Foi uma coincidência interessante. Aprovado pelo edital estadual Funcultura de Artes Cênicas, a peça Resto, do Grupo Z, acabou por agendar as apresentações em outubro para cumprir os prazos determinados. Trata-se de uma peça que aborda a judicialização tanto no plano geral como em referências ao momento do Brasil. Parece sugestivo – e proposital – que a primeira apresentação aconteça no próximo sábado (6), às vésperas da votação do primeiro turno, e a temporada termine justamente no dia 28 de outubro, data em que se finaliza o período eleitoral deste ano.
A peça é feita de fragmentos, cenas entrecortadas que incluem montagens próprias do Grupo Z e cenas adaptadas de Antígona, tragédia grega de Sófocles, e de Juiz de Paz na Roça, de Martins Pena. “Há 2500 Sófocles já abordava o tema, no Brasil especificamente trazemos Martins Pena, do século 19, que já satirizava a questão do funcionamento da Justiça no país”, explica o diretor Fernando Marques. Mesmo em obras tão antigas, há referências curiosas que podem fazer ligação com temas atuais, como o julgamento sobre a propriedade de um sítio em Juiz de Paz da Roça, que leva a remeter ao caso de Lula.
Foto: Ivna Messina
Pensado inicialmente tendo como inspiração a obra O Processo, de Franz Kafka, que não deixou de ser um disparador – acabou incorporando outras obras e trazendo elementos próprios e próximos do tempo e lugar do público, acontecimentos recentes como a prisão ocorrida meses atrás de 23 ativistas participantes das manifestações de 2013, a greve dos caminhoneiros e a censura nas artes.
Os atores do elenco se revezam por diversos personagens, entre as várias cenas curtas e dinâmicas, interpretando desde personagens históricos a jornalistas ou juízes, estes vestindo máscaras que fazem referência à Commedia Dell’Arte. Apesar das cenas irem e voltarem entrecortadas sem ordem cronológica, o espectador poderá perceber pela linguagem as relações e distinções entre cada bloco.
O tema surgiu como uma urgência para o Grupo Z, ao planejar as atividades do ano devido ao momento político que o Brasil enfrenta. “Judicialização é um fenômeno definido como tendência a que determinados assuntos que antes eram resolvidos em outras instâncias passem a ser decididos pelo Judiciário. Coisas que antes eram decididas pelo Executivo, por exemplo, vão cair nas mãos do Judiciário”, diz Fernando, fazendo analogia aos tempos atuais.
Ele explica que a judicialização envolve diversos âmbitos, não apenas o político, e também pode ter lados positivos, que se relacionam com a garantia e conquista de direitos. Exemplifica como no caso de um doente que entra na Justiça devido à falta de medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS) e consegue liminar que obrigue a entrega pelo governo de tais remédios. No caso de Resto, o foco é na questão da judicialização da política mesmo, e sem querer pagar de “isentão”. “Não tentamos ser imparciais, temos lado e não nos abstemos de marcar essa posição. Mas também não queremos impô-la a ninguém”, diz o diretor.
Apesar do assunto sério e da situação dramática do país, que assiste a um período eleitoral preocupante, a peça promete ser divertida, usando elementos humorísticos como a sátira: “É tudo tão patético sobre o que estamos falando, que parece que não restou outro caminho; o humor, como linguagem, é quase uma questão de sobrevivência nesses tempos atuais”, diz Carla van den Bergen, codiretora e preparadora corporal do elenco. A postura dos juízes e a linguagem rebuscada do Poder Judiciário será ironizada em cenas utilizando por exemplo um “latim macarrônico” recompilando as expressões comumente utilizadas por eles, mas ininteligíveis para a grande maioria.
Foto: Ivna Messina
Quem julga os juízes? Essa é uma questão. Fernando explica que embora estejamos acostumados a avaliar e criticar os representantes nos poderes Executivos e Legislativos, a quem damos a alcunha até pejorativa de “políticos”, o mesmo não acontece com os integrantes do Judiciários, cujas decisões são vistas em geral como isentas e inquestionáveis.
O local das 11 apresentações de Resto em outubro será a Casa da Má Companhia, no Centro de Vitória, um espaço que tem servido para dar vazão à produção teatral do Espírito Santo. A peça será gratuita nos dias 7, 12 e 28 de outubro. E terá custo de R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) nos dias 6, 13, 14, 19, 20, 21, 26 e 27 do mesmo mês.
AGENDA CULTURAL
Apresentação da peça Resto, do Grupo Z de Teatro
Temporada de estreia
> 6 de outubro (sábado), às 17 horas – R$ 20 e R$ 10 (meia)
> 7 de outubro (domingo), às 17 horas – Entrada gratuita
Outras apresentações
12, 13, 14 // 19, 20, 21 // 26, 27 e 28 out. (sexta a domingo); R$ 20 e R$ 10 (meia), nos dias 12 e 28 a entrada é gratuita.
Onde: Casa da Má Companhia – Rua Professor Baltazar, 150, Centro de Vitória (próximo à Catedral Metropolitana)
Mais informações/produção: (27) 99903-2585.