Quinta, 18 Abril 2024

É preciso moralizar o uso de agrotóxicos', afirma professor do Ifes

É preciso moralizar o uso de agrotóxicos', afirma professor do Ifes

“A gente tem que trabalhar forte numa campanha pra racionalizar esse uso”, afirma, enfaticamente, o engenheiro agrônomo, doutor em Entomologia e professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) em Santa Teresa, Lusinério Prezotti, com relação ao consumo indiscriminado de agrotóxicos no Brasil e no Espírito Santo.



O Brasil é o maior consumidor mundial de venenos agrícolas e o Espírito Santo, um estado fortemente agrícola, onde o uso dos mais diversos tipos de “cidas” contamina gravemente as águas e os solos, extermina a biodiversidade, adoece e mata centenas de pessoas no campo e reduz a qualidade de vida e a saúde dos consumidores nas cidades.



Lusinéro é grande conhecedor do dia a dia do agricultor e também das armadilhas das quais a Academia ainda não se livrou, permitindo que ainda prevaleça a anacrônica cultura dos agrotóxicos entre os pesquisadores e profissionais da Agricultura, herdada da famigerada Revolução Verde, da década de 1960. Histórias, tem muito para contar.



É um tomate com 15 princípios ativos de agrotóxicos identificados, sendo consumido impunemente; é um agricultor que admite não conseguir usar o pesado e imobilizante Equipamento de Segurança Individual (EPI), quando da aplicação dos produtos tóxicos em bombas costais ou tratores; é outro, que zomba do colega que passou mal por contato com agrotóxico, pois é “fraco” e “não está acostumado”, como ele; é um técnico ou engenheiro agrônomo que se acomoda no emprego na loja de defensivos agrícolas e apenas assina receituários, liberando a compra do agrotóxicos que o lavrador solicita, ao chegar no balcão; é o professor que ensina sobre técnicas agroecológicas (quando ensina) sem a mesma ênfase e status de importância dada aos métodos convencionais e químicos; é o médico que, diante de uma suspeita de morte por intoxicação aguda por agrotóxicos se nega a solicitar os exames necessários que podem comprovar a hipótese; é o órgão fiscalizador que não tem a mínima estrutura para fiscalizar o uso dos venenos; é o consumidor desavisado, que ainda não despertou para a necessidade de apoiar, no seu ato de compra, a Agroecologia e a Agricultura familiar ... e assim prossegue a cultura do veneno sobre a cultura da vida, no estado e no país.



Campanha nacional



A entrevista a Século Diário acontece na esteira da campanha nacional “Chega de agrotóxicos”, promovida, há pouco mais de um ano, por várias entidades públicas e não governamentais, que tem recolhido assinaturas em uma petição eletrônica. O objetivo é pressionar os deputados federais a aprovarem o Projeto de Lei 6670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) e a rejeitarem o PL 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”.



Este, se aprovado, alertam os organizadores da campanha, várias mudanças aumentarão ainda mais a contaminação por agrotóxicos no território brasileiro. Entre eles, a substituição do nome “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário”; a exclusividade do Ministério da Agricultura (Mapa) na avaliação de novos agrotóxicos, excluindo os Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que hoje participam do processo, entre outras medidas, “tão absurdas que parecem mentira”, enfatiza a Campanha.



Dados dispersos



Atualmente, Lusinério é membro, pelo Ifes, do Fórum de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, coordenado pelo Ministério Público Estadual do Espírito Santo (MPES).



Uma das frentes de trabalho é coletar e sistematizar informações preciosas que estão armazenadas em diversos órgãos públicos, mas que, por não serem tabuladas, não estão podendo balizar decisões estratégicas para redução do uso de agrotóxicos no estado.



Por exemplo, cada estabelecimento comercial semestralmente manda relatórios para o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), informando quais e quantos foram os produtos comercializados no período. Já o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-ES) recebe as Anotações de Responsabilidade Técnica (ARTs) de cada engenheiro agrônomo ou técnico em Agropecuária cadastrado, sendo que cada ART pode conter até 50 receitas.



Uma comissão de saúde e meio ambiente dentro do Fórum prepara a criação de um Observatório, para monitorar esses e outros dados. “A perspectiva é de fazer um dossiê pra clarear como está o uso de agrotóxicos no estado”, informa o professor.



Outra linha de pesquisa é a intoxicação. A estimativa da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) é que, para cada caso notificado de intoxicação por agrotóxicos, outros 50 acontecem e não são registrados. Checar isso em campo, no interior do Espírito Santo, é o que está sendo buscado pela equipe de Lusinério. “Vamos fazer um estudo piloto em Santa Teresa e testar essa metodologia”, diz.



Não há segurança



O acadêmico adverte, no entanto, que os casos de intoxicação aguda, que se pretende mensurar de forma mais precisa no estudo, ocorrem em número muito menor do que as intoxicações crônicas, que geram doenças diversas, incluindo câncer e outras degenerativas, mas que ainda não foram devidamente relacionadas ao consumo de agrotóxicos presentes nos alimentos.



E, nesse ponto, mais causos estarrecedores emergem. Fiquemos, novamente, com o tomate com 15 “cidas” diferentes. Quinze agrotóxicos aplicados num único fruto! “Quinze que se conseguiu identificar”, sublinha.



Por lei, explica o professor, esses produtos não podem ser misturados na bomba e aplicados de uma vez, precisam ser aplicados separadamente, porque, se misturados, podem gerar uma reação química, criando novas composições que não se conhece os efeitos. Mas essa mistura, alerta, acontece dentro do nosso organismo. “E que consequências isso pode trazer pra gente? Não há segurança!”, brada, retrucando um argumento repetido pelos simpatizantes dos venenos, de que há “doses seguras” de agrotóxicos. “Segurança pra quem? Pro agricultor que aplica o veneno, se usando os EPIs corretamente, o risco de intoxicação diminui. Mas e as pessoas que irão comer o alimento? Ou beber a água que será contaminada? E os insetos, as aves, toda a biodiversidade que será atingida com aquele produto? Não há segurança!”, repete.


 

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