobrenatural para resolver os problemas, e esse não é o caso.

Esse profissional, inserido no debate público do Direito Trabalhista, tem condições de respeitar e até de contribuir com os demais trabalhadores dentro da conquista de novos direitos e pela manutenção daqueles já alcançados. Desse modo, teremos um policial mais respeitador da sociedade. Além dessas questões, será um policial mais respeitador dos direitos fundamentais, na medida em que ele também está inserido como cidadão portador desses direitos.

Na visão de herói, de guerreiro que nós temos – guerra às drogas, por exemplo, pensando que irá resolver os problemas sociais é engano. Isso leva na verdade a um quadro de morte, de um genocídio, que afeta sobretudo a população negra. O policial entra como ator, em um quadro de violência geral, tanto morrendo quanto matando. Nós precisamos de uma desmilitarização e o policial necessita ter seus direitos de forma plena.

O militar hoje é um trabalhador que não tem os direitos fundamentais reconhecidos em sua totalidade, pois assim a Constituição assegura a todos, o direito de manifestação, de opinião, de expressão, mas não assegura o direito de sindicalização, como se isso fosse algo criminoso, que devesse ser evitado. É uma desordem e não pode se permitir dentro dos quartéis, pois resulta numa marginalização de toda a sindicalização, inclusive dos civis.

Defendemos um ciclo completo de polícia, que não tenhamos essa divisão de funções, na qual a Polícia Civil faz uma parte e a Militar a outra parte do processo, e a sociedade é mal atendida por esse modelo atrasado. Nos países desenvolvidos, as polícias são completas.

Defendemos também a carreira única, e o Brasil é uma exceção com esse modelo de castas, com a figura do oficial e a praça, em careiras distintas, pela qual o soldado não alcança o posto mais elevado.

Hoje, em matéria de administração moderna, nós percebemos que as vagas em universidades criadas na gestão do ex-presidente Lula possibilitaram que muitos soldados alcançassem a formação superior em áreas de gestão, de direito e outras, tendo o conhecimento prático e teórico, estando habilitados a ocuparem cargos, mediante concurso interno e outros tipos de demonstração de capacidade para gerir a instituição. A mesma coisa na Polícia Civil. Um investigador experiente não tem perspectiva de ser um delegado e presidir a investigação. Quem fará isso será um delegado muitas vezes que acabou de entrar e já chega chefiando uma delegacia. 

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