Quinta, 28 Março 2024

Juiz do TAC da Governança é 'suscetível à pressão das empresas'

Juiz do TAC da Governança é 'suscetível à pressão das empresas'

“Suscetível à pressão das empresas" e desconhecedor do sentido constitucional de "participação”. É com essas afirmações que a cientista política Cristiana Losekann se refere ao juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, que no último dia oito de agosto homologou o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Governança, no caso do crime da Samarco/Vale-BHP.



Em artigo publicado no portal Jota, Cristiana, que também é professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e coordenadora do Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais (Organon), afirma que a sentença do juiz Mário de Paula, que homologou parcialmente o TAC, revela que falta ao Judiciário “uma compreensão mais fundamental da própria relevância da participação na construção da Justiça e de como esse princípio é valorizado na nossa própria Constituição”.



Isso porque, explica a cientista política, “o juiz estabeleceu com sua decisão que os atores por excelência da participação, nominalmente citados por ele: movimentos sociais, ONGs, entidades religiosas, ideológicas ou partidárias, devem ser excluídos do processo de oferta de apoio aos atingidos na forma prevista das assessorias técnicas”.



Ou seja, prossegue a acadêmica: “vedando a participação nas formas de auto-organização e associação dos atingidos, o juiz demonstra desconhecer completamente que é justamente a esse tipo de organização que cabe historicamente construção da participação”.



O juiz manifesta, assim, aponta a coordenadora do Organon, “desconhecer que essas associações civis valorizadas constitucionalmente nada mais são do que a formalização institucional dos movimentos sociais, ONGs e a forma que o ordenamento jurídico estabelece para que nós possamos expressar livremente nossas preferências ideológicas”.



Embora o texto da decisão afirme o contrário, finaliza Cristiana, a participação é, assim, incorporada de maneira meramente retórica. E, ao fazer isso, “o juiz entra para a história do maior desastre ambiental do Brasil como alguém suscetível à pressão das empresas e que pouco conhece da participação e sequer valoriza sua relevância, seus mecanismos e seus atores, conforme determina a nossa Constituição”, sentencia.



Anulação



O Organon de Cristiana integra a Rede de Pesquisa Rio Doce, formada ainda por outros três núcleos acadêmicos de mais duas universidades federais: as de Ouro Preto (GEPSA/UFOP) e de Juiz de Fora (PoEMAS e Homa/UFJF).



Na última segunda-feira (13), a Rede tornou público seu pedido para que a sentença ultra petita, que homologou o TAC da Governança, “concedendo provimento jurisdicional não requerido, seja invalidada, de ofício, naquilo que ultrapassa o que foi acordado entre as partes e viola direitos humanos e fundamentais”.



Em sua carta aberta, a Rede afirma que o juiz demonstrou desconhecer “debates técnicos, teóricos e sociais sobre temas que são de extrema relevância para esse caso, tais como: participação, movimentos sociais, conflitos ambientais e dinâmicas sociais em desastres socioambientais, dentre outros”.



E que  “causou estranheza que a decisão tenha extrapolado os limites do pedido, configurando-se como sentença ultra petita, e afrontado direitos fundamentais, constitucionalmente protegidos, e direitos humanos previstos em tratados internacionais dos quais o Brasil é parte, em flagrante violação aos direitos de livre associação, autodeterminação e de livre expressão de preferências políticas, ideológicas e religiosas, prestigiando-se o posicionamento das empresas rés, que buscam impor as regras e lógicas do campo corporativo para tratar das ações de reparação do crime ambiental que elas mesmas cometeram”.



Negados



A Rede já havia peticionado, ao mesmo juízo da 12ª Vara de Belo Horizonte, no mês de novembro de 2017, o ingresso como Amici Curiae, na Ação Civil Pública n° 0023863 - 07.2016.4.01.3800 e lhe enviado uma carta solicitando que o juiz fizesse diligências nas áreas afetadas de Minas Gerais e Espírito Santo e conversasse com as pessoas atingidas para conhecer os problemas vivenciados por elas, em decorrência do crime de Fundão, e assim melhor tomar suas decisões neste caso. Ambos os pedidos foram negados.

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