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Vida marvada

Do ‘fundo do poço’, Zula foi parar na América do Norte, onde todo mundo ganha em dólar e come no McDonald

Zula estava comendo o pão que o diabo amassou, quer dizer, chegou no fundo do poço, onde o cachorro vem fazer xixi na sandália de dedo. Vemos aí um certo exagero, porque pelo menos tinha pão para tapear a fome. Pior sem pão nenhum, diria o vulgo. Apesar da maré de má sorte, Zula era maneiro, sabia dar jeito em tudo. O que faltava mesmo era empregador, gente com dinheiro procurando mão de obra barata. Mas de vez em quando o destino dá uma viradinha, e o Dr. Mendes mandou recado: Passa aqui em casa ainda hoje. Assunto urgente.

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Quando o doutor chama é porque tem algum servicinho de última hora. Paga pouco, mas sobra comida, e sempre vem junto uma bermuda ou um tênis que não estão usando mais. Dessa vez era melhor ainda. Foi informado que o ex-deputado – sabe-se lá com o dinheiro de qual falcatrua, comprou casa em Miami, bem localizada, mas precisando de reformas. Pensou que tinha feito um grande negócio, mas quando viu o preço da mão de obra no The Flier, gelou. Mesmo com tantos latinos, ali tudo é primeiro mundo, e ninguém faz precinho camarada porque está há três dias passando fome.

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Teve lá umas complicações com documentos, vestir terno e gravata para ir no consulado, mas nada que o Mendes não pudesse resolver. E assim, mal falando o português e sem nem mesmo gaguejar o inglês, sem pretender se afastar da Lurdinha ou da cervejinha no sábado, sem dinheiro no bolso ou na sacola, José Ribeiro de Alhures, vulgo Zula, deu com os costados na prodigiosa América do Norte, onde todo mundo tem onde morar, ganha em dólar e come no McDonald. O que mais chocou o futuro imigrante foram os ônibus, ou melhor, a ausência deles.

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Doutor, os motoristas estão em greve? Estamos andando há horas e não vi passar nenhum. De susto em susto, a comitiva chega na casa do Mendes, e não existindo os cubículos outrora chamados de quarto-de-empregada, Zula foi instalado na suíte com vista para a piscina, com amplo closet e banheiro completo. Nem no barraco que dividia com a amada o sujeito tinha tanto espaço. E me refiro ao barraco inteiro. E mãos a obra que o visto de entrada tem data de validade. Além do mais, o garoto estava morrendo de saudades da Lurdinha.

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Zula caprichou, era ignorante, mas não era burro e viu o potencial. A casa tem 80 pontos de luz. Se pagasse 100.00 para instalar abajur em cada um deles, o doutor teria gasto 8.000 dólares. Quer dizer, só na parte decorativa, a viagem do mão-de-obra-barata deu lucro. E mais trocar os vasos dos seis banheiros, o piso da cozinha e da área da churrasqueira… vai somando. Pintura e azulejos, instalar cortinas… Conforme combinado, tudo ficou pronto quando o visto venceu, meros seis meses. Acha que ele voltou correndo para os braços da Lurdinha?

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Os amigos do ex-deputado-mas-ainda-na-ativa no setor propinas fazem fila para usufruir das habilidades do Zula, e sua popularidade cada vez aumenta mais. Uma cubana se intrometeu na história e o brasileiro – feio, semianalfabeto, sem falar inglês, espanhol ou creole, hoje é cidadão americano, tem casa própria e carro do ano. Quando encontra turistas brasileiros nos shopping centers da vida ainda esnoba: Estou aqui há dez anos e nunca entrei num ônibus.

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