Hoje a gente vai de avião, e com o limite de bagagem, já nem se pode levar presentes
As forças aéreas (leia linhas aéreas) agora nos brindam com a cobrança de malas nos voos internacionais. Nada de novo, claro, tem muitas voadoras poderosas que já fazem isso, mas com preços de passagens muito reduzidos. Cá entre nós, os preços continuam altos, a comida continua ruim, e você só tem direito a uma exígua malinha de bordo, que já pesa a metade do que cabe dentro. Na poltrona só cabe a metade do passageiro.
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Nos voos para a Europa, onde tudo custa tão caro que turista só compra uma caixinha de chocolate pra não dizer que não comprou nada, não faz muita diferença. Mas vir a Miami e não fazer compras é o mesmo que ir a Paris e não ver a Torre Eiffel, ir a Roma e não ver o Coliseu, ir à Suíça e não ver os Alpes; ir a Londres e não ver a Torre. Quanto ao imponente Tâmisa, que há poucos anos era considerado um rio morto, hoje é um dos rios mais limpos que passam por grandes cidades. Viva!
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Paris, a chamada cidade luz, não tem nenhum parentesco com Páris, o desastrado troiano que se envolveu com a mulher do próximo. Tá certo que a mulher era Helena, unanimemente reconhecida como a mais bela do mundo. Se fosse nos dias atuais, seria star de Hollywood ou se casaria com o Trump. Como o indefeso Páris poderia resistir? Outra atenuante, a bela foi-lhe dada de presente, ou pior, como pagamento de suborno, assim instituindo a propina, que no Brasil encontrou terreno fértil. Donde se conclui que a corrupção, essa hidra de mil caras, teve antecedentes divinos.
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Entra um estranho cavalo nessa história, e Cassandra avisa: “Desconfie de presentes gregos”, e por isso hoje recebemos presentes que muitas vezes trazem mais desgostos do que alegrias: no meu caso, um elefante de mármore, lindo e em tamanho natural, presente de uma ex-vizinha que ficou zangada porque reclamei na portaria dos filhos urinando no corredor. A obra-prima fica estacionada no tal corredor porque não passa nas portas. Moral da história, devemos sempre desconfiar de qualquer presente. Estou pensando em quebrar o paquiderme e vender os pedacinhos como relíquias do templo de Afrodite, mãe de Helena..
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Apesar dos troianos terem perdido a guerra, o amor venceu: a bela entrou para a história como Helena de Tróia, e não Helena do Menelau, ou Helena, a Grega. Em tempo: o nome da vizinha é Laura do Ronaldo, o que indica discriminação. Ninguém chama o marido de Ronaldo da Laura. E se Laura vem de Lauro, desconheço qualquer pessoa do sexo feminino chamada Ronalda. O #Me too deveria proibir esses nomes machistas, racistas, e coisa e tal.
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O avião é o meio de transporte mais usado nos dias de hoje, mas houve um tempo em que turismo era navegar rios famosos…Paris mirando-se nas águas do Sena, Roma banhando-se no Tibre, Londres beirando o Tâmisa. O Reno banha seis países e Viena se debruça sobre o Danúbio, o rio mais famoso graças aos acordes de Strauss: o ‘Danúbio Azul’, composto em 1866, ainda é a valsa mais tocada no mundo. Menos conhecido, o Rio Manzanares banha a risonha Madri.
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Em Paris é mandatório navegar o Sena: “Paris está dormindo sob a sombra de suas pontes”, disse Robert Delaunay. Na velha Lisboa que não envelhece, Alberto Caieiros ( heterónimo de Fernando Pessoa) poetou, “Pelo Tejo vai-se para o mundo”. E assim os portugueses chegaram ao Brasil, em um tempo em que navegar era preciso. Hoje a gente vai de avião, e com o limite de bagagem, já nem se pode levar presentes. Mas desconfie de qualquer presente.