quinta-feira, novembro 21, 2024
24.4 C
Vitória
quinta-feira, novembro 21, 2024
quinta-feira, novembro 21, 2024

Leia Também:

‘Invisíveis entre os invisíveis’ – as PCDs nas propostas de governo em 2022

Professor Douglas Ferrari avalia avanços e retrocessos dos candidatos em relação às pessoas com deficiência

Adufes

A população menos atendida entre as chamadas minorias sociais. É assim que o professor e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Douglas Ferrari avalia a condição das pessoas com deficiência (PCDs) nas propostas dos candidatos ao governo do Estado nas eleições de 2022. “Invisíveis entre os invisíveis”, sintetiza. 
Na leitura das propostas de governo, três candidatos chamam mais atenção: Audifax Barcelos (Rede), por mostrar um entendimento avançado sobre Educação Inclusiva, contemplando os pontos mais relevantes defendidos por pesquisadores e militantes da área; Carlos Manato (PL), por apresentar um conjunto mais robusto de medidas na área da Saúde, porém, ainda muito focado no Transtorno do Espectro Autista (TEA), em detrimento das demais deficiências, físicas e intelectuais; e Renato Casagrande (PSB), por garantir a entrega, ainda neste governo, de obra relevante para as PCDs e de ampliação do projeto em uma desejada reeleição.
No mais, Aridelmo Teixeira (Novo), Claudio Paiva (PRTB) e Guerino Zanon (PSD) fazem algumas menções a esse segmento, mas de forma mais superficial. E Capitão Vinícius Sousa (PSTU) mostra que a esquerda brasileira continua alheia ao tema PCDs, pois não há sequer uma linha de proposta, apenas uma menção dentro de um conjunto de minorias que precisam ter a atenção dos trabalhadores na superação das violências.
“É histórico. A esquerda ainda não inseriu a pauta da pessoa com deficiência”, afirma. A luta de classes, foca do trabalho da esquerda, vem aos poucos inserindo os negros, indígenas e mulheres, mas as PCDs praticamente inexistem, tanto nas ações, propostas e discursos. “É um círculo vicioso”, aponta. Por um lado, as pessoas com deficiência não conseguem atuar politicamente por falta de acessibilidade e, não chegando aos espaços de reivindicação, não são ouvidas e não são inseridas nas lutas políticas.
“O que a esquerda poderia fazer para romper esse círculo vicioso? Articular o discurso da classe com o da pessoa com deficiência. Os sindicatos, por exemplo, fazem discurso sobre o mercado de trabalho, mas não cita o perigo que corremos com a política de cotas. A primeira política cotista é para PCDs. De 1989, se não me engano. Agora existe um projeto de lei que quer substituir as cotas para PCDs por vagas para menor aprendiz. E os sindicatos não falam disso. Estamos correndo um perigo enorme”, alerta.
Lideranças com Claudio Vereza (PT) no Espírito Santo, sublinha, não se caracterizam como uma tendência coletiva dos partidos, mas sim como atuações individuais que ainda não foram abarcadas pelo conjunto da esquerda. “Os poucos avanços acontecem por políticos de direita”. 
O acadêmico ressalta, no entanto que, no atual governo federal de Jair Bolsonaro (PL), a direita vem tentando promover retrocessos, como se viu com o Decreto 10.502, que pretendia retroceder a inclusão escolar e voltar com os estudantes com deficiência apenas para as salas e instituições especializadas. 
O aprendizado com as mães
De volta à disputa pelo Palácio Anchieta, o primeiro apontamento importante é sobre Audifax. A qualidade das propostas, observa Douglas Ferrari, é resultado do aprendizado que o ex-prefeito da Serra acumulou por meio da luta empreendida pelo Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN). Formado por cuidadoras de crianças e adolescentes com deficiência, o Coletivo tem a Serra como endereço da maioria das suas integrantes. “Para mim é resultado da pressão do Coletivo. Enquanto gestor, ele aprendeu com a luta das mães”, afirma.
Exemplo é a proposta de “implantar ações que promovam a emancipação da pessoa com deficiência, sobretudo negras e negros, mães atípicas e cuidadores, tais como programas de reabilitação e oficinas de microacessibilidade, particularmente em áreas periféricas e de maior vulnerabilidade, com vistas a incentivar a participação comunitária e social, ampliando o exercício da cidadania e da inclusão”.
Mas é na Educação que a força das Mães Eficientes torna-se mais visível, destaca o acadêmico. O capítulo de Educação Inclusiva, por exemplo, abre afirmando que as propostas “partem da premissa de que todo estudante público-alvo da modalidade de Educação Especial, ou seja, educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, devem ter a garantia do seu direito de acesso e permanência a uma educação de qualidade em escolas comuns/inclusivas”.
As propostas são de fato inclusivas, fugindo da exclusão que permanece entre os demais candidatos, todos, que continuam destinando os recursos da educação prioritariamente para as instituições especializadas, enfraquecendo o processo de convivência entre os diferentes. 
“Incrementar a formação inicial e investir na formação continuada de todos os docentes, adotando a perspectiva inclusiva” e “investir recursos públicos nas escolas comuns, com prioridade orçamentária e planejando a transição para um sistema educacional completamente inclusivo” são outros bons exemplos.
Audifax também surpreende positivamente ao abordar o mercado de trabalho e a atuação política das PCDs. A proposta de “criação de um Conselho de Políticas Públicas para pessoas com deficiências, aproximando a política da realidade de quem vive as dificuldades no cotidiano”, ressalta Douglas, traz um outro patamar de participação política, na linha da quebra do círculo vicioso já mencionado. “Os atuais conselhos, municipais e estadual, não garantem poder real às pessoas com deficiência”, compara. 
Saúde deficitária
Na Saúde, no entanto, as ausências sobressaem. Não apenas em Audifax. Mesmo em Manato, que traz um detalhamento maior, este se restringe aos autistas. E em Casagrande, que propõe um centro de excelência em esportes para PCDs, mas não abarca melhorias urgentes e necessárias nas estruturas já existentes e que são dedicadas ao dia a dia das PCDs. 
“Há uma ausência de política de saúde para as pessoas com deficiência nos programas dos candidatos em geral. Isso me preocupa. Pensar no esporte de excelência e não ver como está o Crefes [Centro de Reabilitação Física do Espírito Santo], por exemplo”, ressalta. A falta de cuidado com a saúde da PCD é muito grave. “Desconheço o que existe hoje específico para a pessoa com deficiência. Se existisse algo que realmente funcionasse, não teriam tantas mortes. A letalidade por Covid entre PCDs é muito maior que a média geral da população”, pontua. 
Autismo e educação não-inclusiva com Manato
O ponto alto de Manato está na proposta de criar o Programa de Acessibilidade à Pessoa com o Transtorno do Espectro Autista do Espírito Santo (PAPTEAES), destaca Douglas. Programa que prevê construir quatro Centros de Referência e Acessibilidade Para a Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Crasptea), com a finalidade de promover o acolhimento às famílias de todas as regiões do Estado.
Porém, reforça o pesquisador, a proposta segue o padrão não inclusivo dos políticos de direita, do qual Manato é expoente capixaba, ao se voltar a “potencializar a valorização das entidades sem fins lucrativos, associações beneficentes e Organizações da Sociedade Civil – OSCs”. Há ainda propostas pontuais voltadas à reabilitação física.
Mas o ex-deputado federal bolsonarista peca, sublinha Douglas, ao explicitar o “encurralamento” dos estudantes com deficiência, no único item relevante dedicado à educação desse público: “Identificar as crianças com necessidades especiais para que sejam avaliadas pelo professor regente, quando for o caso, e pelos profissionais da Educação Especial da Rede para verificar a possibilidade do acompanhamento do aluno na escola regular. Caso haja prejuízo de aprendizagem e desenvolvimento do educando na escola regular, este será atendido nas escolas especiais para melhor atender as suas necessidades. Os alunos com necessidades especiais, quando frequentarem as escolas regulares, deverão ser acompanhadas por pessoas com a devida formação”.

Esportes e empreendedorismo em Casagrande
Já em Casagrande, há três propostas robustas. A primeira é o “Centro de Excelência para Pessoas com Deficiência, que será construído em Vitória”, que “contará com uma arena multiuso, 100% acessível, que terá diversas salas para fisioterapia, atendimento médico, treinamento físico, vestiários e um ginásio que será usado pelos paratletas e demais pessoas com deficiência, contemplando as modalidades de goalbol, basquete, rugby, bocha, handebol e futsal para deficientes visuais. A previsão é que o local, estimado em R$ 6 milhões, atenda mais de mil pessoas por mês”.
As demais são a “Central de Intermediação em libras, visando promover a inclusão e o desenvolvimento da autonomia e potencialidade de cidadãos e cidadãs com deficiência auditiva e/ou surdez” e um levantamento “sobre os dados socioeconômicos das pessoas com deficiência”.
O governador cita ainda que em sua atual gestão repassou às escolas, em 2021, “o valor de R$ 9,5 milhões para aquisição de materiais pedagógicos, equipamentos de acessibilidade e de tecnologia assistiva, além de macas, cadeiras de banho e cadeiras de rodas para atendimento aos estudantes matriculados em AEE [Atendimento Educacional Especializado] e nas classes hospitalares”. Douglas questiona se o montante é recurso estadual ou federal. “Orçamento para AEE vem do MEC [Ministério da Educação e Cultura]. Cabe aos estados e municípios organizar a sala e providenciar os professores”.
Já sobre o “Programa Capacitar para Empreender” proposto por Casagrande, que visa “criar turmas de formação para incluir economicamente a população com deficiência que esteja inativa, por todas as microrregiões do ES”, Douglas alerta que é “uma forma de fugir da política de cotas de contratação de PCDs pelas empresas”.
Pontuais
Aridelmo fala apenas em “avançar na implantação da educação inclusiva” e que incluir a acessibilidade como um dos princípios que deve pautar a organização da atenção primária em saúde.
Em Guerino, há apenas o “programa estadual de cuidador domiciliar para idosos e pessoas com deficiência”. Proposta importante, ressalta, porque muitas pessoas não podem pagar por um cuidador, mas não se pode restringir um programa de governo apenas a isso.
Paiva explicita a intenção de “apoiar e ajudar financeiramente e tecnicamente as entidades que atendam a crianças e pessoa especiais” e destaca a necessidade de melhorar a “mobilidade urbana e acessibilidade”, propondo “rampas de acesso para pessoas com deficiência física, em todos os órgãos e locais públicos” e “conscientizar aos proprietários a importância da calçada cidadã, acessibilidade para nossos cidadãos com alguma deficiência”. Sobre essa última, Douglas ressalva que não deve caber apenas aos proprietários a responsabilidade pela calçada cidadã. “Em São Paulo, quando a Mara Gabrili [PSDB] era vereadora, a prefeitura que fez algumas rotas de acessibilidade. Pode-se cobrar que o proprietário pague, mas a prefeitura tem que ter a iniciativa de fazer”.
O Capitão Sousa, como dito, faz a única menção às PCDs no tópico “o poder das massas”, que diz: “orientados para a superação da sociedade de classes, os trabalhadores devem se tratar com respeito e igualdade. Nesse sentido, interessa a toda a classe trabalhadora a superação de toda violência e opressão dirigida a pessoas com deficiência, pobres, mulheres, negros, quilombolas, indígenas e imigrantes, lésbicas, gays e pessoas trans. A empatia e o respeito às diferenças são essenciais para nossa união, portanto para nossa emancipação”. Não há, no entanto, nenhuma proposta concreta de ação nesse sentido.

Mais Lidas