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Em Aracruz, candidaturas tentam eleger vereador indígena pela primeira vez

Três tupinikins, um guarani e uma candidatura coletiva disputam vaga para representar município na Câmara

A mobilização do movimento indígena e os retrocessos e ameaças do governo de Jair Bolsonaro contra a política para os povos originários têm motivado o aumento das candidaturas indígenas em todo Brasil. A nível nacional, o crescimento foi de 27% no número de candidatos autodeclarados como indígenas. Em Aracruz, município do norte do Estado que concentra aldeias das etnias Tupinikim e Guarani, serão ao menos cinco candidaturas para o legislativo municipal.

No Censo de 2010, Aracruz registrou 3.040 habitantes autodeclarados indígenas, o que equivale a 3,4% do total, tornando-a uma das cidades com maior concentração de população indígena da região Sudeste. Em 2015, Ervaldo Índio, Tupinikim, foi o primeiro indígena a tomar posse, pelo PMN, ao assumir como suplente o mandato do então vereador Erick Musso (Republicanos), que assumiu como deputado estadual. Porém, nunca na história do município um indígena foi eleito para o cargo.

Para 2020, Aracruz terá três candidatos Tupinikins, um guarani e uma candidatura coletiva formada por três Tupinikins da aldeia Pau-Brasil.

Plebiscito indicou candidato de aldeia

Aparentemente, o candidato com mais chances é Vilson Jaguareté  (PT), Tupinikim de Caieiras Velha, a mais populosa das aldeias, com tradição de formar importantes lideranças do movimento indígena.

Vilson atua como liderança desde os 20 anos, tendo sido cacique de sua aldeia na época da luta unificada entre Tupinikins e Guaranis pela recuperação de 11 mil hectares de território tomados pela Aracruz Celulose, hoje englobada pela Suzano. Nos últimos anos, atuou como chefe da coordenação técnica da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Aracruz, tendo estado atuante nas diversas comunidades.

Vilson Jaguareté em audiência na Assembleia com sua colega de partido, deputada Iriny Lopes. Foto: Ales

Ele vem com o respaldo de ter participado de uma plebiscito entre os moradores de Caieiras Velha. “Sempre resisti em ser candidato porque entendo que a comunidade tem que escolher seus líderes. Dessa vez foi feito um plebiscito no qual a primeira votação foi com uma cédula em branco para apontar qualquer liderança. Os cinco mais votados foram para uma segunda votação, no qual meu nome saiu indicado”, conta.

A ideia é que pudesse haver processo similar em todas aldeias para que se saísse com um candidato unificado, mas a pandemia dificultou esse tipo de articulação, segundo Vilson. Filiado ao Partido dos Trabalhadores desde 2006, ele soma nos dados que fazem com que o partido seja o que mais apresentou candidatos indígenas em 2020 no Brasil. Em números relativos, o maior percentual de candidaturas indígenas é do PSTU.

Somando na conta do PT está Jobinho da Silveira, também de Caieiras Velha. “Há anos faço parte do grupo do PT de Aracruz, sempre participei dos movimentos e manifestações sociais em prol de melhorias para a sociedade, e acredito que com a força do povo conseguiremos pensar um município com mais qualidade, que pensa, na diversidade, no pluralismo étnico, neste universo multicultural que pertence o povo. Pensar um município que ouve de fato os cidadãos, construindo juntos políticas públicas de acesso”, afirma Jobinho.

Jobinho da Silveira, candidato a vereador pelo PT. Foto: Facebook

Mesmo sendo da mesma aldeia, Vilson Jaguareté não teme a concorrência, já que ao menos os votos somam na mesma coligação, e ambos se consideram aliados no desafio de eleger um indígena para a Câmara, ao mesmo tempo em que fazem campanha para o candidato a prefeito pelo partido, Adilson Simão.

Em 2018, o PT lançou a candidatura do cacique Toninho Guarani, da aldeia Boa Esperança, para deputado federal, que teve 2.327 votos, importantes para garantir o quociente eleitoral para a apertada eleição do deputado federal Helder Salomão.

Filhos da Terra Tupinikim: uma candidatura coletiva

Uma outra candidatura Tupinikim aposta num formato crescente desde as últimas eleições: a proposta de mandato coletivo, na qual mais de uma pessoa se propõe a compartilhar o mandato e suas decisões caso eleito. Com o nome Filhos da Terra Tupinikim, a candidatura leva o CPF de Antônio Carlos Pinto dos Santo, conhecido como Sinhorzinho Índio, que já foi cacique da aldeia Pau-Brasil. Junto com ele, são co-candidatos dois jovens da mesma aldeia: a engenheira florestal e agricultora Bárbara Tupinikim e Tiago das Abelhas, meliponicultor que coordena o sistema de fortalecimento das abelhas nativas sem ferrão, como forma de renda e serviço ambiental para a comunidade.

Bárbara Tupinikim, Sinhorizinho Índio e Tiago das Abelhas compõem a candidatura coletiva Filhos da Terra Tupinikim pelo PCdoB. Foto: Divulgação

“A gente acredita nesse formato coletivo para dar vozes a outras sabedorias, outras vivências, ter mulher, jovem, anciões. É uma experiência nova, mas viemos de uma estrutura em que o cacique atua com um conjunto de lideranças e mobilizações coletivas”, explica Bárbara Tupinikim.

Entre as principais propostas de campanha estão a garantia de direitos de saúde, educação e soberania e segurança alimentar, além do incentivo ao fortalecimento cultural e práticas ecológicas e sustentáveis de saneamento e agrocologia. O partido pelo qual o mandato coletivo concorre é o PCdoB, que tem na chapa o atual vereador Fábio Netto, que busca reeleição, e outros 20 candidatos.

Rede Sustentabilidade lança candidato guarani

Karaí-Mirim é o nome em sua língua nativa de Rodrigo Guarani, jovem que se candidata pela primeira vez pela Rede Sustentabilidade. Vice-cacique da aldeia Piraquê-Açu, ele é atuante na comunidade e um dos coordenadores do projeto de etnoturismo.

“A gente tá aqui na aldeia sempre em movimento, em luta, até mesmo pelos nossos antepassados que já se formaram e batalharam bastante para estarmos aqui hoje”, diz. Ele conta que a ideia de candidatura surgiu há dois anos, principalmente por conta da discriminação e das ameaças sofridas pelos povos indígenas.

Rodrigo Guarani, coordenador de projeto de etnoturismo, é candidato pela Rede. Foto: Facebook

Recebeu um convite da Rede Sustentabilidade e resolveu aceitar. “Achei uma oportunidade de entrar na política pública para levar nossa voz indígena para que os ‘juruá’ possam ouvir nossa proposta de viver em um lugar mais tranquilo, com segurança, entender nosso trabalho coletivo. Quero ajudar o povo mais carente e também que entendam que tem índio vivo aqui no estado”, afirmou. “Juruá” é a forma como os guaranis chamam os não-indígenas.

Rodrigo diz querer aprender como funciona o sistema dos “juruá” por dentro e levar uma mensagem bonita de mais carinho à natureza. Ao mesmo tempo, se eleito, promete trabalhar junto com a comissão de caciques de Aracruz para levar propostas para o município.

Seu partido, a Rede, elegeu em 2018 a primeira mulher indígena como deputada federal, Joênia Wipichana, eleita pelo estado de Roraima. Ela tem estimulado a criação de Elos Indígenas dentro do partido, como estrutura de participação das diferentes etnias. No final do ano passado, Fabiano Contarato, senador do partido pelo Espírito Santo, visitou aldeias em Aracruz e dialogou com caciques. No Senado, ele tem atuado como crítico dos ataques do governo de Jair Bolsonaro aos povos indígenas, por meio de discursos e ações legislativas.

Jovem indígena no PSL

Apesar da maioria das candidaturas indígenas no município estarem situadas nos partidos do campo progressista, na esteira da atuação do movimento indígena, também haverá uma candidatura de direita, representada pelo jovem Gabriel Pereira, 24 anos, da aldeia de Areal.

Gabriel Pereira (à direita), é candidato a vereador pelo PSL e apoia Alcântaro, candidato a prefeito do PSD

Trabalhador da indústria siderúrgica, ele defende uma plataforma com base no apoio ao micro-empreendedor, valorização da cultura e turismo e criação de uma Guarda Municipal. “Busco força nas comunidades indígenas para ter representação indígena e também trazer renovação política, trazer bons ares à nossa comunidade que sofre por tanto escândalos de corrupção”, declara.

Indica que o PSL foi um partido que lhe atendeu de portas abertas, com total suporte a seus projetos. Apesar de estar no partido que elegeu Bolsonaro, apresenta críticas ao atual presidente. “As opiniões dele muitas vezes são equivocadas, pois são dele, não do partido”. Em suas redes, prefere ressaltar como referência o atual prefeito de Colatina, Sérgio Meneguelli (Republicanos).

Votos dentro e fora das aldeias

Nas aldeias, Vilson Jaguareté estima que haja entre 2 mil e 2,5 mil votantes, o que seria mais que suficiente para eleger um representante ou até mais, já que o vereador mais votado na última eleição teve 1.052 votos e a última vaga foi para uma vereadora com 580 votos, puxada pela coligação.

As diversas candidaturas, porém, podem fragmentar a votação, fora os votos nas comunidades que vão para candidatos não indígenas. Todos os candidatos apostam na base comunitária local para garantir uma votação expressiva, mas também pretendem buscar eleitores fora das aldeias. “Nós temos muitos simpatizantes das causas indígenas no município, além de familiares indígenas que moram fora do território e também conhecem outras pessoas. Querem um líder político que brigue de forma coletiva, como nós indígenas brigamos”, aponta Jaguareté.

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