O Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Espírito Santo (Criad-ES) vai enviar um ofício ao Supremo Tribunal Federal (STF) informando que o Espírito Santo não tem cumprido integralmente o Habeas Corpus – HC 143.988, de agosto de 2018, em que o ministro Edson Fachin determinou que a taxa de ocupação das unidades de internação capixabas não ultrapassassem o quantitativo de 119% de sua capacidade, estabelecendo essa margem máxima de superlotação de forma a garantir os direitos dos socioeducandos.
A presidenta do Criad-ES, Galdene Conceição Santos Nascimento, explica que foi tentado um diálogo interno do Estado, sem sucesso. Segundo ela, o Conselho enviou ofícios ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), às coordenações da Varas da Infância e Juventude e ao Ministério Público sobre o não cumprimento do HC. No entanto, as respostas não foram satisfatórias, apenas uma evasiva do MPES. Por isso, a solução encontrada foi recorrer ao STF.
“Recebemos semanalmente a taxa de ocupação das unidades socioeducativas e notamos nesse monitoramento semanal que a taxa de ocupação das unidades nem sempre está dentro dos 119%, estipulado pelo STF. Isso não é apenas culpa do Iases (Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado), mas sim de todo o sistema”. O descumprimento, geralmente, ocorre na Unidade de Internação Provisória (Unip/Norte) e da Unidade de Internação do Norte do Estado (Unis Norte), ambas em Linhares.
Indenização
A superlotação é um dos motivos para mortes de adolescentes dentro das unidades. Neste mês, a Justiça capixaba decidiu que os pais de um adolescente que foi assassinado em novembro de 2015 dentro da Unidade de Internação Provisória I, em Cariacica, serão indenizados pelo Estado. A decisão do juízo da Vara da Fazenda Pública da Serra, proferida em junho, foi favorável a um pedido da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES).
Após uma tentativa de resolução extrajudicial do conflito, que não obteve sucesso, a DPES ajuizou uma ação, em 2016, solicitando a indenização por danos morais, materiais e assistência médica e psicológica aos pais e irmãs do adolescente. Em junho deste ano, o pedido foi julgado precedente, com decisão favorável à família do adolescente.
O caso
O adolescente ingressou na Unidade de Internação Provisória II em setembro de 2015 e em novembro do mesmo ano foi transferido para a Unidade de Internação Provisória I, quando foi morto horas depois por cinco socioeducandos que cumpriam pena no mesmo bloco de alojamento em que ele se encontrava.
Os pais do jovem alegaram que houve negligência por parte do Iases. Eles afirmaram que não foram esclarecidos plenamente sobre as condições da morte do adolescente, e que também não teriam recebido qualquer tipo de assistência por parte do Estado após o ocorrido.
A Defensoria Pública constatou que, embora o crime tenha sido cometido por terceiros, foi identificada a responsabilidade civil do Estado e do Iases pela morte do adolescente, visto que as instituições falharam em garantir a sua integridade física no período em que esteve privado de sua liberdade sob responsabilidade do Estado.
Decisão ampliada
A decisão do ministro Fachin foi direcionada, inicialmente, a adolescentes internos da Unis Norte, localizada em Linhares, que deveriam ser remanejados para o meio aberto (regime de liberdade assistida ou prestação de serviço à comunidade) até que a superlotação da unidade, que variava na ocasião entre 270% a 300%, caísse para 119%. Em seguida, passou a valer para todas as unidades socioeducativas capixabas e também de outros estados.
Em setembro do ano passado, entidades da sociedade civil, incluindo o próprio Criad, o Núcleo de Estudos da Criança e do Adolescente da Universidade Federal do Estado (Ufes) e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra) se uniram para fiscalizar o cumprimento do HC do Supremo. De acordo com a presidenta do Criad, Galdene Santos, um dos objetivos centrais, na ocasião, era que os direitos fundamentais, sobretudo à vida e à integridade física e psíquica dos adolescentes e jovens, além dos servidores da Unis Norte, fossem preservados
Para Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra), as péssimas condições das unidades, em especial das Unips, que se caracterizam pelo formato arquitetônico de presídios, somado a outros fatores, como a superlotação e o uso desproporcional da força e até de armamento letal e menos letal leva os jovens a perderem suas vidas dentro das estruturas do Estado e, muitas vezes, pelas mãos dos agentes públicos. Também contribuem a preferência pela internação e privação da liberdade, em detrimento das outras medidas previstas; a falta de uma política pública efetiva em favor da infância e juventude; e a falta de acesso a direitos.