Levantamento analisou incentivos concedidos nas gestões de Paulo Hartung e Renato Casagrande
A ausência de controle dos níveis de emprego gerados no Programa de Incentivo ao Investimento do Espírito Santo (Invest-ES) e a fragilidade no controle das metas e contrapartidas contidas na legislação dos benefícios tributários são alguns dos riscos identificados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), que expediu recomendações ao governo visando “uma melhor avaliação dos resultados e apuração dos montantes de tributos efetivamente renunciados”.
A política de incentivos fiscais no Espírito Santo, ampliada nas gestões do ex-governador Paulo Hartung (sem partido), mantida por Renato Casagrande (PSB) e guardada a sete chaves, recebeu um travamento no último dia 10, quando foi julgado o levantamento da área técnica pelo plenário virtual da Corte, relacionado ao Plano de Fiscalização das Contas de 2017 do então governador Paulo Hartung.
Foi determinado ao Poder Executivo que os benefícios relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) decorrentes de convênios no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) sejam regularizados, por lei específica, na Assembleia Legislativa, conforme prevê a Constituição Federal. Como os convênios relativos ao ICMS foram autorizados por decreto, e não por lei, o TCE entendeu que a medida foi feita em desacordo com a Constituição. As determinações deverão ser entregues pessoalmente ao governador.
A análise da área técnica do Tribunal detectou riscos sobre os benefícios fiscais. Além da falta de controle dos níveis de emprego gerados no Invest-ES e a fragilidade no controle das metas e contrapartidas contidas na legislação dos benefícios tributários, o relatório aponta ausência de fiscalização do cumprimento das atribuições dos setores no Programa de Desenvolvimento e Proteção à Economia do Estado (Compete-ES); a ausência de controle dos tributos renunciados nos programas Invest-ES e Compete-ES; a ausência de controles e avaliação de resultados dos benefícios concedidos no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz); e a possibilidade de sujeição às medidas de sanções previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Os incentivos fiscais estão no centro dos debates sobre o projeto de reforma tributária na Câmara dos Deputados. No Espírito Santo, vêm sendo questionados há quase duas décadas, principalmente o detalhamento dos processos, mantidos em uma “caixa-preta”. Várias entidades, entre elas o Fórum de Carreiras Típicas do Estado (Focates), já requereram por diversas vezes, sem êxito, a revelação de “incentivos fiscais, renúncia de receitas e subvenções a toda e qualquer empresa e/ou grupo, conglomerado e consórcio empresarial no Espírito Santo”.
Esse pedido, de 2015, chama a atenção para informações desde o primeiro mandato de Hartung, em 2003, passando pela gestão de Renato Casagrande (PSB) – entre 2011 e 2014 – e os benefícios concedidos no terceiro mandato do governador Paulo Hartung (então MDB).
A análise do TCE identificou também a ausência de registro de cálculo de estimativa de impacto orçamentário-financeiro e de demonstração de que aquela renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, que não afetará as metas de resultados fiscais, e que terá medidas de compensação por meio do aumento de receita, normas previstas na LRF.
Nessa quarta-feira (16), os participantes de audiência pública da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados indicaram que a reforma tributária, apesar de sua complexidade, é o melhor caminho para organizar os incentivos fiscais de estados e municípios. Os integrantes da comissão debatem um Projeto de Lei Complementar (PLP 5/21) que altera a Lei Complementar 160/17 sobre isenção do ICMS.
A lei de 2017 tenta regularizar incentivos concedidos a diversos setores à revelia do Confaz e estabelece prazos de vigência para os benefícios fiscais. Mas, enquanto para a indústria, por exemplo, o limite é de 15 anos, para as atividades comerciais o prazo foi estabelecido em cinco anos, e termina em 2022. O projeto de lei complementar pretende equiparar as duas áreas.
Informações da Agência Câmara indicam que os governadores de alguns estados salientaram a importância de que os benefícios fiscais sejam revistos no âmbito da reforma tributária, mas defenderam um período de transição para que as isenções sejam extintas. O governador Renato Casagrande destacou o peso do comércio atacadista para a economia do Espírito Santo, que sedia perto de 1,5 mil empresas, que geram 20 mil empregos.
“As distribuidoras têm um papel essencial nessa ligação com o consumidor, com a rede varejista. A retirada desse incentivo pode levar a um aumento de preços. Então além de você causar desemprego e atrapalhar a política dos estados, também pode ter um aumento de preços. E nós estamos vivendo um momento inflacionário”, afirmou Casagrande.
Lei específica
Segundo o Tribunal de Contas do Estado, outra medida a ser tomada é que o governo, ao propor benefícios tributários, sempre o faça por meio de lei específica que trate exclusivamente do tema, e que as propostas de concessão ou ampliação de benefícios tributários sejam acompanhadas da estimativa do impacto orçamentário financeiro e atendam ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A decisão do TCE, que seguiu o posicionamento do relator, conselheiro Sérgio Aboudib, também aponta recomendações ao governo do Estado e à Assembleia Legislativa sobre procedimentos a serem adotados quando houver a instituição e ampliação de benefícios fiscais. O processo tramitou em sigilo, visto que possui documentos fornecidos com natureza de circulação restrita.
Sistema estadual
O processo foi instaurado para conhecer a estrutura e funcionamento dos benefícios fiscais concedidos pelo governo do Estado, englobando os benefícios tributários firmados mediante convênios do Confaz, e os Programas Invest-ES e Compete-ES. O Invest-ES tem o papel de atrair e expandir investimentos e o Compete-ES o papel de manter os investimentos existentes.
Os benefícios fiscais no Estado concedidos são em relação ao ICMS. É admitida a recusa intencional da arrecadação de receitas, por meio de lei específica, conforme a Constituição Federal. Nesse sentido, é necessária, ainda, antes da edição de lei específica, a autorização dos outros estados-membros e do Distrito Federal, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Também deve ser observado o planejamento previsto no plano plurianual (PPA), na LDO e na lei orçamentária (LOA).