As declarações do deputado estadual Capitão Assumção (PSL) na sessão dessa quarta-feira (11) da Assembleia Legislativa, em que ofereceu recompensa de R$ 10 mil para quem matasse o assassino de uma jovem em Cariacica, motivaram notas de repúdio de oito entidades da sociedade civil organizada e do diretório do Psol no município. O assunto alcançou repercussão nacional, sendo veiculado, na tarde desta quinta-feira (12), no Jornal Hoje, da Rede Globo, e outros veículos como jornal O Globo, Folha de S.Paulo, G1 e UOL.
“Quero ver quem vai correr atrás para matar esse vagabundo. R$ 10 mil daqui do meu bolso para mandar matar esse vagabundo! Eu tiro do meu bolso pra quem matar esse vagabundo! Não vale localizar o cara, tem que trazer o cara morto, aí eu pago”, disse Capitão Assumção em Plenário. A recompensa seria para localizar e matar o assassino da operadora de telemarketing Maiara de Oliveira Freitas, de 26 anos, morta na frente do pai e da filha de quatro anos, na manhã dessa quarta-feira (11), no bairro Antônio Ferreira Borges, em Cariacica. Capitão Assumção reafirmou, nesta quinta, todas as declarações.
“O pronunciamento do deputado foi um ato criminoso e um atentado contra o Estado de Direito, contra os marcos civilizatórios e contra o respeito devido ao povo capixaba”, ressaltam as entidades Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitoria; Fórum Capixaba de Lutas Sociais; Fórum Igreja e Sociedade; Ação Diaconal Ecumênica; Movimento Fé e Política do Espírito Santo; Fórum Capixaba pelas Liberdades Democráticas; e Movimento Nacional de Direitos Humanos.
O documento, assinado também pela deputada estadual Iriny Lopes e pelo deputado federal Helder Salomão, ambos do PT, pede por providências legais, “em nome da Democracia, da defesa da Constituição Brasileira e da Cidadania”, e afirma: “o autor do homicídio deve ser processado, na forma da lei. Não se pode admitir Justiça com as próprias mãos. É inaceitável o trecho da fala do deputado quando diz: 'Não vale dar onde ele tá localizado, não. Tem que entregar o cara morto. Aí eu pago”.
Já o Psol de Cariacica, em nota emitida também nesta quinta, ressalta que a pena de morte é vedada pela Constituição Federal. “O devido processo legal é um direito de todas as pessoas que são acusadas do cometimento de crimes. Ao incitar a morte de uma pessoa, o deputado deixa de cumprir o seu juramento de defender o mandamento constitucional. A livre manifestação de pensamento, nem mesmo aos parlamentares, pode ferir um dos fundamentos da República, que é o respeito à dignidade da pessoa humana, como se verifica nesta ocasião”.
E continua: “Além disso, sabemos que, ao dar esse tipo de declaração, o deputado contribui para o fomento de opiniões semelhantes que legitimam a prática de mais violência. O que precisamos, principalmente dos agentes públicos, são propostas de resolução para o grave problema de insegurança que vivemos em nosso país e em especial aqui em Cariacica. Queremos saber quais são as medidas efetivas que as instituições estão pensando para garantir a segurança da nossa população. Não precisamos de mais bravatas ou ações midiáticas, e sim da construção de políticas sérias para evitar que crimes como esse que tirou brutalmente a vida de Maira de Oliveira Freitas ocorram em nossas comunidades”.
O partido conclui afirmando que “seguirá discutindo as saídas necessárias para construirmos um lugar melhor para vivermos com garantia da vida e dos demais direitos previstos a nossa população”.
O militante de Direitos Humanos, Gilmar Ferreira, em nome do Centro de Defesa de Direitos Humanos da Serra (CDDH/Serra), reafirma solidariedade à família da jovem assassinada, exigindo que as autoridades de Segurança Pública atuem com rigor investigativo e legalidade, com o uso de recursos de inteligência, tecnológicos e científicos, para a obtenção da verdade e a responsabilização dos culpados pelo crime. Para Gilmar, é estarrecedor assistir do aumento vertiginoso de feminicídio no Estado e a ausência de ação do Estado.
Ele aponta que a fala de Capitão Assumção, no entanto, “somente estimula ao justiçamento, justiça com as próprias mãos”. Também “dissemina o ódio e faz apologia a mais violência”. Segundo Gilmar, as declarações, vindas de uma autoridade mandatária, devem ser avaliadas e as providências cabíveis adotadas pelos órgãos competentes”.
Em nota à imprensa, a diretora de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Espírito Santo (OAB-ES), Flávia Brandão, considerou um grave retrocesso a posição do deputado Capitão Assumção. A história da civilização mostra que não é com violência que se combate violência. De um representante do Poder Legislativo espera-se mais responsabilidade e não o incentivo à barbárie. Esse deputado deve, primeiramente, respeitar as leis e a Justiça, além de trabalhar para aprimorar os mecanismos de segurança pública existentes”, criticou.
Já o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) ainda não se manifestou, limitando-se a dizer que está acompanhando o caso.
Regimento
O Regimento Interno da Assembleia, em seu artigo 294, capítulo II (Decoro Parlamentar), diz que “o uso de expressões em discursos ou em proposições, ou a prática de ato que afete a dignidade alheia, desde que configurados crimes contra a honra ou contenham incitação à prática de crimes, consideram-se atentatórios contra o decoro parlamentar”. Além disso, “constitui ato atentatório contra o decoro parlamentar a prática de contravenção penal e de ato imoral, seja por palavras, gestos, escritos ou ação”.
As investigações podem resultar em advertência; censura; suspensão do exercício do mandato (não excedente de trinta dias); e perda do mandato”. Para isso, no entanto, a Corregedoria da Assembleia precisa ser acionada.