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Vereador quer vetar menores de 18 anos em eventos de temática LGBT

Projeto de Marquinhos Torres foi apresentado em Venda Nova após ataques de bolsonaristas a evento do Ifes

Está prevista para esta terça-feira (21), em Venda Nova do Imigrante (região serrana), a votação do Projeto de Lei (PL) 56/2022, de autoria do vereador Marquinhos Torres (SD), que veta a participação de menores de 18 anos em eventos de temática LGBT no município. A proposta foi apresentada após ataques do deputado federal Evair de Melo (PP) ao “1° Encontro pela Diversidade, Inclusão e Respeito”, que será realizado nesta quarta-feira (22), no campus do Instituto Federal do Estado (Ifes).

Evair gravou vídeos nas redes sociais contra o evento, assim como o ex-candidato a prefeito de Venda Nova, Rafael Monteiro (PL), e o pré-candidato a deputado federal este ano, Darcio Bracarense (PL), todos bolsonaristas, o que gerou reação do Ifes e entidades.

O evento, que tem como tema “Políticas Públicas e a comunidade LGBTQIAP+ no ES: avanços e desafios”, é organizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade (NEPGENS), voltado para profissionais que trabalham no atendimento ao público, estudantes de nível superior, comunidade LGBTQIA+ e suas famílias, e população em geral. Além de palestras, haverá no local a instalação artística Água Viva, com fotografias, vídeos, poesias, desenhos e performances.

O artigo 1º do PL apresentado pelo vereador, define que “fica vedada no âmbito do município de Venda Nova do Imigrante a participação de menores de 18 anos em evento, qualquer que seja, que tenha como tema assuntos LGBT ou similares, sem expressa autorização dos pais ou responsáveis legais, salvo acompanhado da presença dos mesmos”. Ainda segundo a proposta, “os representantes legais ou os pais que estiverem acompanhando seus filhos, deverão apresentar documento de identificação que demostre a paternidade ou a responsabilidade legal sobre o menor”.
A autorização, conforme consta no projeto, “deverá ser por escrito e com firma reconhecida em cartório, com cópia autenticada do documento de identificação do responsável”. Diz ainda que “será obrigatória a exibição de documento de identificação do menor que possibilite averiguar que o indivíduo que autorizou é efetivamente seu genitor(a)” e que “caso a autorização seja lavrada por um responsável legal, deverá ser apresentado documento que concede tal responsabilidade, sendo cópia, esta deverá ser autenticada”.
A iniciativa também estabelece que a organização do evento é responsável pela fiscalização da entrada de menores de 18 anos, devendo comunicar o Conselho Tutelar com antecedência de 30 dias para se fazer presente. Caso o Conselho Tutelar constate descumprimento dos artigos contidos na lei, “deverá determinar o encerramento do evento de imediato, e caso necessário, solicitar auxílio policial”.

O presidente do Conselho Estadual LGBT, João Lucas Cortes de Sousa, classifica o projeto como “descabido e inconstitucional”, e afirma que, caso seja aprovado, a Justiça será acionada. Para ele, o evento é um espaço de “informação, cidadania, direito e cultura”.

“O projeto de lei é uma tentativa de criminalização da cultura e do movimento LGBT. Vivemos isso na época da Aids e vivemos agora dizendo que a cultura LGBT incentiva a pedofilia e coisas do tipo. Isso infelizmente é esperado em ano eleitoral. Estamos vendo vereadores, deputados e políticos incitando a violência contra a comunidade LGBT em prol de movimentos eleitoreiros”, critica.

Ataques
O evento do dia 22 é realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade de Venda Nova do Imigrante (NEPGENS-VNI), em parceria com a prefeitura. Os palestrantes serão a secretária estadual de Direitos Humanos, Nara Borgo; a coordenadora da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), Deborah Sabará; e a coordenadora do coletivo Mães pela Diversidade, Mônica Alves.
Em suas redes sociais, o deputado Evair de Melo, inicialmente, afirmou que os estudantes vão para o Instituto Federal “para aprender ciência, tecnologia, inovação, aprender aquilo que pode gerar riqueza para a sociedade”; que “o Instituto Federal não está autorizado a se meter na formação moral e ética dos nossos filhos”; e que “isso nós fazemos em casa, nas nossas igrejas, nas nossas orientações religiosas”.
Diante do não cancelamento da atividade, Evair gravou novo vídeo, afirmando estar “perplexo com a teimosia do Instituto Federal em realizar o tal evento do mês do Orgulho LGBT dentro da nossa instituição, com apoio do governo do Estado, a secretária estará presente, de Direitos Humanos”.
Posteriormente, mostrou imagens de eventos que, de acordo com ele, são similares, como a intervenção de um artista nu no Museu de Arte Moderna (MAM), no Ibirapuera, em São Paulo, em 2017, que ganhou repercussão na época; e algumas do ex-presidente Lula e da deputada federal Gleisi Hoffmann em uma apresentação artística de 2018, na qual dois bailarinos se beijam. “É o escárnio da sociedade, querem a destruição total dos princípios e valores, isso não ajuda na nossa organização. Não foi para isso que trabalhamos muito para ter o Instituto Federal em Venda Nova e no Espírito Santo”, esbraveja.
O deputado prossegue dizendo que “é isso que querem levar para nossos filhos e dizer que é normal. E tem um cunho ideológico político. Olha o cidadão rindo. Assistindo e rindo, olha a cara do sujeito aqui, olha a cara do cidadão”, referindo-se a Lula.
Evair continua seu discurso alegando que “a escola não tem direito de se meter e se envolver nisso. Uma meia dúzia decide que isso é importante, mas isso não é importante. Espero que a sociedade se revolte mesmo, que possamos suspender esse evento, realizar audiência pública onde for, na Câmara de Vereadores, levar padres, pastores e pais, para que isso seja previamente apresentado às pessoas”.
Os ataques também partiram de Darcio Bracarense, que afirma ser pré-candidato a deputado federal pelo Espírito Santo. “A população de Venda Nova, bem como de toda a região de montanha, sempre desejou a instalação de um Ifes. Um Ifes lá sempre representou mais educação, mais capacitação técnica”, diz iniciando o vídeo. Depois, ele cita o nome do evento e prossegue: “calma, não é discussão sobre orientação sexual, aqui não é questão de preconceito. Se fosse encontro de casais hétero, ainda assim estaria errado, não foi para isso que a população de Venda Nova lutou tanto para ter um Ifes”.
Quem também atacou o evento foi Rafael Monteiro, que foi candidato a prefeito de Venda Nova em 2020, pelo PL. Em vídeo postado em suas redes, ela afirma ser um “absurdo o que está acontecendo em minha cidade”. “Terá mostra artística para fazer o que? Lavagem cerebral nos jovens, mostrando para eles fotografias, vídeos, poesias, desenhos e performances sobre as relações entre gênero e sexualidade vigentes na sociedade. Isso é absurdo esse tipo de mostra, esse tipo de questão para adolescentes e jovens, principalmente usando o Estado para isso”.
Ele prossegue: “o evento gera estudo e pesquisa que não tem finalidade nenhuma na área produtiva agrícola, na área científica e de tecnologia. Os pais que ficaram felizes que o Ifes chegou na cidade, que seus filhos vão poder estudar, desenvolver ciências específicas na área agrícola, agora vão ficar tristes. Vão tomar conhecimento que o Ifes está sendo utilizado para estudar sexualidade e gênero”.
Após publicação de uma nota do Ifes diante da polêmica, Rafael gravou novo vídeo, no qual destaca que a instituição disse que a mostra não terá conteúdo impróprio, mas que “até anteontem não havia nada explícito sobre isso”. Referindo-se a uma roda de conversa que, segundo ele, ocorreu ano passado, mas sem deixar claro onde, em qual evento, disse que a atividade teve cunho partidário “dizendo que o atual governo é preconceituoso e alimenta, dá voz, aos preconceituosos”.
Notas
Em resposta aos ataques, uma nota do Ifes ratifica a realização da atividade e afirma que “diversidade, inclusão e respeito são preceitos fundamentais defendidos pela nossa instituição” e que “preza por uma educação pública e de qualidade”.
A instituição explica, ainda, que o NEPGENS, que organiza o evento, está distribuído em 11 campi, sendo fundamentado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação; Plano Nacional de Educação; Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, “com atenção ao Art. 27, inciso XV: promoção dos direitos humanos mediante a discussão de temas relativos a raça e etnia, religião, gênero, identidade de gênero e orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outros, bem como práticas que contribuam para a igualdade e para o enfrentamento de preconceitos, discriminação e violência sob todas as formas”.
Ainda de acordo com a nota, o Núcleo tem como objetivo “promover ações, junto à comunidade externa e interna, com vistas a uma educação inclusiva e não sexista, que busque a equidade e a igualdade entre todos, o respeito a todas as manifestações de gênero, o reconhecimento e o respeito às diversas orientações sexuais, bem como o combate à violência de gênero, à homofobia e a toda discriminação contra a comunidade LGBTQIA+”.
Além disso, busca “atuar para o fomento de condições para a permanência, participação, aprendizagem e conclusão com aproveitamento e plena dignidade, em todos os níveis e modalidades de ensino, para pessoas de todas as manifestações de gênero e expressões de sexualidades”, bem como “contribuir para a inclusão e para a formação de cidadãs (ãos) éticas(os) e solidárias(os) que praticam a cooperação e repúdio às injustiças”.
O Programa de Pós Graduação em Ensino de Humanidades (PPGEH) do Ifes expressou solidariedade aos organizadores do evento e repúdio aos “ataques raivosos desferidos contra o trabalho sério, ético e competente dos profissionais desse núcleo”. Disse ainda que “de mãos dadas às perspectivas do próprio Núcleo, nosso programa de pós-graduação sustenta a importância de ações com vistas a uma educação inclusiva e não sexista, as quais busquem o respeito a todas as manifestações de gênero, e o reconhecimento às diversidades sexuais”, além de defender “uma educação escolar que combata a violência de gênero, a homofobia e toda discriminação contra a comunidade LGBTQIA+”.
Ainda segundo o PPGEH, “embora a diversidade marque as sociedades ao longo da história, lamentavelmente, ainda não é respeitada por todos. A educação na diversidade está centrada na relação respeitosa e solidária entre pessoas, além do exercício da convivência com as diferenças. Educar na diversidade requer muito esforço e uma enorme vontade de transformar a sociedade e nós mesmos. É o que faz o Nepgens”.
Defende também que “a educação tem um papel basilar na construção de uma sociedade que respeite e saiba conviver com a diversidade, justamente para não formar cidadãos como aqueles que, aos berros nas redes sociais, promovem ataques ao Nepgens de Venda Nova do Imigrante. São, justamente, expressões de um grupo marcado pela intolerância, pelo ódio e pelo preconceito, os quais a sociedade brasileira não suporta mais”.
O Sinasefe Seção Sindical Ifes afirmou em nota que a postura dos três “contém inverdades que pretendem confundir a população. Representa, ainda, um ataque à autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar do Instituto Federal do Espírito Santo, prevista no artigo 1º da lei nº 11.892/2008, lei de criação dos Institutos Federais”.
O Sinasefe Ifes afirma se colocar “na luta contra as opressões, por uma educação pública que defenda a diversidade de gênero e os Nepgens nos campi do Ifes. E exigimos que o reitor [Jadir Pela] faça a defesa da legitimidade dos Núcleos, das/os trabalhadoras/es e estudantes do Ifes”. Para o Sinasefe, a Reitoria deve acionar “os órgãos competentes (Ministério Público Federal e Polícia Federal) para apurar a prática de possíveis atos criminosos contra a instituição e contra a sociedade”.


O Conselho Regional de Psicologia (CRP) também manifestou apoio ao evento. “Após ser anunciado, o evento passou a ser atacado por pessoas que não têm respeito à diversidade e à inclusão, e tentam impedir a sua realização. Ataques que confirmam a importância do evento ser realizado”, defende.

Ônibus
O Sinasefe alugou um ônibus para levar pessoas de Vitória até Venda Nova para o evento. Segundo a professora do Ifes, Nanine Passos, o transporte sairá do campus de Vitória, no dia 22, às 15h. “A ideia veio de alunos, que após os ataques, demonstraram interesse em ir. Houve interesse em apoiar, em dizer ‘estamos aqui”, relata. Quem tiver interesse, basta acessar o formulário ou entrar em contato pelo telefone (27) 99504.1077 e falar com Gabriel.

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