Manifestação nesta quarta (8) marca dois anos do atentado à democracia
Ao completar dois anos da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, movimentos sociais, sindicatos e organizações populares convocam para a próxima quarta-feira (8) um ato em memória do atentado e em defesa da democracia. Com o mote “Sem Anistia para golpistas”, a mobilização tem como objetivo relembrar os acontecimentos de 2023 e exigir a prisão de Bolsonaro e demais envolvidos nos ataques ao regime democrático. O ato acontecerá às 17h30, no Memorial dos Mortos e Desaparecidos Capixabas, na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória. Além de reforçar a luta pela democratização, a manifestação homenageia as vítimas da ditadura militar, destaca Perly Cipriano, ex-preso político e uma das lideranças da manifestação.
“O Brasil não pode seguir em frente sem encarar seu passado e garantir que crimes como os de 1964 e 2023 não sejam apagados ou anistiados”, afirma o diretor do Triplex Vermelho e um dos fundadores do PT. Ele enfatiza a necessidade de conectar as tentativas de golpe de 8 de janeiro às atrocidades do regime militar. “Queremos ligar o ato de 8 de janeiro ao 1º de abril de 1964. É uma sequência. Em 8 de janeiro, se triunfasse o golpe, teríamos um cenário ainda mais drástico: planos para assassinar o presidente Lula [PT], o vice Alckmin [PSB] e o ministro Alexandre de Moraes foram revelados, além de planos para instauração de um campo de concentração”, afirmou.
No dia 8 de janeiro de 2023, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro atacaram as sedes do Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto, em uma tentativa de golpe que resultou em mais de 1,4 mil prisões. Desde então, 371 pessoas foram condenadas, por crimes de execução dos atos golpistas e incitação. As penas variam entre 15 e 17 anos de prisão. De acordo com o STF, há 78 presos provisórios, 70 presos definitivos (cumprindo condenação) e sete em prisão domiciliar.
Das condenações até o momento divulgadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), 229 foram na condição de executores, pelos crimes de associação criminosa armada, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado.
Outros 81 foram condenados como incitadores e receberam penas de um ano de prisão, substituídas por prestação de serviços comunitários e participação em um curso sobre democracia. Os condenados também tiveram o passaporte retido, porte de arma revogado e foram obrigados a pagar, solidariamente, R$ 5 milhões por danos morais coletivos. Além disso, 500 acusados assinaram acordos de não persecução penal, confessando os crimes em troca de medidas alternativas à prisão.
Em Brasília, o Partido dos Trabalhadores (PT) convocou para o mesmo dia, às 11h, um ato suprapartidário, na Praça dos Três Poderes, com a participação de representantes dos Três Poderes e entidades da sociedade civil. Durante o evento, serão reincorporadas obras de arte e objetos vandalizados durante a invasão ao Palácio.
Perly destaca que o ato é uma reafirmação do compromisso com a democracia: “Ditadura nunca mais. Este é o centro da questão. Precisamos lembrar nossa história e valorizar quem lutou por liberdade para evitar que crimes como os de 8 de janeiro se repitam”. Para ele, o atentado de 8 de janeiro é também um chamado às novas gerações para que permaneçam vigilantes. “A liberdade é o bem mais precioso do ser humano. É mais importante que a vida, porque muitos morrem lutando por liberdade. Lembrar esses nomes é fundamental para que a história não seja apagada”, conclui.
Memorial capixaba
O Memorial dos Mortos e Desaparecidos Capixabas, ponto de concentração do ato em Vitória, homenageia seis capixabas vítimas da ditadura: o jornalista e advogado Orlando Bonfim Júnior (Santa Teresa), os militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) João Gualberto Calatrone, conhecido como Zebão (Nova Venécia), Arildo Valadão (Muniz Freire), Marcos José de Lima (Nova Venécia), José Maurílio Patrício (Nova Venécia) e Lincon Bicalho Roque (São José do Calçado).
A tentativa de golpe
Os 37 investigados pelos crimes de abolição do Estado e organização criminosa foram organizados pela Polícia Federal em núcleos com funções específicas para viabilizar a tentativa de golpe de Estado em 2022. O Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral atuava disseminando notícias falsas para desacreditar as eleições, enquanto o Núcleo de Incitação Militar buscava engajar membros das Forças Armadas em ações golpistas. Já o Núcleo Jurídico elaborava estratégias legais para tentar justificar a ruptura institucional, e o Núcleo Operacional e de Inteligência Paralela coletava e compartilhava informações sensíveis para apoiar os planos.
As provas contra os indiciados foram coletadas ao longo de dois anos, com base em medidas autorizadas pela Justiça, como quebras de sigilos bancários, telefônicos e telemáticos, além de buscas e apreensões que revelaram documentos e comunicações relacionados ao esquema. Os investigados aparecem vinculados a outros escândalos da gestão Bolsonaro, como o esquema de falsificação de cartões de vacinação e o caso das joias sauditas.
Entre os indiciados, está o major da reserva do Exército Angelo Martins Denicoli, residente em Colatina, no noroeste do Espírito Santo. Segundo as investigações, ele fazia parte do Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral, sendo acusado de produzir, divulgar e amplificar notícias falsas sobre as eleições. O objetivo seria desacreditar o sistema eleitoral, estimular manifestações em frente a quartéis e criar condições para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder. Ele também teria armazenado documentos relacionados a essa trama em um serviço de nuvem.
Denicoli já havia sido implicado no caso em fevereiro de 2024, durante a operação “Tempus Veritatis”. Ele teria articulado ações golpistas, incluindo os ataques registrados em Brasília em 8 de janeiro de 2023. Além disso, o major é acusado de disseminar desinformação contra as medidas sanitárias da pandemia de Covid-19. Em decorrência das investigações, ele foi proibido de manter contato com outros indiciados, teve que entregar seu passaporte às autoridades e está impedido de sair do país.
Pouco após ser alvo da operação, Denicoli foi exonerado do cargo de assessor especial na Companhia de Processamento de Dados de São Paulo (Prodesp). Durante a pandemia de Covid, ele chegou a disseminar desinformação sobre o uso de hidroxicloroquina como tratamento da doença. A exoneração ocorreu durante o feriado de carnaval, conforme comunicado da empresa.