Sábado, 20 Abril 2024

Deserto verde avança com meias verdades e múltiplas pequenas intervenções

Deserto verde avança com meias verdades e múltiplas pequenas intervenções
Se no início da década de 1970 a Aracruz Celulose (hoje Fibria) derrubou milhares de hectares de Mata Atlântica primária com seus correntões, hoje, meio século depois, a empresa mantém uma estratégia já estabelecida há alguns anos, de conseguir licenciamentos ambientais para pequenas áreas em seu nome ou em terras arrendadas de pequenos e médios proprietários rurais.



Um exemplo está no comunicado divulgado pela Aracruz Celulose nessa segunda-feira (8), dando conta de que o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) concedeu a Licença Prévia (LP) nº 281/2017 para a atividade de Silvicultura com plantio de 115 hectares de eucalipto na Fazenda Bonita II, no município de Pinheiros, norte do estado. Foi o primeiro comunicado do tipo este ano, que deve ser seguido por muitos outros, sobre áreas semelhantes ou um pouco maiores.



Aloisio Souza da Silva, da coordenação estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) em Pinheiros, conta que as empresas do setor sucroalcooleiro não fazem investimento em áreas pequenas e isoladas, em função da logística de plantio e colheita, que envolve despesas altas com deslocamento de máquinas e pessoal, e manutenção de equipamentos. Sobre licenças para áreas pequenas, como essa primeira, estão próximas de áreas já plantadas ou mapeadas para serem plantas futuramente, seja na mesma propriedade ou em fazendas vizinhas.



E assim, de pequenas em pequenas intervenções, tanto a Aracruz quanto a também papeleira Suzano, instalada alguns anos depois na região, continuam ampliando o deserto verde, mantendo o discurso mentiroso de que seus eucaliptais são floretas e que são benéficos para o solo. “Por que então, em Conceição da Barra, há tantos córregos que não correm mais onde tem plantações de eucalipto?”, questiona o líder camponês.



Se, de fato, o eucalipto consome menos água do que as florestas Atlântica e Amazônica, esse dado numérico, por si só, não se traduz em proteção ambiental de fato, para o solo, a água, o clima, a biodiversidade. “A cada sete anos as plantações são cortadas”, aponta Aloísio, ao contrário de florestas nativas ou plantios de árvores que não são cortados e, depois de um determinado período, com a chegada do clímax de amadurecimento daquele ambiental, o sistema retorna ao seu equilíbrio.



Os cortes sucessivos, porém, vão promovendo seguidas investidas dos plantios sobre todos os nutrientes e água do solo, levando-o à exaustão. “Já tem muito eucaliptal abandonado aqui na região, onde não dá nem formiga, muitos desertos”, relata. Esse é um dos motivos, explica, porque as papeleiras Aracruz e Suzano têm cada vez mais investido em arrendamento do que em compra de fazendas. “Assim o problema da desertificação fica com o proprietário e não com ela”, diz.



Meias verdades



No mesmo município de Pinheiros, uma terceira empresa plantadora de eucaliptos se instalou recentemente, na década de 2010: a Placas do Brasil S/A, fabricante de placas de MDF, que tem se aproveitado dos canaviais abandonados pelas sucroalcooleiras e demais áreas degradadas por pastagens e outras monoculturas.



“Se bem manejados, os plantios de eucalipto podem consumir menos água do que as florestas nativas”, diz a Placas, em um informativo institucional datado de dezembro passado, divulgando vagas de emprego em seu quadro próprio e em terceirizadas. 



“As raízes do eucalipto usam os nutrientes das camadas mais profundas do solo, ao mesmo tempo em que folhas e galhos nutrem as camadas mais superficiais, melhorando a fertilidade da área e armazenando assim mais água. Suas raízes também ajudam a dar estrutura para a terra, o que junto com a cobertura feita pela copa da árvore, protegem o solo de erosão”, continua o panfleto, ao lado de um infográfico comparando o consumo anual de água pela “floresta” de eucalipto, pela Mata Atlântica e pela Floreta Amazônica: 900mm, 1.200mm e 1.500mm, respectivamente.



Dados científicos que, dispostos assim de forma fragmentada, buscam convencer o leitor de que é melhor derrubar a Amazônia e o que restou da Mata Atlântica e plantar eucaliptais, para salvaguardar a água do país.



O engenheiro agrônomo Edegar Formentini, ex-presidente da Assim, a Associação dos Servidores do Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), afirma, do alto de sua vasta experiência em campo em todas as regiões do Estado, que esse tipo de publicação usa a estratégia de publicar apenas a parte da história que lhe interessa, para ludibriar os menos esclarecidos.



“As grandes empresas da celulose têm todas as informações sobre o eucalipto, as boas e as ruins. E muitas universidades brasileiras ajudaram a produzir estas informações. Infelizmente só publicam as informações que interessam a eles”, diz.



“Vou fazer algumas afirmações que não tenho dados científicos para comprovar, pois não tenho dinheiro para fazer pesquisas, nem universidades à minha disposição, porém, eu desafio as empresas e os cientistas a provarem o contrário”, e prossegue, numa sequência de seis lúcidas sentenças:



“O eucalipto transpira muito mais água do que a Mata Atlântica nos períodos que existe água livre disponível no solo (no período chuvoso)”.



“O eucalipto transpira muito menos água do que a Mata Atlântica nos meses de seca (ele tem mecanismos para sobreviver em condições extremas).



“Se o eucalipto é plantado em locais onde água que vai formar as nascentes está próxima à superfície do solo, com certeza ele retira esta água o que faz secar estas nascentes”.



“Ai da Região Sudeste do Brasil, se a Floresta Amazônica não tivesse esta capacidade de evapotranspiração: Não teríamos este rio "aéreo" que tantas chuvas traz para a região”.



“Se o eucalipto for plantado em solos onde o lençol freático está longe da superfície, ele é até melhor do que uma área degradada, porque o eucalipto com mais de 10 anos de idade forma uma camada de matéria seca na superfície do solo capaz de aumentar significativamente a capacidade de infiltração do solo”.



“A biodiversidade nas áreas de cultivo de eucalipto é paupérrima”.



Eucaliptal não é floresta



O próprio conceito de floresta é polêmico e varia de acordo com a conveniência de cada categoria científica. Numa visão mais integral, um plantio de eucalipto, principalmente do tamanho dos que comumente existem no norte e noroeste do Espírito Santo, definitivamente não pode ser chamado de floresta, devido, entre outros fatores essenciais, à baixíssima biodiversidade, como bem acentuou Edegar.



Porém, prevalece a definição estabelecida pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU) em 1948, que considera apenas a altura mínima, a área coberta no solo e a porcentagem de cobertura de copa de um aglomerado de árvores.



O Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM, na sigla em inglês) – que reúne mais de 200 organizações em vários continentes, incluindo no Brasil – enfatizou, na última campanha pelo Dia Internacional das Florestas, celebrado em 21 de março passado, que essa definição equivocada tem sido usada como modelo para mais de 200 definições nacionais e internacionais desde 1948.



A septuagenária definição da ONU também tem pautado, prossegue o WRM, uma série de programas, isenções fiscais, benefícios, mecanismos de créditos de carbono, financiamento do Banco Mundial e certificações internacionais de sustentabilidade em todo o mundo, favorecendo a expansão de monoculturas de espécies arbóreas, como eucaliptos, pinus, seringueiras e acácias, principalmente no hemisfério sul, onde esses verdadeiros desertos verdes ocupam várias dezenas de milhões de hectares e continuam se expandindo, insustentavelmente.



“Floresta de verdade é sinônimo de diversidade”, afirmou, na época, Marcelo Calazans, coordenador regional da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), uma das ongs brasileiras a compor o WRM. “Áreas cobertas com monoculturas para produção industrial e de ciclo curto são plantações, não são florestas”, posicionou. 


“Querem apagar a nossa memória do que é uma floreta de verdade. Um jovem quilombola que tenha hoje 18, 20 anos, não conhece o que é a Mata Atlântica, só uma plantação de eucalipto”, diz, alertando que, dentro de 50 anos ou um pouco mais, não haverá mais essa memória viva entre essas comunidades e, cada vez menos, entre a sociedade em geral também. 
 

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