Mulher mais votada da história da Assembleia, Camila Valadão defende o meio ambiente e populações marginalizadas na política
A vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol) garantiu sua entrada na Assembleia Legislativa em 2023 como a mulher mais votada da história da Casa. Com 52,2 mil votos, atingiu ainda a quarta maior votação entre todas as candidaturas na eleições desse domingo (2), que teve Sergio Meneguelli (Republicanos), Capitão Assumção (PL) e João Coser (PT) no podium.
Essa segunda conquista histórica sucede sua eleição como vereadora em 2020, quando tornou-se a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Câmara de Vitória, com 5,6 mil votos, a segunda maior votação da atual legislatura.
“Nossa vitória agora para o legislativo estadual é também uma resposta política às violências, às perseguições, aos boicotes que nós sofremos no âmbito da Câmara de Vitória. Mesmo diante de tudo que sofremos, conseguimos fazer um mandato que dialogasse com os anseios da população, que não se submeteu às violências e foi marcado, ao contrário, pelas respostas a elas. Construímos um mandato que representa a criatividade política, a radical imaginação criativa das mulheres negras. Para nós, ter também essa votação histórica representa o reconhecimento de vários setores com as nossas pautas”, ressalta.
Nesse salto do parlamento municipal para o estadual, Camila Valadão entende que irá ampliar o leque de pautas às quais seu mandato irá se dedicar. “Já temos a convicção de que vamos incorporar um conjunto de pautas que muitas vezes não aparecem na Câmara”, pondera, citando especialmente causas da temática socioambiental, que inclui quilombolas, indígenas, combate à poluição, proteção de unidades de conservação e mudanças climáticas.
“Vamos fazer um mapeamento de projetos que já estavam em curso nessa legislatura e que precisarão ter continuidade”, afirma. “Nosso desafio é entender, até a posse, como esses temas estão colocados na Assembleia”, acrescenta.
Implícito nesse estudo de estratégias, prioridades e continuidades, está o reconhecimento das forças ultraconservadoras que precisará enfrentará. “A composição da Assembleia vai ser muito dura com liderança do PL, Republicanos…vai ter uma disputa difícil lá dentro”.
O que não é nenhuma novidade, infelizmente, já que, na Capital, esse enfrentamento é diário, inclusive caracterizando violência política de gênero, denunciada na Organização das Nações Unidas (Onu). “A gente sabe que uma coisa que dita muito o ritmo do trabalho parlamentar são as comissões e vamos ter que estudar isso. Na Câmara de Vitória, não estou em nenhuma comissão. Tentaram apagar nosso mandato, mas não conseguiram. Até porque temos um mandato muito bem qualificado tecnicamente”.
De antemão, o programa político de sua candidatura tem mais de 400 propostas. “A gente sabe que nem todas poderão ser executadas, porque sabe das disputas dentro do parlamento. Em Vitória tive muita dificuldade de aprovar projetos e medidas, e sei que será uma composição muito dura na Assembleia também”.
O programa tem três eixos: “Nada sem nós”, onde é previsto ampliar a participação política da sociedade e os canais de debate. “O nosso mandato terá muito compromisso com isso. Vamos promover audiências públicas e construir espaços que possibilitem os encontros, a participação popular e o debate, sempre fomentando as organizações da sociedade civil”.
O segundo eixo, “Sem deixar ninguém para trás”, trata de propostas específicas para públicos e populações que não estão representados nos espaços políticos e institucionais. “Nossa ideia é, antes mesmo da posse – não sei como será possível em função do tempo e da minha atuação ainda em Vitória – é nos reunir com movimentos diversos que representam esses setores. Quilombolas, mulheres, povo negro, indígenas, juventudes, primeira infância, pessoas com deficiência [PCDs] e população LGBTQIA+, que são públicos sub-representados nos espaços políticos. A composição da assembleia já diz isso, essa baixa representatividade”.
O terceiro eixo, “Nossos direitos”, traz as políticas sociais de fato propostas pelo mandato. “É um eixo bem completo, longo. Saúde, educação, cultura, segurança, meio ambiente (águas, ar, parques, clima)…para cada um deles, nós temos um mini-diagnóstico, que não consta no programa político disponibilizado na internet, mas faz a primeira condução das futuras ações”.
Pautas órfãs
As pautas que estruturam o programa político de Camila Valadão são trabalhadas por um número reduzido de parlamentares da atual legislatura, que tem basicamente três exceções com razoável diálogo com elas.
Primeiro, Sergio Majeski (PSDB) na luta contra a poluição do ar e o pó preto, mas que foi impedido de assumir funções de poder na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto, por ele sugerida e, depois viu a comissão ser descaracterizada pelo presidente, Marcelo Santos (Podemos), que simplesmente a “enterrou” sem qualquer resultado. Majeski estará fora da Assembleia em 2023, enquanto Marcelo Santos foi reeleito.
Uma segunda exceção é a deputada reeleita Iriny Lopes (PT), que tem histórico consolidado de defesa de povos tradicionais, movimentos sociais de direitos humanos, moradia e outros similares, e os atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP.
E um terceiro ponto fora da curva é Gandini (Cidadania), também reeleito, que preside a Frente Parlamentar de Conservação da Biodiversidade Capixaba, e tem se posicionado em favor das florestas em algumas pautas estaduais e municipais, como a proteção do maciço florestal em Sooretama, ameaçado pela BR 101.
Cinco disputas
As duas vitórias históricas seguidas de Camila Valadão sacramentam uma trajetória política diferenciada em todo o Estado. “Para nós, o resultado representa muito para as mulheres negras, que sempre tiveram esse espaço político institucionalizado negado. Chegar a essa votação com uma candidatura militante, de esquerda, que dialoga com os movimentos sociais, que não tem apadrinhado político, que não está vinculada aos interesses econômicos, para nós é fundamental, é uma lição, um questionamento de que é, sim, possível, fazer política de uma outra maneira”, avalia.
Assistente social e Doutora em Política Social, ela acumula, aos 37 anos, cinco eleições. Seu primeiro pleito foi em 2014, quando aos 29 anos se candidatou ao Palácio Anchieta e, sendo a única candidata mulher, enfrentou nomes como Paulo Hartung (então do PMDB) e Renato Casagrande (PSB). Naquele ano, Paulo Hartung venceu o pleito ainda no primeiro turno e tornou-se governador do Espírito Santo. Dois anos depois, Camila novamente se candidatou à Câmara de Vitória. Por pouco não se elegeu. Camila Valadão foi a 5ª mais bem votada, no entanto, sua chapa não alcançou o quociente eleitoral. Em 2018, outro “quase” para Valadão, que disputou pela primeira vez a Assembleia Legislativa e conquistou mais de 16 mil votos, porém, mesmo estando entre os 30 mais votados, também não entrou devido à legenda.
Com quase dois anos de mandato no legislativo da Capital, Camila passará o bastão para o seu suplente, o advogado André Moreira, também conhecido por atuação em defesa dos direitos humanos e nos movimentos sociais.