Pesquisador da Unicamp, Vitor Vasquez analisa reflexo da mudança da lei eleitoral no Espírito Santo e Brasil
As novas regras eleitorais que começaram a valer este ano modificam os comportamentos dos partidos e as estratégias de candidaturas. Um dos fatores consideráveis é o aumento do número de candidaturas para prefeito como uma tendência nacional, seguida também pelo Espírito Santo. Um levantamento de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Vitor Vasquez e Monize Arquer aponta que comparando com 2016, o número de candidatos aumentou em 41% dos municípios, se manteve inalterado e 36% e diminuiu em 23% dos municípios.
A mesma pesquisa mostra diminuição do número de candidaturas dos partidos tradicionais e crescimento dos candidatos de partidos médios e pequenos ligados à direita e ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Doutor em Ciência Política pela Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição, Vitor Vasquez falou com o Século Diário sobre as tendências nacionais e os desdobramentos no Espírito Santo. Ele alerta que esse novo cenário de estratégias eleitorais ainda está sendo desenhado e avaliado, e que a depender dos resultados deste ano, os partidos podem rever as estratégias que foram adotadas de forma majoritária em 2020 para os próximos pleitos.
No caso do Espírito Santo, Vitor aponta que a média de candidaturas por municípios costuma ser maior do que a nacional, porém este ano teve um salto ainda maior, chegando a 4,8 candidatos por município, uma das cinco maiores do país.
Ele alerta para o força do PSB com as candidaturas a prefeito em municípios pequenos e o aumento do Cidadania em números de candidatos ao executivo, ao mesmo tempo em que o Estado também repercute algumas tendências nacionais, como a queda do número de candidatos do MDB, o que pode ter sido fruto também de impacto da saída do ex-governador Paulo Hartung, e a retomada de força do DEM, que triplicou o número de candidaturas.
Que fatores acredita que contribuem para o aumento no número de candidaturas a prefeito em 2020?
Essa questão perpassa dois fenômenos. Um procedimental, que é o fim das coligações nas eleições legislativas, e outro contextual, que é o descrédito de parcela dos eleitores em relação aos partidos políticos e o impacto disso sobre as maiores legendas. O primeiro gera um desincentivo para que os partidos atuem conjuntamente, pois elimina uma coordenação que muitas vezes era liderada pelos principais partidos, como MDB, PSDB e PT. Isso se soma à redução de protagonismo desses mesmos partidos, fruto do segundo fenômeno. O resultado é que mais partidos agiram isoladamente nas disputas para prefeito, pois não enxergaram vantagem procedimental para auxiliar maiores partidos nas disputas majoritárias. Além disso, tentarão utilizar as candidaturas para prefeito para alavancar os seus postulantes a vereador, até por entenderem que os maiores partidos não possuem a mesma força de antes, ou seja, podem ser desafiados eleitoralmente.
Qual você acredita que pode ser o impacto desse maior número de candidaturas nas eleições, junto a um menor tempo de campanha? Como pode impactar nas decisões do eleitorado?
O eleitor estará diante de mais escolhas e com menos tempo para analisá-las. Isso tende a dificultar a decisão e a tornar os resultados eleitorais mais imprevisíveis, principalmente nos municípios com menos de 200 mil eleitores, nos quais as eleições são obrigatoriamente decididas em turno único. Isto porque, nesses locais, não há chance de uma segunda análise, o que aconteceria em um segundo turno.
Porém, devemos considerar que uma coisa é lançar candidatos, outra é receber votos. Nesse sentido, não podemos desprezar que partidos tradicionais, apesar de terem perdido força, ainda possuem mais recursos que os demais (como organização partidária, financiamento e expertise). Em contrapartida, devemos ter em conta que alguns partidos pequenos se adaptaram mais rápido à realidade de menos tempo de campanha, utilizando principalmente a internet como plataforma.
Aqui cabe destacar a atenção que o eleitor deve ter na checagem das informações que recebem, pois parte dessa tática de campanha nas redes sociais se baseia na disseminação de notícias falsas (fake news). Apesar do esforço recente em combatê-las, elas ainda serão uma realidade frequente nas campanhas deste ano, pela falta de regra clara para puni-las e, principalmente, pela dificuldade (quase impossibilidade) de reverter seus efeitos já causados após seus disparos, mesmo quando identificadas e eliminadas. Por isso, o impacto desse aumento de oferta de candidatos sobre a decisão de voto é incerto, mas girará em torno desse dilema de quem possui mais recurso versus a novidade e ousadia de partidos novos ou que normalmente circulavam à margem do sistema. Mas a própria imprevisibilidade já é um impacto importante, pois indica que o eleitor não necessariamente votará como costumava fazer, isto é, nos principais partidos até então.
Pode-se observar grandes diferenças no número de candidaturas entre os municípios pequenos e os com mais de 200 mil eleitores, que possuem segundo turno?
Há diferenças, mas é importante deixar claro que elas sempre existiram e está atrelada ao próprio sistema eleitoral. Disputas majoritárias (uma única vaga em disputa) de turno único tornam o custo de competição muito alto, pois os eleitores, na maioria das vezes, optam apenas entre dois candidatos.
A ideia aqui é que o eleitor pode considerar votar num candidato mais bem posicionado nas pesquisas de intenção, mesmo não sendo o seu preferido. Seria a escolha do menos ruim na análise desse eleitor. Isto em função do tipo de eleição, na qual apenas um competidor leva o prêmio inteiro e isso ocorre já na primeira rodada.
Já eleições majoritárias de dois turnos incentivam o eleitor a tomar essa decisão do menos ruim só na segunda rodada. É como se a primeira rodada oferecesse dois prêmios, que seriam as vagas de acesso ao segundo turno. Isso diminui o custo de entrada do competidor nessas disputas.
Além disso, no Brasil, são poucos municípios com mais de 200 mil eleitores (atualmente 95), que representam menos de 2% do total de municípios. Ao mesmo tempo, esses municípios concentram a maior parte do eleitorado nacional, o que configura mais um incentivo aos partidos para lançarem candidatos a prefeito nesses locais, visando aparecer para muitos eleitores com uma só candidatura.
Esse arranjo leva a poucos candidatos para prefeito nos municípios com menos de 200 mil e muitos candidatos nos com mais de 200 mil eleitores. O que mudou este ano é que houve um aumento generalizado no número de candidatos, em todos os tipos de municípios. Porém, esse aumento é ainda mais surpreendente nos municípios com eleições disputadas obrigatoriamente em turno único, pois a regra eleitoral, geralmente, restringe muito o número de competidores. Para se ter uma ideia, de 1996 a 2016, a média de candidatos para prefeito nesses municípios nunca chegou a 3. Nesse ano temos, em média, 3,3 candidatos por prefeitura.
O estudo feito também revela uma diminuição do número de candidaturas por parte dos partidos mais tradicionais. A que se pode atribuir isso?
Como disse anteriormente, é reflexo da péssima avaliação que a política institucional tem tido nos últimos anos perante os eleitores. Aos partidos que tanto parte da mídia quanto alguns competidores políticos convencionaram chamar de praticantes da velha política. Mas essa avaliação ruim não chega a ser uma novidade. O PT, por exemplo, teve um lançamento de candidatura e um resultado eleitoral nas disputas municipais de 2016 muito aquém do seu histórico, considerando pelo menos as eleições de 2000 a 2012. Lembremos que essa disputa ocorreu logo após o partido ser fortemente abalado com a questão da Lava Jato e do impeachment de Dilma Rousseff.
Mas os efeitos dessa repulsa não atingiram somente o PT. No âmbito federal, em 2018 por exemplo, vimos o MDB (antigo PMDB) pela primeira vez desde a redemocratização não ser a maior bancada eleita na Câmara dos Deputados. Cabe ainda destacar o desempenho de Geraldo Alckmin (PSDB) na disputa presidencial, recebendo somente 5% dos votos válidos no primeiro turno. Esse não só foi o pior resultado tucano numa eleição para presidente, como também marcou o fim da polarização protagonizada desde 1994 por PT e PSDB, que até então estruturava o sistema político partidário nacional. Em suma, a perda de protagonismo desses partidos é um processo em marcha de queda de credibilidade da política institucional que vem desde os primeiros anos da década de 2010. E já em 2014, começamos a assistir os impactos eleitorais desse desgaste que, ao que tudo indica, ainda não acabou.
Outro ponto seria o crescimento destacado por parte dos partidos mais à direita no espectro político. Como isso se relaciona com a atual conjuntura do país?
A vitória de Bolsonaro, eleito pelo PSL mas atualmente sem partido, e de candidatos que vincularam sua candidatura a ele em 2018, seja para deputado ou seja para governador, já eram evidências de um eleitorado mais conservador no Brasil.
Nesse sentido, cabe destacar que o PSL, partido até então tido como nanico, elegeu três governadores nessa eleição [RO, RR e SC] e a segunda maior bancada de deputados federais. O PSC, outro partido pequeno e fortemente ligado ao eleitor conservador, elegeu dois governadores. Mas é importante lembrar que já em 2014 alguns analistas diziam que aquela tinha sido a eleição mais conservadora do país até então.
Apenas para ilustrar, em 2015, o cartaz do 39º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) trazia uma “onda conservadora” como ilustração. Esta breve retomada no tempo é importante para entendermos que estes não são fenômenos que ocorrem da noite para o dia. Nesse caso em específico, cabe destacar a incapacidade das elites políticas nacionais, especialmente dos partidos mais tradicionais ligados à centro-direita e uma direita não tão extremada como a bolsonarista de identificar esse processo e aproveitá-lo para conquistar ganhos eleitorais.
Afinal, apesar do eleitor apertar o botão sozinho na urna, sua decisão é influenciada por diferentes estímulos, como mídia e círculo social, que conformam suas crenças e valores. Esses estímulos são parte de narrativas em disputa que, há alguns anos, vem sendo vencida por um discurso mais à direita, com uma parcela cada vez maior de apoio a uma direita extremada: contra a “política tradicional”, contra direito de minorias, contra a ciência, contra a pluralidade religiosa, enfim, contra a maioria das pautas progressistas, senão todas, que alguém consiga listar. Isto é, havia um eleitor mais à direita disposto a se engajar mais politicamente e ele foi absorvido por partidos com plataformas muito à direita.
A médio e longo prazo, que impactos pode ter o fim das coligações para as eleições proporcionais? Pode ajudar a reforçar os partidos?
Antes cabe destacar que o fim das coligações veio casado com a permissão para que partidos que não atinjam o quociente eleitoral (divisão entre o total de votos válidos e o número de cadeira em disputa no local) tenham direito a cadeiras. Ou seja, se por um lado o fim das coligações tende a diminuir o número de partidos do sistema, por outro, esta permissão tende a favorecer os partidos menores na busca por uma vaga nas casas legislativas.
Contudo, eu acredito que, no longo prazo, esta regra de fato reduzirá o número de partidos, pois as menores legendas terão que participar das disputas proporcionais sempre isoladamente, o que possivelmente representará muito custo para pouco benefício.
Aparentemente, uma estratégia que se adotou neste ano foi lançar candidato para prefeito a fim de alavancar as candidaturas para vereador. Para mim, esta estratégia é pouco sustentável já no médio prazo. Portanto, eu suponho que a mudança pode de fato reduzir o número de partidos no sistema como um todo.
Um menor número de legendas pode tornar mais fácil a tarefa de um partido se tornar um atalho informacional para o seu eleitor, isto é, de que um eleitor identifique seu partido predileto e escolha seu candidato mais pela legenda do que pelo político em si. No entanto, a identificação partidária no Brasil, com exceção do PT (que mesmo assim caiu nos últimos anos) é historicamente baixa. Então, não acho que fortaleceria os partidos nesse sentido. Mas devemos considerar que o financiamento público (Fundo Partidário e Fundo Eleitoral) será a principal forma de arrecadação dos partidos em função do fim do financiamento privado de campanha e que seu rateio, em boa medida, ocorre em função do peso do partido no Legislativo federal.
Assim, se o fim das coligações para as disputas proporcionais gerar uma redução da fragmentação partidária do Congresso, o que se terá são menos partidos com acesso ao rateio de importante parte dos fundos públicos de financiamento partidário. Isso pode causar o fim de algumas legendas e, consequentemente, pode fortalecer os “sobreviventes”.
Como está o Espírito Santo em meio a essa realidade? Segue as tendências nacionais?
Inicialmente chamo atenção para o fato de que os municípios com menos de 200 mil eleitores do Espírito Santo sempre tiveram média de candidaturas a prefeito superiores às médias nacionais, sendo que, de 2004 para cá, esse valor foi maior que 3 (2004, 2012 e 2016), mas nunca chegando a 3,5. Porém, em 2020 a média do Estado foi muito superior à nacional, chegando a 4,8 candidatos por município nesses locais.
Mas não é só em números que o Estado possui particularidades. Em primeiro lugar, destaco a força do PSB no Espírito Santo. O partido que já foi o que mais lançou candidatos a prefeito em municípios capixabas em 2016, elegeu o governador Renato Casagrande em 2018 e novamente apresentou o maior número de candidaturas em municípios com menos de 200 mil eleitores no Estado. Neste ano, o partido apresentou postulante a prefeito em 35 municípios, o que significa 45% desse tipo de cidade.
Em segundo, há um aumento sensível de candidaturas por parte do Cidadania (antigo PPS), partido de Luciano Rezende, atual prefeito da capital Vitória. O partido que em 2016 lançou apenas quatro candidatos para prefeito em municípios com menos de 200 mil eleitores em 2020 aumentou em cinco vezes esse alcance, chegando a 20 candidaturas. Mas apesar dessas características mais contextuais, há também semelhanças com as tendências nacionais. Nesse sentido, observo a queda do MDB (de 20 para 16 candidatos considerando 2016 e 2020, respectivamente) e a retomada de força do DEM (antigo PFL), que ampliou sua participação de 5 para 15 candidaturas.
A partir disso, saliento, por um lado, como a política subnacional – estadual e municipal – apresenta características particulares. Isso já se refletia no número de competidores na disputa para prefeito no Espírito Santo em relação à média do país, mas também na força de alguns partidos nos municípios do Estado.
Por outro, é importante dizer que, apesar de algumas particularidades, a política institucional do Estado não está desvinculada do que vemos nacionalmente. É nesse sentido que vemos por aqui um geral aumento no número de candidaturas para prefeito, o enfraquecimento de um partido tradicional como o MDB e a retomada do DEM, tal qual ocorre em vários outros estados do país.
Portanto, penso que esse padrão de lançar um maior número de candidatos a prefeito em municípios com menos de 200 mil eleitores, em comparação à média nacional, será mantido, pois é uma característica da política capixaba. Ao mesmo tempo, este valor médio de quase cinco candidatos por município não será repetido nos próximos pleitos, pois os partidos já estarão mais adaptado ao fim da coligação em eleições proporcionais e perceberão que o custo de lançar um candidato a prefeito para alavancar a campanha para a Câmara de Vereadores pode ser muito elevado. Mas se esses novos postulantes lograrem êxito de forma considerável, o exercício de reflexão continuará a cargo dos até então principais partidos do país, que já estão sendo desafiados.
Em outras palavras, isso dependerá de como os perdedores da disputa de 2020 interpretarão suas derrotas e, a partir disso, como reagirão para as próximas disputas.