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Capixaba se prepara para encontro com Papa na Itália

O capixaba Vitor César Zille Noronha teve desde muito jovem a economia como uma preocupação central. Agora, ele se prepara para fortalecer os debates sobre o tema como um dos 500 selecionados no mundo inteiro para o encontro Economia de Francisco, convocado pelo Papa Francisco e que contará com grandes especialistas internacionais convidados, como Amartya Sen, Muhammad Yunnus e Jeffrey Sachs.

Hoje seminarista, Vitor começou a se envolver ainda adolescente em projetos sociais da Pastoral do Menor, com alfabetização de menores carentes para posterior inserção no mercado de trabalho. Foi a partir das pastorais sociais que aprofundou suas relações com movimentos sociais e as lutas políticas, tendo participados de manifestações e ações relacionadas com temas como educação pública, cursinhos populares, transporte digno, impacto socioambiental dos grandes projetos industriais, direito à moradia e emprego e renda. 

Em paralelo se graduou em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e fez mestrado em Filosofia, pesquisando temas como Crítica da Economia Política, Política Econômica, Crise, Política Econômica, Fetichismo e Paradigma Tecnocrático. Hoje estudante de Teologia, Vitor dedica seu olhar especialmente para a educação popular nas periferias, buscando articular Economia e Teologia. 

“Levo comigo não tanto os estudos, mas estas experiências e, principalmente, tantas pessoas que se dedicam a elas”, diz o seminarista, lembrando de sua participação e aprendizado em pastorais, grêmio estudantil, centro acadêmico, Diretório Central dos Estudantes da Ufes, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Fórum em Defesa da Bacia do Rio Doce, Movimento de Fé e Política, e outros.

Século Diário conversou com Vitor Noronha sobre as expectativas para a viagem à Itália e suas visões sobre a economia e o papel da Igreja na transformação social.

– Como estão suas expectativas para esse encontro, que vai envolver tantas pessoas de muitos lugares, incluindo grandes especialistas internacionais. O que espera aprender? 

As expectativas são imensas. Papa é uma palavra carinhosa, vem do grego πάππας, isto é, papai. Mas o Papa também é chamado de Sumo Pontífice, que vem do latim pontifex e, literalmente, significa construtor de pontes. Assim eu vejo o encontro, como várias pontes que estão sendo construídas de tantos lugares, etnias e religiões diferentes, mas ligadas a um lugar comum: Assis [Itália], entre 26 e 28 de março de 2020, sob o patrocínio de São Francisco de Assis e, tomo a liberdade de adicionar também, de Santa Clara de Assis. São pessoas jovens e grandes especialistas, tão diferentes, mas todas empenhadas na construção de uma nova economia para uma nova sociedade, que são chamadas a fazer síntese e construir pontes. Esta é a grande novidade que há no encontro, é uma construção em aberto, mas que parte de muita coisa boa que já está em curso. O que vou aprender? Não sei, mas certamente muito. Creio que minha visão sobre economia será dividida entre antes e depois do Economia de Francisco. 

– O que vai levar das experiências do Espírito Santo? 

Levo na bagagem as sombras e as luzes, os sinais de morte e os sinais de vida. Papa Francisco, quando foi eleito papa, disse que veio “do fim do mundo”. Em primeiro lugar, tenho esta consciência, venho da periferia do globo: do Espírito Santo, periferia do Sudeste; do Brasil e da América Latina, periferia do mundo. A boa economia (e a boa política) é aquela que recapitula a todos, começando da periferia e indo até o centro. Não me interessa nenhuma proposta no âmbito da economia que os pobres e os países dependentes não estejam no centro. Não importa os argumentos dos seus defensores, nós não concordaremos jamais, porque conheço o sofrimento do meu povo. É isso que eu levo no meu coração: cada sem teto que luta por moradia; cada sindicalista que luta por direitos; cada agente de pastoral que dá pão a quem tem fome e dá fome de justiça para quem tem pão; cada projeto de economia solidária que é alternativa de vida imediata para pessoas que se apoiam umas às outras. Enfim, minha bagagem não vai cheia comigo mesmo, claro que meus estudos e algumas experiências ajudam, mas minha bagagem vai cheia com as lutas, sonhos e o testemunho de tanta gente que faz da sua vida um bálsamo nos sofrimentos do mundo. Tenho certeza que isso sim pode ajudar na construção de uma Economia de Francisco. Por isso, como o Papa Francisco, quero ser ponte. 

– O encontro tem como foco os jovens de uma geração de transformações muito aceleradas do capitalismo e das tecnologias. Como enxerga o desafio de mobilizar as novas gerações para superar o individualismo e competitividade que predominam na sociedade atual?

Em primeiro lugar – já que estamos falando de economia – é necessário superar o “paradigma tecnocrático”, como diz o Papa Francisco, ou, dizendo de modo mais claro, o capital. Se estamos em uma sociedade onde o dinheiro se tornou um ídolo que governa o mundo, as pessoas se coisificam em mercadoria e coisificam umas as outras. Assim, morre a alteridade e as relações humanas se tornam relações de troca, de custo e benefício. Reina uma mentalidade mundanista e individualista. Uns consomem os outros nas relações de trabalho, nas relações pessoais e até nas relações afetivo-sexuais. Enquanto isso e, a rigor, na contramão disso, o Papa Francisco propõe uma cultura do encontro. Isto é, criarmos uma sociabilidade de comunhão, de reconhecimento do outro, de alteridade, de amor. É necessário usar tudo – nossas relações familiares, nos espaços de estudo, de trabalho e até as redes sociais –, mas para aumentar a proximidade entre nós e em especial da nossa proximidade com os últimos. Neste caminho que acredito que devemos caminhar.

– O Laudato Si é um dos documentos mais importantes publicados no pontificado do Papa Francisco. Como analisa esta encíclica? Que contribuições ela traz para pensar a economia contemporânea?

Normalmente se referem a Laudato Si como uma “encíclica verde”. Seria um enorme reducionismo. É uma encíclica sobre a ecologia integral e, portanto, há nela uma dimensão econômica constitutiva. Aliás, recentemente publiquei um artigo sobre isso intitulado Laudato Si: sua crítica econômica ao sistema estruturalmente perverso. Nela não há uma abordagem apenas reformista da sociedade atual, não é uma questão de reformar detalhes, pois o sistema completo é “estruturalmente perverso”. 

A encíclica denuncia que a crise ecológica e social é causada pelas atividades humanas, pelas necessidades falsamente criadas pela mídia corporativa, pelo consumismo desenfreado, pelo produtivismo irracionalista da economia capitalista, pelo mercado global e pela desigualdade – internacional e nacional. Portanto, é uma crítica a todo o sistema, enquanto não for superada a questão social, não é possível superar a questão ecológica, pois elas estão integradas em uma mesma totalidade constitutiva. Bebendo da tradição teológica latinoamericana, vê o clamor da Terra e o clamor dos pobres como uníssonos. Portanto, diz o Papa, que é necessário “com honestidade pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo”. Nesse novo modelo de sociedade é preciso que, continua o Papa, “a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente a serviço da vida, especialmente da vida humana”. Na Laudato Si a economia deve estar a serviço da vida – de toda a Criação e especialmente dos pobres – e não se servindo dela, como ocorre hoje no capitalismo liberal e selvagem que vivemos.

– No seu entender, qual o papel da Igreja nessa luta por uma economia mais justa? Como ela pode dar suporte às transformações necessárias?

Na Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), há um trecho que eu gosto muito: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”. Assim, tudo que diz respeito à humanidade, diz respeito à Igreja. Todo sofrimento humano, especialmente o sofrimento dos pobres, é um sofrimento de Cristo e nosso. Toda esperança humana, novamente toda esperança dos pobres, é uma esperança de Cristo e nossa. Assim, os sofrimentos que esta economia sacrifical e anti-vida criam, sentimos na pele e todas as lutas e esperanças para criar uma economia mais justa e humanitária devem ser assumidas como nossa. Só a título de exemplo, aos movimentos populares o Papa ressaltou que é necessário lutar por três T’s: Terra, Teto Trabalho. São direitos sagrados. Nisso, é necessário que a Igreja e os movimentos populares lutem juntos, de acordo com o Papa. Então, é necessário fazer alianças, criar pontes, com todos os setores da sociedade que lutem por vida, e vida em abundância, pois este é o compromisso de Jesus.

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