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Com citações à Bíblia, Câmara de Vitória aprova projeto transfóbico

Sob alegação de “defesa das mulheres e da família”, vereadores se posicionaram contrários ao uso de banheiros unissex 

Reprodução

Vereadores de Vitória aprovaram, nesta segunda-feira (6), o Projeto de Lei 93/2022, de autoria do bolsonarista Gilvan da Federal (PL), que proíbe o uso de banheiros unissex na Capital. A matéria, que tramitou em regime de urgência, foi votada em uma sessão vazia, com direito a falas transfóbicas e citação de versículos bíblicos.

“Os vereadores desconhecem o que é banheiro unissex e não entendem sobre identidade de gênero. Esse tema está em debate aqui, porque este é o papel da extrema-direita no Brasil: tergiversar, não tocar nos temas centrais e desvirtuar o foco. Mais que isso, o arranjo dessa proposta é transfóbico, é a estigmatização das pessoas trans”, criticou a vereadora Camila Valadão (Psol) durante a sessão.

Nesta segunda, o projeto passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e de Direitos Humanos, sendo aprovado nos dois colegiados. Na CCJ, o vereador Luiz Paulo Amorim (SD) chegou a elaborar, com base em outras decisões tomadas em projetos parecidos, um parecer contrário ao projeto de lei, apontando inconstitucionalidade, mas este não foi aprovado pela maioria dos integrantes da comissão.

No plenário, o projeto foi aprovado com os votos favoráveis de André Brandino (PSC), Armandinho Fontoura (Podemos), Dalto Neves (PDT), Gilvan da Federal (PL), Luiz Emanuel (Cidadania) e Maurício Leite (Cidadania). Apenas Karla Coser (PT) e Camila Valadão (Psol) votaram contra. O presidente da Casa da Câmara, Davi Esmael (PSD), não votou, mas foi um dos coautores da matéria.

Em decorrência do parecer contrário, Amorim foi atacado por Gilvan da Federal, que bradava que ele era “esquerdista disfarçado”. O vereador se defendeu dizendo que tomou a decisão baseado em um parecer técnico. “Acho que nós estamos aqui para trabalhar pelo bem público. O importante é que todos estão aqui e foram eleitos no sentido de trabalhar e trazer melhorias para a comunidade como um todo”, disse Luiz Paulo Amorim.

A inconstitucionalidade do projeto também foi argumento da vereadora Karla Coser (PT). Ela afirmou que, aprovada, a matéria será derrubada na Justiça. A parlamentar também espera que o projeto seja vetado pelo prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos).

“Um tema de tamanha importância, que envolve a vida de tantas pessoas, não pode ser decidido diferente em uma cidade, para que em Vitória, por exemplo, seja proibido o banheiro unissex e, em Vila Velha, seja permitido. Com tamanha repercussão de um projeto como esse, deve ser discutido nacionalmente”, declarou Karla.

Alguns vereadores chegaram a sugerir a previsão de criação de um terceiro banheiro para ser utilizado por pessoas trans, o que foi criticado pela parlamentar por ser uma medida excludente. “Nós queremos um banheiro que seja respeitado pela identidade de gênero (…) Não é verdade o que alegam, que homens vão poder entrar dentro do banheiro feminino, mas pessoas que se identificam com o gênero feminino vão poder usar o banheiro feminino”, explicou a vereadora.

Além de ferir direitos garantidos pela Constituição, como a dignidade humana, a matéria também colide com a própria lei orgânica de Vitória, que prevê a efetividade de direitos, lembrou Karla. “O PL humilha e segrega a população LGBTQIA+ e, por isso, é claramente inconstitucional”, reiterou.

A Associação Gold também apontou a inconstitucionalidade do projeto de lei aprovado na Câmara de Vitória. A entidade lembra que, em 2016, foi aprovada, em Cariacica, uma matéria que proibia pessoas trans de usarem o banheiro de acordo com a própria identidade de gênero. “A lei foi vetada pelo prefeito, os vereadores derrubaram o veto e posteriormente OAB e Ministério Público conseguiram derrubar a lei. Esperamos que o prefeito Pazolini tenha a sensatez de vetar essa lei ridícula. Caso isso não aconteça, contamos com a ação da OAB, Defensoria Pública, Ministério Público para entrarem com ação na justiça para derrubar a lei, que já foi declarada inconstitucional em outras ocasiões”, diz a entidade.

Além de Gilvan, o projeto é assinado, de forma conjunta, pelos vereadores Davi Esmael (PSD), Luiz Emanuel (Cidadania), André Brandino (PSC), Armando Fontoura (Podemos), Leandro Piquet (Republicanos), Denninho Silva (União) e Maurício Leite (Cidadania).

‘Tenho amigos que são’

Dalto Neves (PDT), um dos que votou a favor do projeto, chegou a alegar que “não tem nada contra aquele que é trans ou gay”, com a famosa frase “tenho amigos que são”, mas permaneceu com falas transfóbicas, dizendo que quem se “comporta de uma forma como mulher, tem que se vestir como mulher”.

Outros vereadores tentaram se justificar. Luiz Emanuel chegou a dizer que já votou projetos em favor da população LGBTQIA+ em Vitória, mas votou e defendeu a matéria transfóbica, dizendo que a permissão de pessoas trans em banheiros femininos seria “uma covardia”.

Apesar das tentativas dos parlamentares de mostrar algum tipo de respeito à população trans, o posicionamento a favor da matéria mostrou justamente o contrário. O que se sobressaiu foram falas transfóbicas como as de Gilvan da Federal, dizendo que o projeto tinha o objetivo de “proteger as nossas mulheres de uma mente criminosa”, acrescentando ainda que “Deus criou homem e mulher”.

Para Camila Valadão, o debate em torno do tema, que foi retomado após uma medida inclusiva do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), tenta tirar o foco de problemas reais no município, além de instrumentalizar o ódio contra as minorias.

“Enquanto a gente está aqui preocupado com banheiro na Ufes, a Ufes e o Ifes tiveram um corte de mais de 31 milhões de verbas neste ano, e os senhores não estão preocupados com isso. Enquanto os senhores estão preocupados com um banheiro de todes dentro da universidade, a cidade de Vitória está um caos, no Pronto Atendimento Infantil de São Pedro, por exemplo, com demandas em várias áreas sociais, com famílias ocupando, em frente à prefeitura”, pontuou.

Ataques da plateia

Durante as falas na tribuna, as vereadoras Karla Coser e Camila Valadão foram interrompidas por diversas vezes pela plateia que foi à Câmara apoiar a aprovação do projeto transfóbico. Sob gritos e ataques verbais, a situação precisou ter intervenção da presidência da Câmara, para que o direito de fala das parlamentares fosse garantido.

Apesar de também defender a criação de um terceiro banheiro, o ataque às vereadoras foi criticado por Anderson Goggi (PP). “Estamos falando aqui na defesa das mulheres e aí eu deixo uma pergunta pros conservadores, pros pastores…Em um ambiente de trabalho, porque nós somos colegas de trabalho, vocês aceitariam uma filha de vocês ser agredida, ser mandada calar a boca em um ambiente de trabalho? É essa política que nós estamos falando em valorização das mulheres? Quem se diz cristão e quer defender as mulheres, vai mandar alguém calar a boca, vai agredir as pessoas, vai incitar o ódio?”, questionou o vereador, que também foi interrompido enquanto falava.

‘Mulheres trans continuarão avançando’

Durante a sessão, a vereadora Camila Valadão citou o exemplo de parlamentares trans que ocupam lugar de destaque na política brasileira, como a vereadora de Aracaju, Linda Brasil (Psol), primeira parlamentar trans do município; a deputada estadual Erica Malunguinho (Psol), primeira mulher trans da Assembleia Legislativa de São Paulo; e a vereadora da cidade de São Paulo, Erika Hilton (Psol), primeira trans eleita para a Casa de Leis paulista.

“Se essas parlamentares tivessem sido eleitas aqui, na cidade de Vitória, seriam proibidas pelos senhores de utilizar o banheiro feminino. Os senhores iriam impor que essas mulheres, que hoje ocupam parlamentos em várias cidades e estados do Brasil, utilizassem o banheiro masculino, ao lado dos senhores?”, questionou Valadão.

Camila prosseguiu: “Eu quero dizer, aqui, que apesar dos senhores, as mulheres trans continuarão avançando e, no que depender de mim, estrearemos na próxima legislatura uma vereadora trans na cidade de Vitória, e eu quero ver esse debate sendo feito aqui com a autoridade moral de uma mulher trans”, concluiu a vereadora.

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