Callegari e Lucas Polese apresentaram propostas sobre “apologia ao crime” na Assembleia

A extrema direita do Espírito Santo tem seguido fielmente seus pares nacionais no que diz respeito à apresentação de projetos de lei “Anti-Oruam”, como ficaram conhecidas as propostas voltadas a proibir o poder público de repassar recursos a artistas que supostamente fazem apologia à violência. No território capixaba, projetos semelhantes tramitam a nível estadual e municipal.
Na Assembleia Legislativa do Estado, dois deputados do Partido Liberal (PL) protocolaram projetos de lei sobre o tema em fevereiro. Lucas Polese apresentou proposta para vedar “uso de recursos públicos para todo e qualquer evento ou apresentação artística que promova ou realize apologia ao crime organizado e facções criminosas”.
De acordo com o projeto de lei, “considera-se apologia ao crime organizado qualquer manifestação artística que exalte, enalteça, demonstre apoio ou filiação às organizações e facções criminosas, suas práticas ou símbolos”. Caso a lei não seja observada, está prevista a “obrigação de devolução integral dos recursos utilizados, acrescidos de multa de 50%, sem prejuízo das sanções administrativas, civis e penais cabíveis”.
Já Callegari focou em um projeto de lei voltado a apresentações artísticas e eventos voltados ao público infantojuvenil, que “que envolvam, no decorrer da apresentação, expressão de apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas”.
Entre os pontos elencados na justificativa, o deputado defende que “não deve o poder público promover a ‘adultização infantil’, observada quando se há a aceleração forçada do desenvolvimento da criança para que ela tenha comportamentos ou contato com temas não esperados de sua idade e grau de amadurecimento psicológico, expondo o menor a conteúdos que não pertencem a sua classificação indicativa”. A expressão “adultização infantil” também foi usada no projeto de lei da vereadora paulista Amanda Vetorazzo (União), que originou a controvérsia a nível nacional.
O deputado Bruno Resende (União) também fez uma indicação ao governador Renato Casagrande (PSB). No fim do ano passado, foi aprovado ainda um projeto de lei do deputado estadual Alcântaro Filho (Republicanos), que “dispõe sobre a proibição de execução de músicas com letras que façam apologia ao crime, ao uso de drogas ou que expressem conteúdos sexuais, nas instituições escolares públicas e privadas na rede de ensino de todo âmbito do Estado do Espírito Santo”.
A proposta foi promulgada com veto apenas parcial do governador Renato Casagrande (PSB). Na justificativa do veto, está um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), indicando que o projeto cria irregularmente, de maneira indireta, diversas obrigações para o Estado em relação a punições e procedimentos administrativos.
Mas o movimento não se resume à Assembleia Legislativa. Na Câmara de Vitória, o vereador Armandinho Fontoura (PL) – que ficou preso um ano sob acusação de integrar milícias eletrônicas bolsonaristas – também protocolou projeto de lei no último dia 28 para proibir a contratação de artistas que fazem “apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas”. Dárcio Bacarense, seu colega de Câmara e de partido, encaminhou, um dia antes, projeto semelhante ao de Alcântaro Filho, mas voltado à rede municipal de ensino.
Em Vila Velha, quem levantou a bandeira do projeto de lei “Anti-Oruam” foi o vereador Devacir Rabello (PL), que foi denunciado pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) no último dia 20, pelos crimes de prática e incitação de discriminação contra a comunidade LGBTQIAPN+.
Em Cariacica, Cabo Fonseca (Republicanos) também fez projeto para proibir a contratação de artistas que fazem “apologia ao crime” pelo poder público, e Lelo Couto (MDB) protocolou proposta voltada ao público infantojuvenil. Na Serra, Pastor Dinho Souza (PL) foi o responsável por proposta com o mesmo teor dos projetos de lei “Anti-Oruam”.
No interior, o movimento se repete. Em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, coube ao vereador Coronel Fabrício (PL) elaborar projeto de lei sobre o tema. E em Jerônimo Monteiro, também no sul, proposta do vereador do Leandro Braga Goulart, o Anu do Caparaó (PSB), para proibir conteúdo “impróprio” e “apologia ao crime” nas escolas foi aprovado por unanimidade e sancionado pelo prefeito José Valério Binotti (PSD) nessa terça-feira (11).
Contexto
Não é de hoje que a extrema direita tenta impor proibições a manifestações culturais que considera imorais e ilegais. O movimento mais recente, porém, acontece em um contexto de aumento dos editais públicos de cultura.
No caso do projeto de lei “Anti-Oruam”, o nome faz referência ao artista de trap Oruam, filho de Marcinho VP, preso desde 1996 por sua vinculação com a organização Comando Vermelho. Quando apresentou projeto para proibir recursos públicos para eventos com suposta apologia ao crime, a vereadora paulista Amanda Vetorazzo utilizou o cantor como referência – por isso o apelido.
Entretanto, movimentos sociais enxergam no movimento mais uma tentativa de criminalização de gêneros artísticos e musicais majoritariamente produzidos e consumidos por pessoas pretas e pobres, como rap e funk.
“Acreditar que um artista, em algum momento, fará apologia ao crime e ao uso de drogas só porque expressa livremente o que viveu e viu cotidianamente na periferia não é apenas uma forma moderna de censura; é a manutenção de uma ideologia hegemônica das elites, expressa na institucionalidade. Reafirma-se, assim, que não há lugar — principalmente no orçamento público — para sujeitos periféricos nos espaços culturais”, afirmou Lívia Maria Ventura da Costa, militante do Levante Popular da Juventude, em artigo de opinião publicado no jornal Brasil de Fato no último dia 28 de fevereiro.