As doações e os recursos foram anunciados por Marcos do Val em julho e agosto de 2020
O Conselho de Ética do Senado será acionado nesta semana para apurar as doações de cloroquina recebidas em 2020 pelo senador Marcos do Val (Podemos) para o combate ao coronavírus no Espírito Santo, pincipalmente em Vitória, apontada como a “Capital da Cloroquina” no desdobramento da chamada “guerra da cloroquina”, iniciada pelo presidente Jair Bolsonaro, com seguidores em estados e municípios. Defensores do tratamento precoce com o uso desse medicamento, apesar de não haver comprovação científica, são contrários ao isolamento social e lideram movimentos contra a quarentena decretada por governadores e prefeitos, inclusive Renato Casagrande (PSB).
Nesse sábado (27), o advogado André Moreira informou, além do questionamento ao Senado sobre as doações, que infringem o Conselho de Ética, um pedido de informações das secretarias de Saúde estadual e municipal, para averiguar a aplicação dos R$ 11 milhões do Ministério da Saúde anunciados pelo senador Marcos do Val, também em 2020. Essas informações foram divulgadas nas redes sociais do senador, provocando uma notificação à Justiça Federal formalizada por Moreira, em julho do mesmo ano, com pedido de informação para apurar a distribuição de hidroxicloroquina e azitromicina no ambulatório da Igreja Santa Rita de Cássia, localizado na Praia do Canto, procedente de uma doação anunciada pelo senador.
Marcos do Val divulgou em rede social no dia 6 de julho de 2020 a liberação de R$ 11 milhões conseguidos por ele em Brasília para a compra de ivermectina e hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19 no Espírito Santo. Com esses recursos, segundo o senador, seriam adquiridos 200 mil kits de cada medicamento para distribuição em todo o Estado. Já no dia 22 de agosto, o senador anunciou nas redes sociais ter conseguido a doação de dois mil kits de medicamentos para entrega no ambulatório da Igreja Santa Rita a pessoas sem condições financeiras para comprar os produtos nas farmácias.
“Essa ação – prossegue o texto – não tem qualquer relação com o objeto da segunda postagem, na qual o senador Marcos do Val noticia a doação de 2 (dois) mil kits de hidroxicloroquina e azitromicina, que estariam “sendo disponibilizados mediante apresentação de receita, eletrônica ou física, a todos aqueles que não têm condições de comprar ou não encontram as referidas medicações nas farmácias para a compra”.
Segundo os autos, a entrega dos kits foi feita por jovens voluntários, protegidos por Equipamento de Proteção Individual (EPI), para garantir maior segurança, sendo a divulgação realizada por grupos de WhatsApp. “A entrega dos medicamentos foi realizada por jovens voluntários e qualquer médico poderia encaminhar o paciente para o recebimento dos fármacos . Além disso, o interessado poderia apresentar receita eletrônica ou física e no caso de o médico não possuir assinatura eletrônica, o que inviabiliza a receita digital, o paciente poderia levar uma fotografia da receita física assinada pelo profissional responsável”.
De acordo com documentos anexados aos autos do processo, as doações foram “realizadas pelos laboratórios Apsen e Eurofarma e repassadas ao grupo MedSenior”, administradora de plano de saúde. Essa empresa é do mesmo grupo responsável pelo outdoor colocado na rua Carlos Martins, em Jardim Camburi, em agosto de 2020, um mês depois de o senador anunciar as doações em redes sociais. Na época, o advogado André Moreira protocolou notícia-crime contra a empresa MaelyOOH, de propriedade de Maely Coelho, conhecido empresário do ramo de propaganda e também presidente da MedSenior.
Durante a “inauguração” da peça publicitária em defesa do uso da cloroquina, o deputado estadual Capitão Assumção (Patri), outro defensor do uso do medicamento e opositor da quarentena decretada pelo govenador Renato Casagrande, se apresentou como apoiador e disse que o outdoor havia sido pago pelo “movimento conservador”.
Os recursos direcionados pelo Ministério da Saúde para a compra desses medicamentos são objeto de análise depois da demissão do general Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde. Nessa sexta-feira (26), o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Benjamin Zymler, apontou ilegalidade do Ministério da Saúde no uso de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para o fornecimento de cloroquina para o tratamento de pacientes com coronavírus.
O ato do TCU se soma a outros posicionamentos contrários, entre eles o da Associação Médica Brasileira (AMB), que divulgou um comunicado contundente contra o uso da cloroquina e da ivermectina no tratamento precoce da Covid-19. O contexto geral das críticas, na área científica, é que esses medicamentos, além de não curarem a doença, podem trazer efeitos colaterais graves aos pacientes.
Apesar de já terem sido banidos dos países mais avançados do mundo, grupos ligados ao presidente da República insistem em incentivar o seu uso. No Espírito Santo, a cloroquina continua sendo alvo de debates desde o início da pandemia, quando médicos bolsonaristas passaram a prescrever indiscriminadamente o remédio contra a Covid-19.
O tema é objeto de discursos dos deputados estaduais Capitão Assumção, que lidera carreatas e outros movimentos, e Torino Marques (PSL), na Assembleia Legislativa,. Os dois são seguidores de Jair Bolsonaro, condenam o isolamento social e defendem o tratamento precoce, da mesma forma que vereadores de Vitória, entre eles Gilvan da Federal (Patri), Luiz Emanuel (Cidadania) e Maurício Leite (Cidadania), que na sessão da última sexta-feira (26) criticaram a quarentena decretada no Espírito Santo.