Levantamento aponta uso indevido de recursos destinados ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS)
Guarapari, Jerônimo Monteiro, Mimoso do Sul, São José do Calçado, Viana, Alegre, Barra de São Francisco, Guaçuí, Mantenópolis, Santa Leopoldina, São Gabriel da Palha, Serra e Vitória são os13 municípios no Estado que apresentam riscos na política previdenciária, com potencial ameaça à sustentabilidade fiscal, entre os 34 que possuem Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Esse é o cenário revelado no Boletim do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) para avaliar as tendências e riscos previdenciários nas contas públicas dos municípios.
Esses municípios ainda enfrentam desafios na condução de sua gestão previdenciária para consolidar ou atingir o equilíbrio financeiro e atuarial. Os problemas mais observados na previdência municipal foram os recursos insuficientes para arcar com o pagamento de benefícios previdenciários; a dificuldade para equacionamento do déficit atuarial; e o crescimento da necessidade de cobertura do déficit atuarial por meio de plano de amortização.
O conselheiro Domingos Taufner, especialista no tema e servidor público há mais de 40 anos, destaca a necessidade de que medidas sejam adotadas pelos institutos e voltou a reforçar a necessidade de adesão à reforma da Previdência, “o que pode retardar aposentadorias, bem como reduzir um pouco os seus valores, gerando economia de gastos”.
“A situação previdenciária de muitos municípios não é fácil e obriga a cada dia o poder público a destinar mais recursos para essa área, o que pode, por exemplo, comprometer os investimentos necessários em outras áreas. Mas os municípios têm em suas mãos uma ferramenta que pode reduzir os seus gastos previdenciários, que é a adesão à reforma da Previdência feita pelo governo federal”.
A sugestão do conselheiro se choca com o entendimento da massa de trabalhadores, que inclui servidores de 42 dos 78 municípios do Espírito Santo, que optaram pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), administrado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro (PL), promulgada em 13 de novembro de 2019, se destaca como uma das heranças mais malditas da gestão anterior, segundo a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) 12 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que questionam artigos da reforma da Previdência (emenda constitucional 103/2019). No dia 16 de setembro de 2022, o ministro Luís Barroso, relator das ações, declarou a constitucionalidade de regras contestadas.
No dia 22, o julgamento foi interrompido por pedidos de vista – mais tempo para analisar o caso – feito pelo ministro Ricardo Lewandowski. As ações vinham sendo analisadas pelo plenário virtual do STF, formato de julgamento em que os ministros registram seus votos no sistema do Tribunal, sem que haja uma sessão para a leitura individual de cada voto.
Segundo a CUT, “enquanto o STF não decide, as mudanças nas regras do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) continuam atingindo especialmente as viúvas, viúvos ou herdeiros e os trabalhadores e trabalhadoras mais pobres que terão de contribuir mais tempo para receber um benefício de menor valor”.
Segregação de massa
Entre os 13 municípios analisados pelo TCES, seis possuem a “segregação de massa”, ou seja, o instituto de Previdência municipal separa os servidores em dois grupos, ou duas massas, distribuindo os segurados em fundos independentes: fundo financeiro (com regime de repartição simples, originariamente deficitário) e o fundo previdenciário (com regime de capitalização, originariamente superavitário). Os outros sete municípios avaliados que possuem RPPS não realizaram a segregação de massa.
No primeiro grupo, foram selecionados Guarapari, Jerônimo Monteiro, Mimoso do Sul, São José do Calçado, Viana e Vitória. Já no segundo, que não possui segregação de massa, foram escolhidos Alegre, Barra de São Francisco, Guaçuí, Mantenópolis, Santa Leopoldina, São Gabriel da Palha e Serra.
A condução da política previdenciária de um município possui grande impacto nas finanças públicas. Na gestão previdenciária, a atenção se volta tanto para o curto prazo, que exige o equilíbrio financeiro, quanto para o longo prazo, que exige o equilíbrio atuarial.
Entre os problemas identificados, a utilização indevida de recursos destinados à constituição de reservas do RPP é destacada no levantamento. “Não foi constituída uma reserva financeira mínima, baseada na soma de rendimentos financeiros e recursos do plano de amortização do déficit atuarial vigente, possibilitando a constituição de ativos garantidores”, afirma o relatório.
“Os recursos de aplicações financeiras, bem como aqueles oriundos do plano de amortização, possuem uma destinação específica, devendo atender tão somente ao objeto de sua vinculação, qual seja, serem destinados à formação de reservas para amortizar o déficit atuarial existente, não podendo ser utilizado para o custeamento de despesas em regime que se encontra em fase inicial de acumulação de reservas”.
Foi constatado, em alguns casos, entre 10% a 20% a menos de reserva financeira mínima constituída para o equacionamento do déficit atuarial. Os Núcleos de Controle Externo de Fiscalização de Pessoal e Previdência (NPPREV) e o de Avaliação de Tendências e Riscos (NATR) analisaram os Relatórios Técnicos das prestações de contas de 2019 e 2020 desses municípios e as informações previdenciárias disponíveis no Painel de Controle do TCE-ES e nos portais da Transparência das prefeituras.
Outra irregularidade foram os aportes financeiros executados indevidamente como recursos vinculados. “Diferentemente dos recursos arrecadados em contribuições previdenciárias, que são classificados como recursos vinculados, aptos a serem deduzidos nos gastos de pessoal do ente público, os recursos transferidos pelo ente como aporte para cobertura de insuficiência financeira devem ser geridos por meio de fonte de recursos ordinários, sendo, portanto, computados nos gastos de pessoal do ente transferidor”, aponta o estudo.
“O pagamento de benefícios previdenciários com recursos do ente, por meio de uso indevido de fonte vinculada de recursos, distorce a apuração do gasto com pessoal, pois interfere diretamente na dedução da despesa com pessoal, reduzindo o percentual de pessoal para fins da LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal]”.
Além disso, foi constatado, em alguns casos, entre 1% a 2% a menos indevidamente da despesa com pessoal frente à RCL; ausência de equilíbrio atuarial, com inexistência de reservas suficientes para a cobertura de benefícios concedidos e a conceder, ou seja, não existem ativos garantidores suficientes para arcar com a totalidade das provisões matemáticas previdenciárias, exigindo medidas para reestabelecer o equilíbrio atuarial do regime capitalizado.