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Evangélicos progressistas debatem contexto social e político da libertação

Maurício Abdala diz que Jesus trouxe “uma libertação também moral, que os evangélicos do Congresso parecem não ler”

Espiritualidade, política e transformação social são temas do encontro que a Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito promove na próxima quarta-feira (26), às 19 horas, na Primeira Igreja Presbiteriana Unida de Vitória (IPU), no Centro, como parte da programação visando contrapor a onda fascista nas instituições e no Congresso Nacional.

Vinícius Querzone, um dos coordenadores do movimento no Estado, vê com indignação o falso moralismo a atuação da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, destacando a luta pelo “Estado laico, justo, com igualdade de classe, raça e gênero”. Sob o título “”Cristianismo e emancipação: caminhos para a transformação social”, o debate, aberto ao público, será conduzido a partir da palestra do filósofo Maurício Abdalla, doutor em educação e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Maurício Abdala afirmou, em conversa com Século Diário, que “é uma libertação também moral, que os evangélicos do Congresso – entre aspas -, parecem que não leem no evangelho. Então é uma libertação social, moral e espiritual, no sentido de mostrar uma religião mais voltada para o amor”.

Segundo seu entendimento, “do início ao fim no Novo Testamento, que os neopentecostais ignoram, pois só querem saber do Antigo Testamento, há toda uma mensagem baseada no amor, na partilha, na libertação, que é desconsiderada, é esse o principal campo de reflexão que os cristãos, hoje, têm que fazer”.

O professor explica que essa reflexão é necessária “para evitar que esse discurso do amor, da partilha, da libertação moral, espiritual, social e política seja convertida nessa coisa que a bancada fundamentalista tem colocado e vem assustando as pessoas, porque se o cristianismo fosse isso, eu também iria querer distância dele”.

Maurício cita exemplo: “Você não vê nenhum sinal de amor no rosto ou nas palavras ou no gesto de Malafaia [empresário da fé Silas Malafaia, dono da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo e um dos mais exaltados seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro]; então ele não pode ser um representante legítimo de uma religião que fala de amor o tempo todo; o homem exala ódio, cospe ódio, e aí a gente tem que evitar esse tipo de religião”.

“O projeto de transformação social de Jesus a partir da história dos evangelhos e uma adaptação à nossa realidade de hoje”, diz Maurício, ao falar sobre a palestra que fará no encontro, que visa apontar como o cristianismo original contribui para a transformação social e os caminhos para que isso aconteça.

“Vamos refletir um pouco o evangelho à luz da perspectiva da libertação e ver os caminhos possíveis da transformação social”, aponta,  ao ressaltar que “a mensagem de Jesus é de libertação, não só social, mas também no plano espiritual e moral. Quando, por exemplo, a mulher adúltera tinha que se apedrejada, Jesus foi lá e falou é isso aí, está na lei, castiga? Não, ele foi lá e perguntou, se você não tem pecado, castiga. Ninguém a castigou”.

O professor cita outro episódio em que Jesus fala com a mulher samaritana – e samaritanos eram de religião diferente dos judeus. Os judeus consideravam povo impuro, nem como raça pura, nem com religião pura, e Jesus não a condena por ela louvar a Deus em outro local que não o templo de Jerusalém; a mulher tivera cinco maridos e morava com um que não era casada, e Jesus não fez nenhum discurso moralista, pelo contrário: a mulher tornou-se anunciante dele na Samaria.

Partilha

O professor faz uma analogia entre o tempo presente e a época de Jesus e diz: “Na história recente, o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] nasceu da Comissão Pastoral da Terra, em grupos de pessoas que viviam a igreja e se reuniam para debater a questão da terra. Por quê? Voltando agora no passado, porque era exatamente a divisão daquilo que se têm à disposição. Entre os grandes problemas sociais, tanto na época de Jesus como agora, era a concentração”.

Ele prossegue: “Então uma interpretação muito coerente é o episódio que foi chamado de multiplicação dos pães, embora a palavra multiplicação não tenha em nenhum momento no evangelho, fala de partilha, de divisão e mostra o seguinte: tinha coisas, mas concentradas e quando Jesus fala, senta em grupo reparte e divide, dá pra alimentar todo mundo, ou seja, partilhe o que tem. E aí você tem um país com grande quantidade de terra agricultáveis concentrada na mão de poucos, de grandes empresas, muitas delas improdutivas, com a produção voltadas para a exportação e visando o lucro e não alimentos. A mensagem que Jesus passa hoje é a seguinte. O que é que vocês têm aí, cinco pães e dois peixes, que, somados, dá sete, que significa muitas coisas. Então, o que vocês têm aí no Brasil, ah, tem muita terra, muita coisa, tem muita capacidade, muita natureza, e Deus fala “pega, reparte e divida, que aí vai dar pra todo mundo”.

Maurício enfatiza: “E é isso que os movimentos como o MST fazem. Pegar essa terra que está concentrada e faz com isso o mesmo gesto que Jesus faria”.

Maurício enfatiza a mensagem do amor e como exemplo lembra quando João, o discípulo dele, escreve resumindo que “Deus é amor e o amor é Deus; quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus nele”, ou seja: não importa o que você fala ou prega, do ponto de vista das palavras e do tempo que você está: se você pratica o amor, Deus está em você, acreditando ou não em Deus. Essa é a grande mensagem espiritual, radical de Jesus”.

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