Quarta, 24 Abril 2024

Ministério Público não participa das audiências de custódia realizadas no Estado

Os integrantes do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) não têm participado das audiências de custódia, que são realizadas desde 2015 na Grande Vitória e foram ampliadas em março deste ano para o interior. A ausência dos promotores é sentida pelas entidades de direitos humanos, sobretudo para denúncia do crime de tortura, comumente relatado pelos presos em flagrante, e cuja competência fica a cargo dos promotores. 


De acordo com a presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado e professora do curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Brunela Vicenzi, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a implantação das audiências de custódia como forma de garantir que suspeitos de crimes detidos em flagrante sejam encaminhados à presença de um juiz nas primeiras horas após a prisão, conforme determina legislações internacionais de direitos humanos, dos quais o País é signatário. Um exemplo é o Pacto da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos San José, Costa Rica, de 22 de novembro de 1969 (assinado pelo Brasil em 1992). 


Segundo Brunela, o CNJ, por meio de resolução, sugeriu que, além de juízes, advogados e defensores, membros do Ministério Púbico também participem das audiências, mas garantiu que tal decisão deveria ser tomada pelos próprios órgãos. “Ministérios públicos estaduais de outros estados participam, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e vários outros. No nosso entendimento, o do ES deveria participar também. A Defensoria fez um relatório com inúmeras denúncias de tortura policial relatadas pelos presos nas audiências de custódia, mas quem tem a competência de denunciar o crime de tortura à Justiça é o Ministério Público”, afirmou.


O representante do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra), Gilmar Ferreira, também concorda que a presença de promotores nas audiências de custódia é fundamental. “As audiências são essenciais para diminuir o superencarcerramento em curso no Brasil e um instrumento importante para enfrentarmos a dura realidade do sistema prisional brasileiro. Mas só dará resultados se todos os órgãos do sistema da justiça estiverem empenhados e cumprindo suas funções institucionais. Nesse sentido, é imprescindível que o MPES participe também desse esforço pela garantia da defesa, da proteção e da promoção dos direitos humanos e pelo desencarceramento e segregação de pessoas”, afirmou.


Gilmar destacou que a tortura é prática recorrente no sistema penal brasileiro cometido majoritariamente por agentes do Estado, com o objetivo de punir ou arrancar confissão. “Essa prática em regra ocorre por omissão, negligência e cumplicidade de pessoas responsáveis por locais e ambientes onde há presos sob custódia. A tortura também pode ter objetivo de constranger. Cabe ao MPES oferecer a denúncia ao Poder Judiciário. Se o MP estiver presente na audiência, tudo pode ser adiantado, inclusive, na colheita da prova e esclarecimento para formar opinião”. Segundo ele, a tortura pode ser física ou psicológica e é crime inafiançável, imprescritível, contra a humanidade, hediondo e não passível de anistia.


Poderes

Brunela Vicenzi disse que, em debate recente, foi discutida a não participação do MPES nas audiências de custódia. Há duas justificativas, como ela aponta. A primeira é a de que a decisão foi tomada por meio de votação, em que a maioria dos membros foi contra, alegando que, à época da implantação, as audiências eram apenas realizadas na Grande Vitória. Assim sendo, promotores e procuradores decidiram ficar de fora porque o direito não era assegurado a todos, o que foi mantido mesmo após a ampliação para o interior. 


Outra alegação do MPES seria de que a participação ampliaria a carga horária de trabalho dos profissionais, que cumprem 40 horas semanais e passariam a ter que se deslocar até o no Centro de Triagem de Viana (onde funciona o plantão de flagrantes), o que implicaria também em custos.  Além disso, os promotores alegam que a resolução do CNJ não tem força de lei e que é um órgão ao qual não estão submetidos.


No entanto, o Conselho Nacional do Ministério Público por meio de sua assessoria de imprensa em Brasília, informou que “o Ministério Público brasileiro, observadas as disposições constitucionais e legais, deve adotar as medidas administrativas necessárias para assegurar a efetiva participação de seus membros nas audiências de custódia, objetivando garantir os direitos individuais do custodiado e promover os interesses da sociedade, aderindo, ainda, aos termos de cooperação técnica firmados pelos respectivos tribunais”.


Informou ainda que “portanto, se o MP/ES de fato não estiver participando das audiências de custódia do Estado, não está cumprindo a Recomendação nº 28 do CNMP, tendo em mente que se trata apenas de uma recomendação de boas práticas e não tem força disciplinar ou de obrigatoriedade”.


A Assessoria de Imprensa do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) foi procurada por Século Diário, mas não enviou resposta até o fechamento desta reportagem.


Ampliação

O projeto Audiência de Custódia foi lançado em maio de 2015 pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJES), quando o serviço de plantão de flagrantes começou a funcionar no Centro de Triagem de Viana para os Juízos de Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica e Viana. O Espírito Santo foi o segundo estado da federação a implantar o projeto, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e realizado em parceria com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus). 


Ainda em outubro de 2015, o projeto teve a sua primeira ampliação, quando foi expandido para as Comarcas de Afonso Cláudio, Domingos Martins e Marechal Floriano. Já, em março de 2016, foram concentradas no município de Cachoeiro de Itapemirim, as audiências de custódia das Comarcas de Cachoeiro, Mimoso do Sul, Castelo, Muqui, Presidente Kennedy, Vargem Alta, Atílio Vivacqua, Guaçuí, Alegre, Ibitirama, Bom Jesus do Norte, Apiacá, São José do Calçado, Dores do Rio Preto e Jerônimo Monteiro.


Por fim, a partir do dia cinco de março deste ano, as Comarcas de Fundão, Santa Leopoldina, Iúna, Ibatiba, Conceição do Castelo, Venda Nova do Imigrante, Muniz Freire, Santa Teresa, Santa Maria de Jetibá, Itarana, Itaguaçu e Laranja da Terra foram agregadas ao serviço de plantão de flagrantes em funcionamento no Centro de Triagem de Viana. Dessa forma, os presos em flagrante nessas comarcas também passaram a ser apresentados aos juízes no prazo de 24 horas. 

Veja mais notícias sobre Justiça.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Quarta, 24 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/