Quarta, 24 Abril 2024

Corregedoria-Geral do TJES já sabia de títulos falsos em concurso desde 2016

Reviravolta no caso do concurso de notários do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Uma denúncia feita por um dos candidatos em 2016 e arquivada pela própria Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal, já oferecia indícios contundentes do crime de falsidade ideológica praticada por alguns dos candidatos que apresentaram documentos falsos na prova de títulos. 


Oferecida dentro do prazo recursal, a denúncia, de uma candidata de Belo Horizonte, Minas Gerais, foi arquivada pelo então corregedor-geral Ronaldo Gonçalves de Souza, que também era, à ocasião, presidente da Comissão do Concurso para Outorga de Delegação de Notas e de Registro, alegando impugnação cruzada. O desembargador, no entanto, desconsiderou os indícios de crimes, como o de falsidade ideológica, pelo fato da apresentação de documentos falsificados. Ronaldo Gonçalves alegou que, em função da impugnação cruzada, os candidatos que se sentissem lesados deveriam buscar o caminho da Justiça, homologando o concurso, aberto em 2013.


“A banca examinadora, desconsiderando o seu poder-dever de autotutela, ignorou deliberadamente e por completo a notícia de ilegalidades na avaliação dos títulos e, no que dizia respeito ao recurso administrativo, informou 'estar impossibilitada' de analisar a questão em razão de uma decisão liminar proferida, já que o recurso seria uma espécie de 'impugnação cruzada por vias transversas'. Ou seja: a existência de irregularidades e falsidades nos títulos apresentados era de conhecimento do presidente do TJES, do corregedor-geral da Justiça, do presidente da Comissão do Concurso e de todos os membros da Comissão do Concurso desde 2016. Todos optaram por nenhuma providência tomar”, criticou outro participante do certame, de posse da documentação.


Prevaricação 



De acordo com fontes da área jurídica, a atitude do Tribunal pode até ser encarada como prevaricação, quando um órgão do Estado não apura crimes, neste caso, o próprio TJES. Entre os fatos relatados estão diplomas de pós-graduação irregulares, falsas declarações de exercício da advocacia e até documentos adulterados para comprovar a suposta prestação de serviço à Justiça Eleitoral – que são critérios de bonificação na fase de avaliação dos títulos. Neste tipo de concurso, a posição do candidato é fundamental para a escolha de uma serventia extrajudicial (cartório) mais vantajosa do ponto de vista financeiro. Nas demais seleções, a ordem de classificação não gera maiores controvérsias por não existir distinção no padrão remuneratório definido para a carreira almejada.


Ainda de acordo com essas fontes, existem duas súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF) que obrigam o Estado a rever seus próprios atos, o que também é conhecido como autotutela. Além disso, um procedimento administrativo, mesmo que tenha sido prescrito, pode ser revisto caso seja levantado algum indício de irregularidade ou crime, em nome do princípio da Legalidade, ao qual os órgãos do Estado estão sujeitos. E também não se esgota sem si mesmo, sendo possível acionar a via judicial. 


Na denúncia, a candidata pedia uma apuração rigorosa do caso, mencionando o fato de que a Comissão do Concurso e a entidade organizadora (Cespe/UnB) não teriam realizado sequer uma pesquisa mais cuidadosa sobre os documentos apresentados pelos candidatos. Essa denúncia de 2016 era até então desconhecida dos meios jurídicos. A mais comumente citada, inclusive no julgamento que está em curso no Pleno do TJES, era creditada a Jodite Maria de Souza, que afirmou em depoimento para a Polícia Civil ter assinado a denúncia a pedido de terceira pessoa e que desconhece o teor do documento. A mesma denúncia aponta que 30 candidatos teriam apresentado documentos falsos.


Julgamento


Atualmente, o Pleno do Tribunal tem discutido a necessidade ou não de homologação do concurso, caminhando para possível homologação. Na última sessão do Pleno, realizada no último dia 22, a maioria dos desembargadores votou a favor da tese de que o resultado do concurso já havia sido homologado pelo antigo corregedor-geral de Justiça local, desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa. O atual, Samuel Meira Brasil Júnior, não aguardou sequer a conclusão do julgamento – adiado depois de um novo pedido de vistas – e notificou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) da “futura decisão”.  Mais uma sessão será realizada nesta quinta (29).


No ofício, encaminhado ao conselheiro André Godinho, que é o relator de procedimentos de controle administrativo relativos ao concurso, Samuel Meira comunica que teriam sido esgotados todos os atos de sua competência, encerrando assim a sua atuação como presidente do concurso. O magistrado informa ainda que os futuros atos de outorga das serventias aos aprovados são de competência do Tribunal de Justiça, desembargador Sérgio Luiz Teixeira Gama, que também não se pronuncia sobre o assunto.


No entanto, não foi citado que, no dia 2 de março de 2016, um rol preliminar dos problemas identificados na apresentação dos títulos foi oficialmente encaminhado ao Cesp/UNB e ao presidente da Comissão do Concurso, em um documento que noticiava graves ilegalidades à Comissão e, de outro, apresentava um tempestivo recurso administrativo à análise dos títulos. Uma cópia também foi oficialmente encaminhada ao TJES e a cada um dos membros da Comissão do Concurso à época.


Caso levado ao CNJ


Diante do novo documento, a Associação dos Escreventes Juramentados do Espírito Santo encaminhou esse documento de 2016 ao Conselho Nacional de Justiça e ao Tribunal de Contas do Estado. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela exigência da validação de todos os certificados apresentados em concurso semelhante ao capixaba no Rio Grande do Sul. No caso capixaba, assim como no estado gaúcho, os documentos também não tiveram uma análise criteriosa por parte dos responsáveis pela seleção. 



De acordo com o advogado da  Associação dos Escreventes Juramentados do Espírito Santo, Robson Neves, a entidade já acionou o Conselho Nacional de Justiça por meio de um Procedimento de Controle Administrativo (PCA), que foi reiterado com este novo documento.


No caso do estado gaúcho, o CNJ já deu parecer favorável, decidindo que o concurso realizado no estado seja revisto. Para isso, todos os títulos apresentados pelos candidatos deverão ser reavaliados, levando em conta as legislações educacionais em vigor. 


Grupos de candidatos


Um outro candidato que não quis se identificar disse que, de um modo geral, os candidatos estão divididos em quatro grupos. O primeiro são os dos candidatos denunciados, que lutam para enterrar as denúncias e receber logo as delegações que escolheram. O segundo corresponde aos dos não envolvidos nas irregularidades e que gostariam de ver as denúncias serem apuradas e os falsários eliminados do concurso, ocasionando uma nova escolha, antes de as delegações serem outorgadas.


Um outro grupo de candidatos, por sua vez, também não envolvidos nas irregularidades, gostariam de receber suas delegações o mais brevemente possível e, por isso, não se importam se o resultado da apuração das denúncias seja conhecido só depois das outorgas, com a consequente perda da delegação pelos falsários, ocasionando uma reescolha de cartórios. Por fim, candidatos não envolvidos nas irregularidades e que gostariam de receber suas delegações o mais brevemente possível, não acreditando que as apurações serão feitas com seriedade.


De acordo com este candidato, existe uma associação de candidatos aprovados que luta pela finalização do concurso, contando com candidatos de todos os grupos acima, mas que não se posiciona oficialmente sobre a questão.

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