Choveu demais no último mês do ano, trazendo transtornos para muita gente. Foi o caso de Rita, que programou com a devida antecedência sua passagem de ano – ia para Bacuri, a praia da moda. As chuvas tornaram as estradas intransitáveis, e seu grande momento teve que ser cancelado, quero dizer, a viagem foi cancelada, não a passagem de ano, que esse passa sem nos pedir licença.
Para Rita, o Ano Novo foi igual a qualquer outro dia do ano, tanto do velho como do novo. Não por coincidência, Raul também havia programado o fim de ano em Bacuri. Decisão de última hora, é verdade, mas conseguiu passagem aérea e quarto em um bom hotel da orla. As chuvas, porém, não respeitam os compromissos humanos – o aeroporto foi fechado e todos os voos cancelados.
Rita e Raul nunca saberão que os caprichos da natureza impediram que se conhecessem, se amassem, e fossem felizes para sempre. Assim estava escrito no Livro dos Relacionamentos Humanos, bem guardado em cofrre lacrado no Paraíso. Outra que também teve seus planos derretidos pelas chuvas foi Ana, que foi de carro passar o Ano Novo em Cavana. As estradas, como bem sabemos, não lhe deram passagem.
Ana teve que se acomodar no meio do caminho entre o nada e lugar nenhum. Pelo menos achou acomodações decentes, embora o local não tivesse qualquer evento programado para receber o hóspede de honra. O prefeito culpou as chuvas, claro. Um ano passado passou o bastão para o ano seguinte, Ana estava ozinha em um bar, tomando coca diet temperada com lágrimas.
Longe dali, Luís teve sua casa inundada pelo aguaceiro impiedoso exatamente no último dia do ano. Ia viajar mas não viajou porque precisou remediar os estragos. Nem viu a passagem de ano, correndo atrás de bombeiros e pedreiros e eletricistas e encanadores, todos comemorando o ano novo com esperanças de vida nova. Ficou onde estava, isto é, na mesma cidade de Rita, que não viajou para Bacuri por causa das mesmas chuvas, lembram?
Essas pessoas não sabem que os exageros pluviômicos afetaram suas vidas. Irremediavelmente. Os caprichos do tempo embaralharam as conjunções astrais, e o que deveria ser não foi, e o que passou a ser não deveria ter sido. Rita e Raul não foram para Bacuri, onde se encontrariam exatamente à meia-noite, e seriam felizes para sempre e mais alguns anos.
Ana queria ir para Cavana, para onde Luís deveria ir também.Mas não foram, como já foi dito acima. Quando o Ano Novo virar Ano Velho e der lugar ao próximo na fila, Ana terá se casado com Raul e Rita com Luís, e pensarão todos que 2014 foi seu ano de sorte. Grave equívoco! Que pena que não viajamos, dirão, culpando as precipitações atmosféricas por suas decisões precipitadas.