O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, nessa semana, que os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) devem ser distribuídos pelos partidos de forma proporcional entre as candidaturas de brancos e negros, inclusive na divisão do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Apesar de valer somente a partir das eleições de 2022, o militante do Coletivo Negrada e um dos integrantes da coordenação do projeto Política na Raça, João Victor Santos afirma que nada impede que os partidos progressistas tomem a iniciativa de colocá-la em prática este ano. “É um instrumento para ver até que ponto esses partidos estão comprometidos com a causa racial”, enfatiza.
João Victor declara que a decisão do TSE é uma vitória, porém, parcial. “O Política na Raça fez parte da mobilização nacional que pressionou o TSE para a aprovação. Entendemos que foi uma vitória, mas queríamos que começasse a valer nesta eleição, não somente a partir de 2022. O ministro Luís Barroso questionou o porquê de não começar este ano, mas outros ministros alegaram que iria confundir os partidos”, afirma João Victor.
Ele ressalta que uma das dificuldades enfrentadas pelas candidaturas negras é a falta de dinheiro, deixando-as pouco competitivas em relação a candidaturas com mais recursos. “A decisão do TSE não resolve nosso problema, mas possibilita que os negros fiquem em pé de igualdade financeira com as outras candidaturas”, avalia.
João Victor relata, ainda, que ao entrar com a consulta no TSE, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) pediu que fosse estabelecida uma cota de 30% de candidaturas para negros e pardos. Entretanto, a medida não foi acatada, pois sua aprovação depende do Congresso Nacional, sendo esta, segundo João Victor, uma das conquistas que o Movimento Negro busca alcançar. “Na Colômbia, por exemplo, há cotas para quilombolas. Na Bolívia, para indígenas”, informa.
Política na Raça
O Política na Raça foi lançado em julho deste ano e busca ajudar a viabilizar o debate étnico-racial nas eleições de Vitória em 2020. Ao todo, seis pré-candidatos a vereador e um a prefeito estão sendo entrevistados publicamente por meio de lives, que terminam no final de setembro, para discutir sobre a questão racial dentro das campanhas e dos mandatos políticos.
Os entrevistados são candidatos de linha progressista que têm ligação com o Movimento Negro e incluem de alguma maneira a questão racial dentro de suas campanhas. O pré-candidato a prefeito a ser entrevistado será Gilbertinho Campos, do Psol, partido que recentemente definiu como pré-candidata à prefeita de Vitória a socióloga Munah Alek, que também é negra e deve ser entrevistada por meio do Política na Raça, segundo João Victor.
As lives acontecem pelas redes sociais, sempre às quartas-feiras, a partir das 19h, com duração de aproximadamente duas horas. A ideia, de acordo com João Victor, é fazer o mesmo nos demais municípios do Espírito Santo. Para isso, o Política na Raça está pesquisando sobre as candidaturas negras de partidos progressistas de outras cidades.
O Política na Raça, explica João Victor, não está comprometido com nenhuma das pré-candidaturas entrevistadas, e sim, com as pautas relacionadas às questões étnico-raciais. “Os candidatos serão confrontados com seus programas partidários. Queremos fazer um debate sobre isso. As candidaturas fazem apostas, queremos produzir também choques e tensionamentos”, diz.
O projeto pontua como seus objetivos garantir a pauta racial nas discussões políticas eleitorais, incentivar pessoas negras à participação partidária, construir alianças do Movimento Negro capixaba com as pré-candidaturas negras e ampliar o campo de “Raça e Política” nas Ciências Políticas.
Sub-representação
Pesquisador da questão da participação dos negros nos espaços eleitorais e institucionais, João Victor aponta a sub-representação nos parlamentos. No caso de Vitória, dos 15 vereadores, há um único negro, Wanderson Marinho (PSC). Mesmo assim, a presença de representantes negros eleitos não garante que a pauta racial seja colocada em evidência pelo mandato.
João Victor analisa que mesmo que por vezes haja um número até significativo de candidatos negros – desde 2014 os candidatos precisam realizar autodeclaração racial ao registrar candidaturas, o que facilita a criação de bancos de dados – a quantidade de eleitos é muito baixa.
Ele lembra que a pauta racial está em evidência nos últimos anos. “A lógica se inverteu, antes se achava que falar de preto e fazer uma campanha preta não atrairia votos. Mas vimos o contrário na última eleição”, aponta, em referência ao resultado eleitoral de 2018, que contemplou candidaturas que pautavam a questão tanto em Assembleias Legislativas como no Congresso Nacional.
A questão de gênero também é importante, pois as mulheres negras são ainda menos representadas nos espaços de poder. Apesar da obrigação de cota de 30% para candidaturas femininas em todos partidos, João Victor Santos destaca que são inúmeros os casos de candidaturas que são estimuladas como forma de preencher as cotas partidárias e não para almejarem de fato uma eleição para o cargo a que se postula.