“Eu sempre fui polêmico e sempre fui com essa rebeldia de alma que tenho, que espero levar até o fim dos meus dias, ainda quando eu estiver bem velhinho”, disse Joel Barcellos em entrevista à TV Senado. Fora de cena, Joel morreu pela primeira vez em dezembro de 2012, quando a mídia anunciou seu falecimento por um AVC. Fake news. Mas no último sábado (10) a notícia era verdadeira. A semanas de completar 82 anos, Joel partiu. Não mais atuaria nem na vida real.
Nascido em 27 de novembro de 1936 em Guarapari, ele foi ainda criança viver no Rio de Janeiro, mas nunca perdeu o contato com o Espírito Santo, onde manteve familiares e amigos e chegou a filmar como ator e diretor. Distante da profissão, vivia em Rio das Ostras, onde buscava uma vida tranquila, perto da praia, amigo dos pescadores mas conectado com o mundo pela internet.
Joel Barcelos começou a se envolver com o teatro quando era estudante. Conta que fazia teatro de rua, em lugares como as escadarias do Teatro Municipal e nas Ligas Camponesas, movimento social que lutava pela reforma agrária.
“Teatro sempre foi ao ar livre, quando na Grécia o ator apontava para o céu era o céu mesmo. Quando apontava para o mar era o Mediterrâneo”, disse. Para ele, o teatro entra nos salões com Molière para agradar à corte. A veia crítica e popular nunca abandonou o ator, que participou de obras marcantes no teatro, na TV e no cinema.
Nos palcos, sua estreia oficial foi com Eles não usam black-tie (1958), peça de Gianfrancesco Guarnieri, no lendário Teatro de Arena, em São Paulo. Trabalhou e foi amigo dos grandes diretores de época como Guarnieri, Vianinha e Augusto Boal. Ajudou a fundar os Centros Populares de Cultura (CPCs) criados pela União Nacional dos Estudantes no início dos anos 60, época de grande efervescência política e cultural que antecedeu o golpe civil-militar de 1964.
No cinema fez uma ponta em Trabalhou Bem, Genival! (1955) e despontou com Cinco Vezes Favela (1962), um filme que é um dos marcos do Cinema Novo. Também atuou em outras produções de grande importância do movimento e da época como Os Fuzis (1964), A Falecida (1965), Garota de Ipanema (1967), Copacabana Me Engana (1968). Foi dirigido e contraceneou com os melhores da época, pois foi, de fato, um dos melhores da época.
Com a ditadura e a censura, seu trabalho ficou mais difícil. No teatro as peças eram censuradas depois de totalmente prontas, e havia dificuldade para pagar novamente a equipe depois de fazer toda remontagem. “Minha carreira teatral foi castrada”, expressa. Chegou a ser detido.
Apoiador de grupos revolucionários, estava na lista de ameaçados. Com a decretação do AI-5 as coisas pioraram e Barcellos foi para o exílio na Itália, onde participou de obras como “O Conformista” (1970), filme de Bernardo Bertolucci, um dos grandes clássicos do cinema, que figurou em uma lista dos 100 maiores filmes do século XX.
Em mensagem nas redes sociais, Joel comentou: “Apesar de tantos se esforçarem em esquecer minha trajetória na arte de atuar, agora estou tatuado e marcado como sendo o único ator brasileiro que sempre será lembrado por ter participado de um destes filmes escolhidos. Nunca fui citado por nenhum brasileiro, não importa, os atores vivos e atuais terão que esperar os próximos cem anos para tentar conseguir essa façanha….vida longa a todos!!!”
Na juventude era visto nas telas como galã, magro com seus olhos verdes e traços finos. Mas rechaçou o rótulo. “Eu não me acho essas coisas galã porra nenhuma. Imagina um ator que tem um pescoço de tartaruga, uma cabeça de pinto, ia ser ator de cinema. Eu nunca imaginava. O olho tá olhando minha alma, quando essa câmera olha pra mim, o espectador via é na alma, não tá olhando penteado para aqui, penteado para lá, maquiagem horrível…”, declarou décadas depois à TV Senado.
Perguntado sobre os segredos de atuar, disse algumas pérolas como “O que tá morto eu ressuscito. E o que tá vivo eu eternizo” e “Texto não se decora. Texto se impregna”.
Usou o talento aprendido no teatro para atuar no cinema, onde recebeu inúmeros prêmios, tendo uma relação especial com o Festival de Brasília. “Eu não fazia como agora os meninos fazem aí. Eles trabalham na novela, fazem teatro à noite e de dia filme. Eu não. Escolhia no máximo dois filmes por ano, era muito caxias e rigoroso em relação ao cinema”. Mesmo assim atuou em mais de 50 filmes. “Não sei se foram 53, 54 ou 55 filmes que fiz como ator. Já pesquisei no Google e encontrei filmes dos quais nem lembrava mais”.
No exílio, realizou seu primeiro longa-metragem como diretor, O Rei dos Milagres (1971), no qual dirigiu Glauber Rocha, que atuou como ator. O segundo e último filme foi Paraíso no Inferno (1977), filmado em Vitória. Joel também atuou no em Sagarana, o Duelo (1973), de Paulo Thiago, que possui cenas em vários municípios capixabas, e Anchieta, José do Brasil (1977), que teve parte da obra filmada no município de Anchieta. Em Luz del Fuego, contracena em cenas “calientes” com Lucélia Santos, que interpretava a atriz, dançarina e naturista Dora Vivacqua, conhecida como Luz del Fuego, que assim como ele era capixaba, mas tinha saído criança do Estado.
Da televisão Joel Barcellos não gostava, embora tenha atuado em obras importantes como a novela Mulheres de Areia (1993) e séries como O Pagador de Promessas (1988) e Engraçadinha (1994), e Memorial de Maria Moura (1995).
Com tantas glórias, porém, um sonho Joel não conseguiu cumprir, que era filmar e interpretar a história de outro capixaba, Augusto Ruschi, Patrono da Ecologia no Brasil, a quem chegou a encontrar antes de sua morte em 1986. “Quando o visitei, e ele estava muito doente, disse que ele não ia morrer, porque eu o eternizaria. Esse é um projeto do qual não quero me afastar. Augusto Ruschi é um vulcão extinto”, declarou o ator em 2005.
E agora poderíamos dizer que se apaga também o vulcão Joel? Ou permanece eternizado por sua própria imagem nas telas? E se houver outro plano, se encontrarão novamente esses dois vulcões?
Aplausos e mais aplausos. Fecharam-se as cortinas. Joel Barcellos encantou! Aplausos de pé.