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Educadores dizem não à Educação à Distância na rede pública

Medida foi tomada à revelia das entidades do Fórum e Conselho estaduais, denuncia Ana Carolina

Entidades que integram o Fórum Estadual de Educação (FEE) e dezenas de educadores capixabas estão mobilizados, inclusive em uma petição online, exigindo que o governador Renato Casagrande revogue imediatamente a autorização para “a instituição de regime emergencial de aulas não presenciais por um período de até trinta dias letivos, consecutivos ou não, especificamente para o ano letivo de 2020”, em função da pandemia de coronavírus (Covid-19).

A medida consta no Decreto nº 4.506-R, de 21 de março, que inclui o tema no artigo 3º do decreto nº 4.597-R, publicado cinco dias antes, na segunda-feira (16). O detalhamento sobre como poderia se dar a instituição da Educação à Distância (EAD) na rede pública estadual de ensino foi publicado em edição extra do Diário Oficial de domingo (22), na Resolução nº 5.447/2020 do Conselho Estadual de Educação (CEE-ES), assinada pelo seu presidente, Artelírio Bolsanello, e pelo secretário de Estado de Educação (Sedu), Vitor de Angelo.

Talvez em decorrência da intensa mobilização dos educadores e entidades do Fórum durante o fim de semana, nessa segunda-feira (23) foi publicada uma nota conjunta, assinada pelo secretário, pelo presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime-ES), Vilmar Lugão de Britto, e pelo presidente do Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Espírito Santo (Sinepe-ES), Moacir Lellis.

Nela, os três gestores afirmam que “a rede particular de ensino, em sua ampla maioria, iniciou as atividades não presenciais a partir deste dia 23” e que “as redes públicas estadual e municipais de ensino continuarão em recesso/férias ao menos até o próximo dia 30, enquanto estudam, em conjunto, a viabilidade técnica e pedagógica de realizar atividades não presenciais a partir de então”.

“A medida foi tomada à revelia das entidades representativas da educação e do pleno do Conselho Estadual de Educação”, denuncia a Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes), uma das entidades integrantes do Fórum e do Conselho Estadual de Educação.

De fato, a aprovação da Resolução foi ad referendum, necessitando, portanto, ainda de votação pelo Pleno do Conselho Estadual. “A temática do uso de aulas não presenciais e por ferramentas de educação à distância ainda não foram objeto de discussão dentro do Conselho de Educação”, afirmou a professora Cleonara Schwartz, representante da Ufes, salientando esperar que seja objeto de discussão da plenária que ocorre na tarde terça-feira (24).

Aprofundamento das desigualdades

Para os educadores mobilizados contra o decreto e a resolução, a principal preocupação é com relação ao aprofundamento das desigualdades existentes entre as diversas escolas, famílias e professores nas diferentes regiões do Estado.

“É impossível garantir que todos os alunos tenham acesso a rede de internet Wi-fi, ou mesmo a um computador. Todos têm celular, mas isso não garante que os pacotes garantirão que todos poderão acessar a EAD. E o isolamento social é impeditivo para que os alunos se dirijam às poucas localidades com acesso público à rede Wi-fi. Não só alunos, mas muitos profissionais também não possuem acesso ou pacotes de internet que deem conta do tempo necessário para a mediação da educação via EAD. Vai ser muto caro para o professor. Em época de isolamento, uma questão que se coloca: o professor vai ter que sair da sua casa pra conseguir dar aula?”, questiona a educadora.

Nesse contexto, salienta Cleonara, a medida “desconsidera a luta pela igualdade no processo de uma educação pública e de qualidade e afronta as próprias metas, tanto do plano nacional quanto estadual de educação, que defendem a universalização do ensino e o ensino de qualidade”.

Outras medidas poderiam ter sido discutidas com os próprios profissionais, ressalta, como a finalização do calendário escolar de 2020 no ano subsequente, em 2021.

O diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), Gean Carlos, critica a decisão do governador Renato Casagrande. “A categoria docente e a sociedade não foram consultadas. Estamos num momento de acalmar e orientar as pessoas sobre os riscos à saúde e não criar situações excludentes como essa”.

Na avaliação de Ana Carolina Galvão, presidente da Adufes, os governantes estão aproveitando o momento para afirmar seus projetos de governo. “Por um lado, essas medidas visam privatizar a educação, por outro, vendem “pacotes” supostamente pedagógicos às redes de ensino públicas, por meio dos quais docentes são instruídos para a execução de conteúdos e perdem seu papel de planejadores e selecionadores das matérias de ensino”.

Logo, ressalta, trata-se de uma medida que desvaloriza o trabalho dos professores, desqualifica suas competências e ainda engessa o ensino ao estabelecer manuais prontos, produzindo uma escola amordaçada. “As tecnologias de ensino podem ser aliadas como metodologias no processo de ensino e aprendizagem, mas não substituir o trabalho docente”, pontua.

“A assinatura dessas três entidades em nota conjunta só reforça que não houve diálogo com todos os segmentos e que há motivações específicas para essas decisões. Afinal, que interesses estão colocados nessa relação promíscua entre Estado e iniciativa privada, para que o sindicato patronal das escolas particulares assine o documento com Undime [União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação] e Sedu?”, questiona Ana Carolina.

O professor da rede estadual Swami Cordeiro Bérgamo, especialista em gestão pública, aponta o autoritarismo das medidas. “Em nome da crise e do urgente, encurtam-se caminhos, o que pode ser caro para a democracia e a república”. Para o educador, o decreto, a resolução e a nota formam um conjunto de normativas que “mostraram com quem o governo dialoga”.

Brincando com a educação

Na nota de repúdio que apresenta o abaixo-assinado pedindo a revogação do decreto, as entidades argumentam que as decisões do secretário de Educação e do presidente do CEE, sem consultar as entidades, buscaram “atender os interesses de instituições particulares de ensino” e, assim, abriram “um precedente perigoso” que “aprofunda o fosso que separa a rede pública e privada e no próprio interior da escola pública, bem como entre os níveis de ensino e no interior da própria educação básica, pois em nome das possibilidades da Educação à Distância (EAD), não leva-se em consideração as desigualdades sociais, ferindo o princípio de igualdade entre os estudantes”.

As entidades alertam ainda para a possível abertura de distintos calendários escolares dentro da própria rede pública, uma vez que “o documento homologado afirma, em seu parágrafo 2°, artigo 3°, que “as escolas que não implementarem as ações de regime emergencial de aulas não presenciais terão que repor todos os dias letivos'”.

E afirmam que haverá comprometimento severo da qualidade da educação. “Sem explicações dos temas e assuntos por um professor ou por uma professora, sem a possibilidade de tirar dúvidas com os professores (tem professores que tem mais de 250, 300 alunos) e, sem a certeza, por parte dos professores de que a atividade foi realizada pelos estudantes, podemos continuar brincando com a educação”, sublinham.

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