Nota aponta atitude autoritária da Sedu em denúncia contra professor de Artes levada à CPI da Assembleia
O Coletivo Lute-ES, em defesa da democracia e de uma sociedade plural, classificou como cerceamento do “direito constitucional da liberdade de cátedra”, a postura da Secretaria de Estado da Educação (Sedu) ao abrir sindicância para apurar suposta tentativa de doutrinação em sala de aula. A denúncia atinge o professor de Artes Érlon Ramos, por propor a interpretação de uma charge que vinculava o coronavírus à figura do presidente da República.
O caso envolve ainda a superintendente da Sedu em Carapina, Rurdiney da Silva, e, além da apuração no âmbito da Secretaria, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Crimes Cibernéticos da Assembleia Legislativa também investiga a denúncia, formulada por Ariadne Fernanda Duarte Nery, mãe de aluna de 10 anos do 5º ano da Escola Prefeito José Maria Miguel Feu Rosa. Devido ao período de quarentena, os pais recebem os deveres de casa pelo Portal do Aluno.
Em nota distribuída nesta quarta-feira (1º), o Coletivo Lute-ES afirma que a Sedu quer “moldar o ensino aos seus padrões de mentalidade retrógrada”. O texto destaca a nota à imprensa divulgada pela Secretaria em que “antecipa sua posição e confessa a prática de censura ao afirmar ter tomado como providência a retirada imediata da atividade do ar, ou ainda, pela alegação estapafúrdia de que a equipe pedagógica não tinha conhecimento da atividade”.
Valmir Júnior (foto abaixo), um dos coordenadores do Coletivo, disse que “tutelar o docente é uma atitude autoritária”, que fere preceitos constitucionais estabelecidos para a atividade intelectual, e citou as novas Diretrizes Operacionais Versão 2, contendo “uma série de tutelas” e distorções para com a realidade.
A alegação da Sedu, segundo o Coletivo, “é questionável, pois a plataforma digital que dá acesso às turmas garante tanto aos professores quanto à escola a possibilidade de visualizar as postagens e tudo que é publicado por lá, portanto, os pedagogos nunca estiveram impedidos de acompanhar e oferecer suporte aos professores”.
O texto da nota prossegue: “Contudo, a função dos pedagogos de acompanhar, oferecer ajuda, propor outros olhares e metodologias, sempre com respeito à autonomia dos docentes, não pode ser confundida com a pretensão infundada e inconstitucional de tutelar e, muito menos de censurar os professores. Assim, é nítido que não cabe ao pedagogo, à direção da escola ou a quem quer que seja, estabelecer censura prévia à liberdade de ensinar”.
E ressalta: “Logo, a proposição de que o professor precisaria enviar anteriormente a atividade ao pedagogo para que ela fosse ‘validada’, como determinado pela Sedu, constrange a pedagogos e professores, distorce por completo o ordenamento jurídico vigente, afronta a autonomia funcional dos docentes e impõe, repise-se, a censura”.
Valmir chama a atenção para o texto da nota, que diz: “A Constituição Federal consagra em seu artigo quinto tanto a livre manifestação do pensamento quanto a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Ressalta ainda que “o texto constitucional não se furta em definir que a educação brasileira precisa considerar o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, princípio tão esquecido e usurpado em tempos de discursos de ‘alinhamento pedagógico’ e da profusão de escolas cívico-militares. A liberdade de cátedra – que se trata da liberdade de ensinar, de aprender, de pesquisar, de divulgar o pensamento, a arte e o saber – pressupõe a coexistência de contrários e o estímulo ao diálogo”.
Assim, em defesa da liberdade de cátedra e da democracia nas escolas e em repúdio ao ato de censura confessado pela Sedu em nota divulgada à imprensa, o Lute-ES aponta que o “professor reproduziu em sala de aula virtual uma prática social, um gênero textual do domínio jornalístico (uma charge) em constante circulação nos meios de imprensa e na internet. A charge, enquanto prática social, enquanto gênero textual específico, mantém o propósito de estabelecer uma crítica/sátira política restrita a um recorte temporal específico (a atualidade) e restrita também, sempre, a uma personalidade política também específica”.
“O objetivo da atividade não é direcionar os estudantes para um lado ou para o outro, mas estimular as suas capacidades de interpretar e entender o mundo em que vivem”, assevera, para acrescentar: “Não há que se esperar, portanto, dos chargistas – que também gozam de liberdade de expressão e da livre manifestação da atividade intelectual e artística – que não critiquem, se assim entenderem pertinente, a personalidade política em evidência – no caso, o atual presidente da República – muito menos se pode esperar do docente que sonegue aos estudantes o direito de terem acesso à crítica e de a avaliarem, com igual possibilidade, inclusive, de manifestarem oposição ao julgamento veiculado pela charge, isto é, de discordarem do chargista”.
Não há, destaca, “nessa única atividade, sequer indício ou vestígio de ‘doutrinação’, uma vez que o docente estabelece um comando claro na questão ao solicitar aos estudantes que identifiquem a crítica contida na imagem”.