Sexta, 29 Março 2024

Noventa por cento dos agricultores familiares do Caparaó usam agrotóxicos

Noventa por cento dos agricultores familiares do Caparaó usam agrotóxicos

Insegurança alimentar e nutricional, degradação ambiental, empobrecimento das comunidades rurais e problemas de saúde de ordens diversas já estão cientificamente associados ao uso de agrotóxicos.



Ainda assim, o Brasil é o país que mais consome esses venenos. São mais de 440 mil toneladas por ano, sendo 34% disso somente de glifosato, o herbicida mais vendido no mundo, conhecido popularmente como “mata mato”. E o controle sobre o uso e os resíduos deixados pelos pesticidas na água e nos alimentos é muito frágil no país. Aqui, a legislação permite, por exemplo, resíduos de glifosato na água potável em um número cinco mil vezes maior que na União Europeia.



Como reduzir o uso de agrotóxicos? Como aumentar a segurança alimentar e nutricional das famílias agricultoras? Como incentivar a agroecologia e melhorar a qualidade de vida das comunidades rurais?



As possíveis respostas para essas questões de saúde pública e ambiental serão levantadas durante uma sessão especial sobre “Os impactos dos agrotóxicos na água e na saúde”, que a deputada Iriny Lopes (PT) realiza nesta sexta-feira (12), às 10h, no Plenário Dirceu Cardoso, em alusão ao Dia do Agricultor.



Os palestrantes serão o camponês Leomar Honório Lírio, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e o nutricionista Wagner Miranda Barbosa, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes/Alegre), onde coordena o Núcleo de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional (Nupesan).



O pesquisador trará, em sua apresentação, dados oficiais de organismos nacionais e internacionais sobre agrotóxicos, além de resultados obtidos em sua pesquisa de doutorado, realizada com 600 famílias produtoras de café, de 22 comunidades rurais localizadas nos onze municípios da região do Caparaó Capixaba, no sudoeste do Estado.



Problemas cognitivos



A pesquisa identificou que 90% das famílias entrevistadas fazem uso de algum tipo de agrotóxico, havendo ainda outras mazelas que afetam a qualidade de vida dos agricultores familiares da região, como insegurança alimentar e nutricional (ISAN), que afeta quase um quarto dos entrevistados, além de baixa renda e pouca diversidade de trabalho.



“Investigamos o quanto a qualidade de vida da comunidade rural está impactando na expressão do BDNF, gene muito importante para a cognição e aprendizagem”, declara Wagner. Houve constatação de grande percentual de “metilação” desse gene, o que impede a produção de uma proteína que favorece o aprendizado, não só na atual geração, mas até a terceira geração da pessoa afetada.



“Depois da Revolução Verde, a pobreza se tornou um fenômeno rural”, observa o professor. Ao incentivar a concentração de terra e de renda, relaciona o coordenador do Nupesan, a Revolução Verde – conjunto de inovações tecnológicas impostas pelas grandes indústrias de agrotóxicos a partir da década de 1960, sob o pretexto de aumentar a produção de alimentos e acabar com a fome – potencializa a pobreza entre as famílias agricultoras, e essa situação de vulnerabilidade social está amplamente associada à insegurança alimentar e nutricional, o que gera diversos problemas de saúde e, mesmo dificuldades de cognição e aprendizagem, como ficou demonstrado na pesquisa feita no Caparaó Capixaba.



O problema é que, passados quase sessenta anos, os paradigmas da revolução verde continuam dando o tom da produção agrícola no país, e no Espírito Santo, a situação não é diferente. “As pessoas no campo são induzidas a adquirir esses venenos”, constata. A alegação dos vendedores de agrotóxicos continua sendo o aumento da produção de alimentos, mas o que ocorre de fato, observa o acadêmico e militante social, é o empobrecimento das famílias, tanto econômico quanto nutricional.



Glifosato – até quando?



A recente consulta pública empreendida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a renovação do glifosato comprovou a insatisfação da população com o uso indiscriminado do herbicida, com a maioria dos participantes respondendo negativamente sobre a manutenção do uso do pesticida no país. A opção “Não, o glifosato deve ser proibido no Brasil, porque causa danos à saúde das pessoas” foi escolhida por 50,02% das pessoas. A resposta “Sim” ficou na penúltima colocação (8ª), com 18,39% das respostas.



Em um dos seus vídeos no Youtube, a geógrafa e professora da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Bombardi, autora do Atlas dos Agrotóxicos no Brasil, afirmou que “o glifosato é muito perigoso”, destacando três motivos principais.



O primeiro é o fato de que ele é comprovadamente cancerígeno para mamíferos e potencialmente cancerígeno para seres humanos, segundo declaração feita pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IAC) da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015. Além disso, o glifosato está relacionado à desregulação endócrina (que provoca infertilidade e impotência) e ao autismo.



Os maiores interessados na permanência do uso do glifosato são os grandes latifundiários produtores de soja e milho. A pesquisadora lembra que quase 100% da soja e quase 90% do milho plantados no Brasil são transgênicos, e que a área plantada com soja equivale ao território de uma Alemanha inteira. A França anunciou que vai proibir o uso de glifosato a partir de 2022 e a União Europeia irá avaliar a possibilidade de proibi-lo em 2021.

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