Segunda leitura do documento, assinado por mais de 900 mil pessoas, foi realizada em frente ao Teatro Universitário
A leitura da Carta aos Brasileiros e Brasileiras, documento com mais de 900 mil assinaturas que circula no país contra a ameaça de golpe do presidente Jair Bolsonaro, movimentou Vitória nesta quinta-feira (11), com a participação de representantes da sociedade civil, como universidades, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos e povo em geral. Os atos ocorreram na Praça Costa Pereira, no Centro, pela manhã, e em frente ao Teatro Universitário, em Goiabeiras, na parte da tarde.
O documento foi elaborado por iniciativa da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e se transformou em ato nacional suprapartidário de resistência aos ataques de Bolsonaro ao processo eleitoral. Iniciado com pouco mais de uma centena de assinaturas, em cerca de 10 dias alcançou perto de um milhão de signatários em todo o Brasil, estando ainda aberto a novas adesões, nas redes sociais.
Desde o início da manhã desta quinta, a Praça Costa Pereira começou a receber grupos de militantes, com camisas de partidos políticos, centrais e sindicatos, políticos com mandato e pré-candidatos, com camisas e bandeiras onde predominavam a cor vermelha, símbolo universal das lutas populares. Às 10h40, os discursos começaram.
O grupo era formado por representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Força Sindical, Nova Central, Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado (Sindipúblicos) e Associação dos Docentes da Ufes (Adufes), além dos partidos PSTU, PT, PCdoB e PCB.
Participaram políticos com mandato, como o deputado federal Helder Salomão PT); senador Fabiano Contarato (PT); a vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol); o pré-candidato ao governo do Estado, Capitão Sousa (PSTU) e o pré-candidato ao Senado Filipe Skiter (PSTU), e o escritor e militante Perly Cipriano (PT), pré-candidato a deputado federal.
“Nós sabemos que só a ação do povo organizado pode mudar as coisas”, disse Perly, um dos oradores, que acrescentou: “Esse dia de hoje é um marco extremamente importante da nossa história e tem um objetivo comum: derrotar Bolsonaro. Viva a unidade das forças de esquerda, democráticas e progressistas”.
Já o pré-candidato a governador, Capitão Sousa (PSTU), disse que a luta é por uma democracia verdadeira e não a “democracia do mercado, burguesa que nós temos, que não entrou nos quartéis, não subiu os morros, e não chegou às periferias. Nós precisamos de uma de democracia que vá à raiz dos problemas da classe trabalhadora”.
Célia Tavares (PT), que teve a pré-candidatura ao Senado retirada por seu partido, afirmou que considera a carta e a manifestação um momento importante e necessário de defesa da democracia, ressaltando: “É fato que temos na presidência uma pessoa completamente incompetente para ocupar este lugar”. Ela argumenta que Bolsonaro “não tem a menor noção da liturgia do cargo”.
À tarde, no espaço em frente ao Teatro Universitário, a partir das 17 horas, ocorreu o “Ato cívico em defesa da democracia e das eleições”, como informava uma grande faixa estendida no meio da escadaria principal, que serviu de palco para a leitura da carta e demais manifestações.
Uma significativa multidão se formou no espaço em frente ao teatro, no ato organizado pela Adufes, alinhada às outras entidades representativas da sociedade civil em defesa da democracia, como a Associação de Juízes pela Democracia (AJD), Associação dos Docentes da Ufes (Adufes), Sindicato dos Técnicos da Ufes (Sintufes) e Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Nas duas manifestações, pincipalmente na Ufes, houve maior participação popular, formada ainda por integrantes da classe artística, e com palavras de ordem em defesa da democracia e críticas ao presidente Jair Bolsonaro.
A carta
Lida em mais de 22 capitais do País nesta quinta-feira (11), a Carta às Brasileiras e Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito diz:
“Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais. Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o País sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo.
As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral. Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um País de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável.
O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude. Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais.
Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando a convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos. Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito. Aqui, também não terão. Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia.
Sabemos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática. Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!”.