Depois de surfar durante décadas nos chamados grandes projetos industriais e no Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap), as elites capixabas nada criaram para alavancar a economia do Espírito Santo, mantendo um modelo gerador de concentração de riqueza e ampliação de bolsões de pobreza.
A constatação é do historiador Ueber José de Oliveira, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Carlos, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e autor de livros como o Elites Capixabas no Golpe de 64, lançado recentemente.
Para o professor, não foram criados “projetos alternativos capazes de alavancar, inclusive do ponto de vista social, novos saltos qualitativos. As elites preferiram ficar no discurso de que o Espírito Santo é mal representado”.
O que as elites fizeram para não depender de commodities (produtos que funcionam como matéria-prima)? Nada, responde o professor, apontando como “farsa o ajuste fiscal da gestão Paulo Hartung, que sucumbiu com a greve da Polícia Militar, um divisor de água da trajetória dele, resultante da falta de um projeto”, completa.
Segundo Ueber, “agora, Paulo Hartung tenta se mostrar como o autor do ajuste fiscal que saneou as contas públicas, uma figura de grande gestor, que se mostrou falaciosa, porque ela gera tensões”. O que a gente observa é que o problema da segurança pública, educação, saúde é visto como gasto e não como investimento”.
A narrativa de saneamento fiscal como única e irrefutável forma de gerir um Estado transforma os setores da segurança pública, educação, saúde. que deveriam ser vistos como investimento em gasto, como aponta o historiador, provocando desgastes, como a greve da PM. “Paulo Hartung não foi candidato porque sabia que seria derrotado. Ainda tentou aquele joguete para se aclamado, mas não vingou”.
Ele afirma que o governador Renato Casagrande segue o mesmo modelo econômico, com o agravante de não contar com uma assessoria com a eficiência da gestão anterior. “Ele mantém alguns projetos sobre os quais eu tenho muitas críticas, como o Escola Viva, e diz apoiar algumas reformas que estão em andamento, como a da Previdência, que não é reforma, é desmonte implementado pelo governo Bolsonaro”, opinou.
Ueber destaca que o momento político nacional é “da mais alta gravidade, como a indicação do filho do presidente para uma embaixada, sem respeitar completamente o Itamaraty, e que esta semana lançou o programa de reforma das universidades, que é uma privatização”, critica.
“O presidente fica nessa pauta moralista, dizendo que a universidade é de esquerda, adotando uma postura como a do 'beato Salu', da novela Roque Santeiro, com um ministro das Relações Exteriores absolutamente patético, de absoluta subserviência, maior do que a dos militares”, diz. Ele ressalta ainda política externa brasileira, consolidada desde o Barão do Rio Branco, passando por Afonso Arinos de Mello Franco. “O que temos hoje é um governo sem projeto, a pauta é tocada pelo Congresso, pelo Rodrigo Maia [DEM/RJ]”.
Sobre como está o Espírito Santo hoje, o professor Ueber afirma que as elites “alavancaram a economia, mas o saldo do ponto de vista social exibe problemas crônicos, destacando o empobrecimento urbano, com grandes concentrações de riquezas e ampliação de bolsões de pobreza, com profundas desigualdades”.
Para ele, esse é o grande dilema. As elites capixabas do passado, e podemos fazer milhares de críticas ao modelo adotado, tinham um projeto. “Podemos discutir a geração de pobreza, a poluição, meio ambiente, qualidade de vida, mas aquela geração tinha um projeto, que foi implementado e se mantém até os dias atuais”.
Ao invés de um modelo alternativo, as elites permanecem na narrativa da superação do atraso e de que o Espírito Santo é injustiçado. “Santa Catarina não ficou nessa presepada e investiu na malha logística, para atrair os importadores e exportadores, independente de incentivos. O que é que nós fizemos? Absolutamente nada”.
Ueber aponta a geração de problemas atuais no fato de o grupo dos grandes projetos terem perdido a hegemonia, o controle da agenda política, e o Estado ter caído nas mãos das empresas, sobretudo as vinculadas ao Fundap.
“Depois dos governadores biônicos indicados pela ditadura de 1964, veio o Gerson Camata, o Max Mauro, o Albuíno Azeredo, Vitor Buaiz e José Inácio, na sequência. Aí veio a degradação institucional do Estado”. O professor prossegue dizendo que Paulo Hartung resgata a estrutura institucional, e com a ONG ES em Ação e o projeto Século XXI, entre outros, faz a recuperação dos grandes projetos de impacto. Não por acaso, pontua, o primeiro presidente da ES em Ação foi Arthur Carlos Gerhardt Santos, um dos construtores dos chamados projetos de impacto.
“Foi criado então o que chamamos de 'consenso de necessidades', quando um grupo de pessoas se organiza para um determinado fim. Identificamos isso, principalmente em Jones Santos Neves, Cristiano Dias Lopes e, mais recentemente, em Paulo Hartung. E ele se lançou, diante da necessidade de recuperar o Espírito Santo daquela desgraceira que era a corrosão das instituições”.
E quais são as mudanças que você identifica nessa recuperação? O professor afirma que “esse é o grande problema, ele recupera, mas veja o programa Espírito Santo Século XXI, segue a mesma lógica de manter o Espírito Santo no mesmo modelo, de incentivos fiscais e commodities, apesar da nova realidade econômica, no Brasil e no mundo”.
O professor Ueber traça um retrato das elites políticas e econômicas no Espírito Santo, com base em seu livro. “Elas foram formadas em duas organizações partidárias, Aliança Democrática Nacional (Arena) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e se reaglutinaram nesse novo ambiente institucional, ao invés de analisarem a ruptura do sistema partidário do plulipartidarismo para o bipartidarismo, e assim continuaram posicionadas, do ponto de vista técnico político”.
Ele lembra que uma parcela do PSD se agrupou no interior da Arena, sobretudo uma parcela urbano-industrial e também setores da chamada coligação democrática, que agregava vários outros partidos, fazendo oposição ao PSD, UDN, PTB, PSB, que era o partido de Ademar de Barros, que tinha um representante aqui em Colatina, o senador Raul Gilberti. Esses dois reagrupamentos vão para dentro.
O segmento urbano industrial do antigo PSB, de certo modo, representou uma herança do ex-governador. Esse segmento urbano industrial toma as rédeas do partido e emplaca três dos quatro governadores biônicos: Cristiano Dias Lopes, Arthur Carlos Gehardt, Elcio Alvares e, por fim, Eurico Rezende.
“É um projeto muito cepalino (Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, da ONU, controlada pelos Estados Unidos), para industrializar setores econômicos mais tradicionais. Uma lógica à parte da ingerência do Estado. Esse foi o eixo dos grandes projetos, que se mantém ainda hoje”.