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Brasil no banco dos réus da ONU por fim do mecanismo de combate à tortura 

A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou que o governo Bolsonaro violou tratados internacionais de combate à tortura ao quase extinguir o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) com um decreto presidencial editado em junho deste ano. A nova legislação exonerou todos os peritos, responsáveis por vistorias e elaboração de relatórios sobre indícios de prática de tortura em presídios, unidades socioeducativas e também em hospitais psiquiátricos. A notícia foi anunciada nesta segunda-feira (16) pelo Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção de Tortura, de acordo com o colunista do Portal UOL Jamil Chade.

A partir deste ano, com a posse de Bolsonaro, o Mecanismo passou a ser subordinado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, cuja titular é a ministra Damares Alves. O decreto presidencial chegou a ser contestado por entidades como o Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais e até pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Mas Damares Alves garantiu que o trabalho de combate à tortura continuaria.

 

O Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção de Tortura entende, no entanto, que o decreto enfraqueceu severamente a política de prevenção à tortura no Brasil. “Estas mudanças na abordagem do Estado em relação à prevenção da tortura e ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura são difíceis de entender, contrárias ao progresso feito anteriormente para a implementação de suas obrigações, e constituem um retrocesso para o sistema no Brasil”, avaliou a ONU.

O colunista informou que “trata-se da primeira constatação formal por parte de um organismo da ONU da violação de tratados internacionais pelo Brasil. O Comitê havia recebido a queixa em setembro e, depois de uma avaliação, chegou à conclusão de que as regras precisam ser revistas”.

Para militantes de direitos humanos capixabas, o comunicado da ONU significa dizer que o Brasil está nos bancos dos réus por não atender nem respeitar os tratados internacionais de combate à tortura aos quais representantes do Estado brasileiro se comprometeram. A criação do mecanismo atende ao cumprimento de tratados internacionais.

“O Governo Bolsonaro tem colocado o Brasil em situação vexatória diante do mundo. Inviabilizar o funcionamento do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura é executar uma necropolítica, privilegiando a morte. Não há nenhum compromisso de cumprir pactos internacionais. O Brasil está na contramão da política antitortura e prol direitos humanos do mundo”, explicou Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra. 

Casos de tortura não são exceção no Espírito Santo. Em dezembro de 2018, o Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-16) realizou, junto ao Mecanismo Nacional, Ministério Público Estadual (MPES) e Conselho Regional de Serviço Social do Espírito Santo (CRESS-17), uma inspeção no Hospital Adauto Botelho, atualmente chamado de Hospital Estadual de Atenção Clínica (Heac), em Cariacica, na Região Metropolitana da Grande Vitória, no Espírito Santo, flagrando situações de maus-tratos e tortura.

Entre as irregularidades encontradas estão as contenções mecânicas irregulares, pacientes amarradas/os aos leitos, sem prescrição médica, sem registro em prontuário e por motivos ilegais, o que pode configurar prática do crime de tortura. Além de portas, grades, trancas e fechaduras em todos os acessos e para deslocamento interno no hospital.

Em novembro do mesmo ano, a Penitenciária de Segurança Média II, que integra o Complexo de Viana, região metropolitana da Grande Vitória, proibiu o registro fotográfico de uma inspeção do MNPCT, que veio de Brasília ao Estado. O motivo foi a deflagração de uma greve de fome, um mês antes, em que os detentos denunciavam uma série de maus-tratos e outras formas de tratamento cruel ou degradante.

Em agosto de 2018, uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou possível que adolescentes internos da Unis Norte, em Linhares, fossem remanejados para o meio aberto (regime de liberdade assistida ou prestação de serviço à comunidade) até que a superlotação da unidade, que variava entre 270% a 300%, caísse para 119%. A decisão foi cumprida e vem sendo acompanhada por órgãos como a Defensoria Pública do Espírito Santo.

Em janeiro de 2018, a coordenação de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), divulgou o “Relatório sobre Denúncias de Tortura: análise de 112 casos catalogados em 257 dias nas audiências de custódia no Espírito Santo”, considerado um marco contra a tortura policial no Estado.

O documento de 27 páginas denuncia que, entre 23 de julho de 2015 e 10 de abril de 2016, foram registrados 112 relatos de tortura na Grande Vitória durante audiências de custódia realizadas pela DPES. Práticas que envolveram os nomes de 189 policiais, sendo 13 deles mencionados pelo menos duas vezes (os nomes não foram divulgados). Quase todos os casos (99,11%) tiveram algum tipo de agressão física. Uma delas, inclusive, culminou em morte.

De acordo com o relatório, as práticas de tortura mencionadas durante as audiências, que, na região metropolitana, acontecem no Centro de Triagem de Viana, englobam: espancamentos, sufocamento com sacola plástica, o popular “telefone”, enforcamento, estrangulamento, choque a laser, uso de spray de pimenta e ferimentos com armas letais (agressões físicas), além de humilhações verbais e de torturas psicológicas, como ameaça de estupro, de morte e de perseguição.

O Mecanismo

Criado em 2003, o Mecanismo é fruto de compromisso do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU) para erradicar a tortura no país, sobretudo no sistema prisional, onde ocorrem graves violações sob a tutela do próprio Estado. O MNPCT faz estudos sobre crimes de direitos humanos. Foram seus peritos, por exemplo, que elaboraram relatórios sobre a situação de presídios como o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), no Amazonas, onde 111 presos foram mortos em massacres de 2017 a 2019.

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