Lei sancionada pelo governador, proposta pelo pastor Marcos Mansur, não envolveu as religiões de matriz africana
O Estatuto de Liberdade Religiosa do Espírito Santo, sancionado pelo governador Renato Casagrande (PSB) nesta quarta-feira (11), em solenidade no Palácio Anchieta, é questionado pelo Centro Nacional de Africanidades e Resistência Afro-Brasileira no Espírito Santo (Cenarab/ES). As religiões de matriz africana afirmam que não foram convidadas para a construção do documento, que consideram “antidemocrático”. O projeto aprovado na Assembleia Legislativa, de forma simbólica, é de autoria do deputado estadual Marcos Mansur (PSDB), que é pastor.
Em nota de repúdio, o Cenarab afirma que “o referido estatuto não enfrenta as reais questões e problemáticas inseridas na pauta do combate à intolerância religiosa, nem indica as formas de enfrentamento, pelo governo estadual, ao racismo religioso e suas formas de manifestação”.
Além disso, repudia “o evento aberto de sancionamento da lei, bem como a publicidade que se visa obter com este ato, que representa integralmente um retrocesso à Legislação Nacional dos Povos Tradicionais de Matrizes Africanas, invisibilizando com tal atitude lutas históricas do segmento”.
Embora nem ao menos soubessem da elaboração do Estatuto, as religiões de matriz africana foram convidadas para participar da solenidade de sanção, que acontece na tarde desta quarta. “É um faz de conta, uma brincadeira? Convidaram a gente para quê? Tirar foto? Para dizer que estamos do lado?”, questiona a mãe de santo e presidente do Cenarab/ES, Edinéia Cabral.
O assistente jurídico do Cenarab/ES e integrante do Conselho Nacional de Igualdade Racial, Rosemberg Moraes Caitano, critica que a discussão sobre o Estatuto não tenha passado pelo Conselho Estadual de Igualdade Racial e de não ter sido criado um fórum único, com representantes de diversas religiões, para debater o tema. “Qualquer lei sem participação do povo é imposta”, apontou.
Além disso, em nenhum momento o Estatuto menciona as religiões de matriz africana. Ele destaca o inciso 3º do artigo 10, que assegura “aos índios ou nativos, quilombolas, ribeirinhos, ciganos e indivíduos de comunidades originárias, e tradicionais, de todos os direitos inerentes à liberdade religiosa preconizados na presente lei”.
Rosemberg considera que o documento é um retrocesso ao Estatuto da Igualdade Racial, uma vez que não prevê criação de comitês e fóruns para discussão sobre intolerância religiosa. Outra questão é em relação à Seção II, que trata “das Infrações Administrativas à Liberdade Religiosa e suas Sanções Administrativas”, em que todos capítulos foram vetados.
“O documento fala em combate à intolerância religiosa, mas se a pessoa sofrer intolerância, a qual órgão deve recorrer? Se quem cometeu a intolerância for considerado culpado, qual é a pena? Vamos ter auditoria externa ao governo, pois o próprio governo pode praticar intolerância? Não se traz o conceito básico de intolerância, enfrentamento e punições. Que Estatuto é esse? É um monte de letra num papel branco que não diz nada”, enfatiza.