A aprovação do Projeto de Lei (PL) 120/2022, que cria a Secretaria Municipal da Mulher e Direitos Humanos (SEMDH) em Cariacica, é considerada avanço pelo Fórum de Mulheres do município. Entretanto, as integrantes afirmam ter sido pegas de surpresa com a proposta, de autoria da gestão do prefeito Euclério Sampaio (União), pois os movimentos sociais, inclusive os feministas e os de mulheres, não sabiam da elaboração do PL nem foram procurados para participar de sua elaboração.
O projeto foi aprovado por unanimidade nessa segunda-feira (19). A integrante do Fórum de Mulheres de Cariacica, Ilona Açucena Gonçalves, afirma que a proposta “foi de ‘sopetão’ para a Câmara”. “A gente não sabe quem vai assumir a secretaria. Esperamos da gestão diálogo franco e aberto para formular as políticas das mulheres, diálogo com os movimentos sociais, com os movimentos de mulheres”, defende.
O grupo também exaltou a necessidade de realização de campanhas informativas sobre os direitos das vítimas, medidas protetivas de urgência e contatos de órgãos de ajuda; trabalhos de formação e conscientização dos homens sobre a violência contra a mulher; além de fortalecimento do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres e da Rede de Atendimento Psicossocial e políticas públicas, também com foco na juventude.
Foram transferidas da Secretaria Municipal de Assistência Social para a nova pasta as gerências de Direitos da Mulher, Direitos Humanos, Igualdade Racial, Juventude e Prevenção Contra as Drogas, e a coordenação de Direitos Humanos. Apesar de defender uma atuação intersetorial para a secretaria recém-criada, a transferência da gerência de Prevenção Contra as Drogas, afirma Ilona Açucena, causa “estranhamento””, pois é questão de saúde pública, devendo estar na Secretaria de Saúde.
Na justificativa da proposta, o prefeito Euclério Sampaio afirma que a iniciativa busca otimizar e reforçar os serviços municipais relacionados às políticas públicas da mulher, direitos humanos, juventude, igualdade racial e prevenção contras as drogas”. Trata-se, conforme consta na proposta, “de pensar o atendimento à mulher de maneira transversal, incentivando a atuação da mulher em todas as esferas da sociedade”.
Pasta estadual
O Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes) considerou a iniciativa um avanço na luta dos movimentos feminista e de mulheres, que reivindicam a medida desde o fim dos anos 90. A novidade, no entanto, “não deve servir para acomodação política, mesmo reconhecendo que a futura secretária tem liderança entre as mulheres”, alertou a integrante do Fomes, Edna Martins.
Edna recordou que os movimentos feminista e de mulheres conseguiram, em 2015, negociar a criação da Subsecretaria de Política para as Mulheres, no governo Paulo Hartung, quando Sueli Vidigal estava à frente da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, na qual a subsecretaria permaneceu até a criação da Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH), para onde migrou.
Agora, com a criação da secretaria, espera-se, como destaca Edna, que a pasta efetive políticas para as mulheres, de maneira transversal e intersetorial, no âmbito de todo o governo, colocando em prática, de fato, o Plano Estadual de Política para as Mulheres, institucionalizado em 2019. O plano contempla grupos diversificados, como mulheres negras e da comunidade LGBTQIA+, e abarca vários campos, como saúde, educação, trabalho, “desconstruindo relações desiguais em diversas áreas”.
“Acreditamos que, como mulher negra, Jacqueline tem que priorizar questões ligadas ao racismo estrutural e institucional, que permeiam o aparato do Estado”, defendeu. Edna salientou que as mulheres negras são as que mais passam fome; não têm acesso a recursos hídricos, saneamento básico, políticas habitacionais e de saúde; e são as maiores vítimas de feminicídio.
As políticas desenvolvidas pela gestão estadual, afirmou, têm se concentrado nas áreas de enfrentamento à violência contra a mulher e empreendedorismo, mesmo assim, carecendo de aperfeiçoamentos. O combate à violência contra a mulher tem focado na violência doméstica e familiar, não trabalhando a que tem raiz no racismo estrutural; a violência obstétrica; a sofrida pelas mulheres da periferia, que muitas vezes têm suas casas invadidas por agentes da força de segurança, sendo xingadas por eles; e a violência ambiental, sofrida pelas mulheres quilombolas, principalmente por parte da indústria de eucalipto da Suzano Papel e Celulose (Ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose).
As ações voltadas para o empreendedorismo, acredita Edna, são necessárias, mas é preciso ir além dos projetos de capacitação, sendo necessário o acompanhamento dos empreendimentos e “políticas de financiamento arrojadas”. Para a integrante do Fomes, “o empreendedorismo tem que ser uma opção da mulher, e não a única alternativa para geração de renda”. Por isso, ela defende políticas de trabalho formal voltadas para as mulheres e também questiona o fato de que os cursos de capacitação oferecidos “reforçam o papel do cuidado patriarcal”, já que são qualificações como cuidador de idosos e outras ligadas à culinária, não havendo, por exemplo, cursos de formação tecnológica.
Edna também apontou a necessidade de ter um olhar mais atento para as mulheres agricultoras, já que não há políticas específicas para elas na Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag). Conforme afirma a integrante do Fomes, a pasta ainda atua muito na perspectiva do homem como produtor, não havendo políticas de assistência técnica para as mulheres do campo, nem crédito e incentivo para a comercialização de produtos agrícolas