Entre 2007 e 2017, o número de intoxicações acidentais por agrotóxicos subiu a tal ponto no Espírito Santo, que o estado é hoje o primeiro no ranking. São 4,1 casos para cada 100 mil habitantes, ultrapassando o Paraná, antigo “campeão” histórico, mas que mantém a “liderança” em números absolutos, com 1.082 casos no período.
No total, foram mais de sete mil ocorrências em todo o país, segundo reportagem publicada nesta segunda-feira (6) pela Pública – Agência de Jornalismo Investigativo sem fins lucrativos fundada em 2011.
Esse, no entanto, são os números oficiais, que, em todo o mundo, estão muito longe da realidade. A estimativa da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) é que, para cada caso notificado de intoxicação por agrotóxicos, outros 50 acontecem e não são registrados.
Os números reais, portanto, chegariam a 1,3 milhão de pessoas intoxicadas no Brasil nos últimos dez anos, segundo apurado pela Pública, ou, mais de 300 casos por dia, entre intoxicações acidentais e por tentativa de suicídio, esta, na cifra de mais de 12 mil casos no período, segundo os dados oficiais, 1.582 delas resultando em mortes.
Sobre suicídios, chama atenção o fato de que “a quantidade de pessoas que tentaram suicídio no Brasil com agrotóxicos é quase oito vezes maior do que a dos que adotam abuso de drogas ilícitas ou lícitas, com álcool e anfetaminas”.
E que os “agrotóxicos são a terceira substância mais comum em tentativas de suicídio no Brasil, atrás de medicamentos e produtos para matar ratos. A quantidade de pessoas que tentaram suicídio no Brasil com agrotóxicos é quase oito vezes maior do que a dos que adotam abuso de drogas ilícitas ou lícitas, com álcool e anfetaminas”.
Os venenos agrícolas são ainda a substância mais letal nas tentativas de suicídios, com mais de 12% das tentativas resultando em morte, “taxa dez vezes maior que a de pessoas que tentaram o suicídio com medicamentos”.
Atlas
A Pública utilizou, entre suas principias fontes de informação, dados oficiais do governo federal – Sistema de Informação de Agravos de Notificações (Sinan) do Ministério da Saúde – e a publicação Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, chamado de Altas do Uso de Agrotóxicos no Brasil, produzido pela professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Bombardi, e lançado no final de 2017.
O Atlas mostra que a área coberta com monoculturas de soja e cana-de-açúcar aumentaram entre 2002 e 2016, enquanto as áreas destinadas ao plantio de alimentos básicos – arroz, feijão, trigo e mandioca – diminuíram.
Com relação ao número de agrotóxicos autorizados no Brasil, houve aumento em praticamente todas as culturas analisadas – amendoim, café, cana-de-açúcar, citros, eucalipto, milho e soja –, com exceção da banana, que caiu de oito para sete. O aumento acontece tanto para o número total de agrotóxicos quanto para o número de venenos autorizados no Brasil, mas já proibidos na União Europeia.
A comparação com a União Europeia também é feita com relação aos limites máximos de resíduos permitidos na água e nos alimentos. Para o glifosato na água, por exemplo, a legislação brasileira é cinco mil vezes mais permissiva que a europeia. Enquanto lá o máximo permitido é 0,1microgramas por litro, aqui é considerada boa uma água potável que registre 500 µg/L.
Glifosato suspenso
Na última sexta-feira (3), a juíza federal substituta Luciana Raquel Tolentino de Moura, da 7ª Vara do Distrito Federal, decidiu em favor de uma ação civil pública impetrada em 2014 pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a União.
Deferindo os pedidos do MPF, a magistrada determinou que “a União não conceda novos registros de produtos que contenham como ingredientes ativos abamectina, glifosato e tiram e que suspenda, no prazo de 30 dias, o registro de todos os produtos que utilizam destas substâncias até que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária conclua os procedimentos de reavaliação toxicológica” e que “a Agência Nacional de Vigilância Sanitária priorize o andamento dos procedimentos de reavaliação toxicológica de abamectina, glifosato e tiram, os quais devem ser concluídos até 31/12/2018, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, devendo informar qual o servidor público responsável pelo andamento deles para fins de responsabilização civil, administrativa e penal, caso haja recalcitrância no descumprimento da medida”.