Prédio da Assembleia Legislativa permanece iluminado com as cores da Ucrânia, das 18h às 6h
Principal pauta dos meios de comunicação em todo o planeta, a guerra na Ucrânia chega, também, à esfera política no Espírito Santo, no momento em que a Rússia ordena um cessar-fogo, na madrugada deste sábado (5), em meio ao surgimento de vilões e heróis construídos por narrativas midiáticas que, na maioria das vezes, ignoram o contexto histórico. No Espírito Santo, o assunto foi abordado pelo deputado Erick Musso (Republicanos), presidente da Assembleia Legislativa, e pelo deputado Sergio Majeski (PSB), professor de Geografia, por meio de um vídeo divulgado em rede social.
Na noite dessa sexta-feira (4), o prédio da Assembleia passou a ser iluminado com lâmpadas em azul e amarelo, cores da bandeira da Ucrânia, por iniciativa de Erick Musso. “O gesto, singelo, é para mostrar a nossa solidariedade com o povo ucraniano. A violação da soberania e da democracia dos países deve ser condenada por todos os povos. Acreditamos na paz e no diálogo na solução dos conflitos”, afirma o deputado, pré-candidato ao governo nas eleições de outubro, sem, no entanto, se aprofundar sobre o assunto.
Já o deputado Sergio Masjeski (PSB) abordou o tema de forma didática, em vídeo divulgado em 25 de fevereiro, no início do conflito, no qual faz o registro histórico das duas nações, passando pela Segunda Guerra Mundial, o surgimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a derrocada da União Soviética e a expansão dessa organização, liderada pelos Estados Unidos, no leste europeu, origem do conflito.
Para o doutor em Ciência Política Ueber de Oliveira, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a ação no legislativo estadual “não passa de jogo de cena. Se a Assembleia se comportasse de tal maneira em todos os conflitos, até poderíamos considerar um ato louvável. Essa solidariedade seletiva não me comove!”.
Majeski explica que quando “termina a “Segunda Guerra mundial, começa a chamada guerra fria, a polarização entre socialismo e capitalismo, a União Soviética e os Estados Unidos”, e informa como nasceu a Otan, bloco militar dos Estados Unidos e seus aliados, por conta da tensão com a União Soviética, que, de outro lado, forma o Pacto de Varsóvia, integrado por 15 repúblicas.
O parlamentar lembra que quando a União Soviética foi desfeita, em 1991, o Pacto de Varsóvia também se desfaz. “A Otan, que tinha sido criada por causa da guerra fria, permanece existindo e se fortalece”. Esse crescimento ocorreu pela adesão das repúblicas socialistas da época da União Soviética à zona de influência da Otan. A tensão aumentou com a expansão da Otan na região e as pressões para que a Ucrânia entrasse nesse bloco militar, considerada por Vladimir Putin uma ameaça à Rússia.
A guerra Rússia-Ucrânia, que neste domingo (6) entra no 10º dia e não dá mostra de terminar tão cedo, virou uma batalha de desinformação, com narrativas unilaterais que constroem vilões e heróis, ignorando o contexto histórico e a política expansionista estadunidense depois do fim da União Soviética, em 1991.
“As tensões na região aumentaram nos últimos 10 anos, quando a Ucrânia se aproximou do ocidente, cogitando, inclusive, a entrada do país na Otan, o que os russos não admitem sob nenhuma hipótese. Putin por várias vezes acusou a Otan e os Estados Unidos de mobilizarem tropas nas proximidades da fronteira e essa teria sido a motivação principal para o ataque desferido na madrugada de 24 de fevereiro”, aponta o professor Ueber de Oliveira.
Comentários publicados em redes sociais contraditam as narrativas midiáticas, que lançam condenação sobre a Rússia sem questionar causas da origem do conflito, criticam o posicionamento da Organização das Nações Unidas (ONU), que aprovou sanções à Rússia, e relembra ações semelhantes lideradas pelos Estados Unidos às quais tiveram tratamento diferenciado.
Um dos fatos que chama a atenção é a guerra que se desenvolve no Iêmem, com mais de 377 mil mortos diretos e indiretos, por fome, patrocinada pela Arábia Saudita com o apoio dos Estados Unidos. Esse conflito não aparece nos noticiários e também permanece ausente das sanções da ONU. Além desse, são apontados casos como os ataques, durante semanas, da Otan contra Belgrado e as forças sérvias, sem autorização do conselho de segurança da ONU, violando o direito internacional, a invasão destrutiva do Iraque pelos Estados Unidos e seus aliados, com base na mentira das armas químicas.
A invasão da Líbia pelos Estados Unidos e diversos países europeus, sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, e a presença militar dos Estados Unidos na Síria, sem aprovação do conselho de segurança da ONU, também são lembradas nas redes e ainda a intervenção da Otan nas eleições da Ucrânia em 2014, que possibilitou a ascensão ao poder do atual presidente, Volodymyr Zelensky, com estreitas ligações com a Otan.
A eleição do atual presidente ucraniano, no rastro do golpe militar de 2014 na Ucrânia, é apontada como o ponto crucial da invasão desse país pela Rússia, que se sentia ameaçada pela expansão das forças da Otan em suas fronteiras.
A guerra na Ucrânia, com a ameaça de desencadear um conflito de proporções gigantescas, provoca problemas em todo o mundo, com elevação da inflação pela alta nos preços dos combustíveis e de outros insumos, como os fertilizantes químicos, no Brasil, cujo fornecimento foi suspenso pela Rússia, em função do conflito. Isso ocorre meses depois de o presidente Jair Bolsonaro (PL) fechar a fábrica de fertilizantes da Petrobras, provocando uma onda de insatisfação.
Neste sábado, houve um cessar-fogo, que significa a consolidação de ações resultantes das negociações, que poderão pôr fim aos ataques. “A Otan e os Estados Unidos estão errados em seduzir a Ucrânia para entrar na sua órbita. Assim como a Rússia comete um erro ao invadir um país soberano, mesmo que a justificativa seja compreensível, sobretudo com base na matriz idealista de relações internacionais”, comenta o professor Ueber de Oliveira, ao apontar para a necessidade de uma celebração da paz, mesmo posicionamento dos deputados Erick Musso e Sergio Majeski, os únicos dos 30 parlamentares estaduais que abordaram o tema.