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A importância da luta pelo território usurpado pelas indústrias de celulose

Onde serão dados os próximos passos da expansão da Aracruz Celulose (Fibria)? Depois da Fábrica C em Aracruz, no norte do Espírito Santo, em 2002, e da unidade de Três Lagoas/MS, em agosto de 2017, é a Veracel, no sul da Bahia, que se candidata a receber investimentos para construção de uma segunda planta industrial.

Em sua página na internet, a Veracel diz que “produz celulose branqueada de eucalipto de alta qualidade, com baixo custo de produção, respeitando o meio ambiente e gerando ganhos socioeconômicos importantes para a região onde está inserida”.

Em matéria publicada na edição de sábado, domingo e segunda-feira (18,19 e 20) do jornal Valor Econômico, o novo presidente da empresa, Andreas Birmoser, afirmou que está em plena campanha. “Minha missão é mostrar aos acionistas que a Veracel é a melhor alternativa de investimento. Mas a decisão final é deles”, disse o executivo, referindo-se aos gestores da Aracruz Celulose (Fibria) e Stora Enso, controladoras da Veracel por meio de uma joint venture.

O próprio Andreas, no entanto, explica que, mesmo que a decisão em direção à empresa baiana fosse tomada hoje, a segunda fábrica só se tornaria operacional dentro de seis a sete anos, pois a área atual de plantio de eucaliptos – 87 mil hectares em plantios próprios e mais 21 mil ha plantados em fomento – já está comprometida com as fábricas em funcionamento.

A intenção de expandir é antiga, conta a repórter Stella Fontes. Mas, “esbarrou em obstáculos relevantes, incluindo conflitos fundiários na região”. O licenciamento teve início em 2008, mas os “preparativos pararam na derrocada financeira de uma das sócias originais, a Aracruz, que em 2009 teve de se unir à antiga Votorantim Celulose e Papel (VCP) na Fibria, e em pelo menos dois fatores exógenos: uma série de invasões de terras que atingiu o ápice entre 2010 e 2011 e o anúncio de construção de novas fábricas pela concorrência”.

Hoje, conta Andreas ao periódico, “a questão agrária foi pacificada, embora ainda existam três mil hectares da empresa ocupados por grupos que estão fora de um grande acordo costurado com o governo Estado, com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e seis movimentos sociais”. Nesse acordo, segundo a matéria, “a Veracel ofertou mais de 16 mil hectares de terras”. “Hoje esse é um assunto com o qual sabemos lidar”, garantiu o presidente da Veracel.

Maquiagem verde

Padrão semelhante de conflito fundiário e “resolução amigável” acontece no norte capixaba, onde quilombolas, camponeses e indígenas lutam para reaver seus territórios tradicionais, enquanto as papeleiras Aracruz e Suzano e a novata na região, Placas do Brasil, costuram acordo com o Poder Executivo e forjam “alianças” com os requerentes – “alianças”, ressalta-se, frágeis, forçadas e carregadas de muita publicidade na imprensa e mídia hegemônica, emblemáticos exemplos de greenwashing  (maquiagem verde).

Centremo-nos na situação dos quilombolas do Sapê do Norte, território tradicional localizado entre os municípios de São Mateus e Conceição da Barra: reconhecidos pela Fundação Palmares estão 30 comunidades, aguardando o lento processo de titulação.

Enquanto isso, a empresa, pioneira na devastação da Mata Atlântica e expulsão das famílias guardiãs da floresta da região, no início dos anos 1960, propagandeia pequenos apoios a projetos sociais e iniciativas locais, tentando inflar a imagem de “boa vizinha”.

Ponto-chave nesse greenwashing é o Programa de Desenvolvimento Rural e Territorial (PDRT), que, diz a empresa, levou agroecologia para 500 famílias quilombolas do Sapê do Norte.

Os números são contestados pelas entidades e lideranças que apoiam a luta quilombola. “A gente não reconhece essas experiências. Sabemos que famílias que aceitam o PDRT estão sendo cadastradas pela empresa, mas não reconhecemos que esteja sendo feito um trabalho de Agroecologia em todas essas propriedades”, afirma Milton Neto, coordenador-geral da Associação de Programas em Tecnologias Alternativas (APTA), uma das ONGs mais antigas a prestar assistência e apoio à Agroecologia na região.

Retomadas

Independentemente do sucesso ou não do pleito de Andreas Birmoser, o fato é que, pelo menos no norte do Espírito Santo, as monoculturas de eucalipto continuam a se expandir. Agora substituindo canaviais abandonados por empresas como a Destilaria Itaúnas S/A (Disa), que era do ex-prefeito de Conceição da Barra Jorge Donatti (já falecido), os eucaliptais continuam a expulsar comunidades tradicionais, secar nascentes, córregos e rios, contaminar os recursos hídricos e afugentar a fauna silvestre.

Em seu Resumo do Plano de Manejo Florestal de 2016, a Aracruz informa que possui, no Espírito Santo, Bahia e Minas Gerais, uma área total de 896,7 mil hectares, dos quais 517,3 mil destinados ao plantio de eucaliptos, sendo 200 mil desses, segundo estimativa do Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), localizados no Espírito Santo.

O próprio termo “florestal”, atribuído à silvicultura, é uma forma de “maquiagem”, respaldada na definição da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU).

O conceito da FAO, seguindo transcrição feita pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) brasileiro na publicação “Florestas do Brasil – em resumo” do MMA, de 2010, descreve floresta como “área medindo mais de 0,5 ha com árvores maiores que 5 m de altura e cobertura de copa superior a 10%, ou árvores capazes de alcançar estes parâmetros in situ. Isso não inclui terra que está predominantemente sob uso agrícola ou urbano”.

Floresta

A definição tem sido questionada seguidamente por entidades socioambientais de várias partes do mundo, dezenas delas reunidas no Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM, na sigla em inglês).

Nas ações do Dia Internacional das Florestas – 21 de março – de 2015, a WRM requereu que a FAO revisse sua “enganosa definição de floresta, datada de 1948”.

“Por quase 70 anos, a definição enganosa de floresta da FAO serviu bem à indústria de plantação de árvores, que conseguiu esconder a destruição ecológica causada quando florestas, campos e turfeiras biodiversas são convertidos em amplos “desertos verdes” feitos de árvores clonadas da mesma espécie e de idade semelhante, plantadas em fileiras retas, por trás da imagem positiva da floresta fornecida pela FAO”, declarou, na época, Winfridus Overbeek, então coordenador internacional do coletivo.

Uma petição foi organizada pela WRM nesse sentido, com assinatura de mais de 130 mil pessoas. Em resposta, a FAO disse que “seu papel é meramente o de harmonizar as muitas definições nacionais e internacionais adotadas desde 1948”.

Nas comunidades quilombolas, a memória viva do que foi a Mata Atlântica local faz com que o termo “floresta” seja absolutamente rejeitado quando o que se quer referenciar é a monocultura exótica das papeleiras.

“Esse plantio de eucalipto é floresta, pra você?”, pergunto a Ednaldo Conceição Silvares, nativo da comunidade de São Domingos, em Conceição da Barra. “Não!”, assevera. “Floresta tem remédio, tem bicho, tem muitas árvores diferentes, isso aqui não é floresta de jeito nenhum”, afirma, seguro, do alto de seus mais de cinquenta vividos na terra que espera um dia voltar a ser dos seus, não só de fato, mas também na lei.

Em paralelo à tramitação do processo de titulação das comunidades já reconhecidas pelo governo federal, os quilombolas do norte e de outras partes do Estado seguem firmes na expansão do movimento de Retomadas.

“Esse projeto que a gente constrói nas Retomadas é para a vida. E elas já estão matando a fome de pessoas, principalmente dentro de Conceição da Barra”, conta Antônio Sapezeiro, da comunidade de Córrego do Chiado, uma das principais lideranças do movimento de Retomadas do Território do Sapê do Norte.

“Estamos lidando com a nossa gente, que 'tá' adoentada, as pessoas saíram nos anos 1960, foram expulsos da terra, foram pras periferias, foram pras vilas, e essas pessoas estão voltando. Agora a gente começa a fazer um trabalho de formação”, exalta.

Além de garantir a dignidade aos quilombolas e promover um uso mais inteligente e saudável da terra, as Retomadas também são bons exemplos dos tais “obstáculos relevantes, incluindo conflitos fundiários” ou “questões agrárias” que têm conseguido reduzir um pouco a velocidade violenta com que as gigantes da celulose e placas de MDF querem impor o avanço do deserto verde.

Quem sabe, em meio a esses respiros, consiga-se implementar os direitos constitucionais dos povos tradicionais e da natureza e promover a dignidade no campo, a diversificação econômica e uma distribuição mais equânime da renda nessa região, que já foi uma das mais ricas do Espírito Santo em recursos hídricos e verdadeiramente florestais.

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