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‘Renova age de má-fé contra os pescadores’, denunciam lideranças

Todos os pescadores entre Vitória e Aracruz pescam no mesmo território. Mas os que moram entre Jacaraípe e Carapebus, na Serra, ainda não foram reconhecidos pela Fundação Renova como atingidos, passados quase quatro anos do maior crime ambiental da história do país. E os de Nova Almeida foram cadastrados, mas não receberam qualquer indenização ou auxílio.

O arcabouço legal usado pela entidade – criada pela Samarco/Vale-BHP para executar os programas de compensação e reparação dos danos advindos do rompimento da barragem de Fundão – para excluir tamanho contingente de atingidos de seus programas de auxílio financeiro emergencial e indenização, denunciam as lideranças pesqueiras do Espírito Santo, estão errados. E assim o estão por má-fé.

O assunto foi trazido à tona pela secretária-executiva do Conselho Pastoral dos Pescadores, Ormezita Barbosa, durante a última reunião da Câmara Técnica de Ordem Social (CTOS), ligada ao Comitê Interfederativo (CIF) – instância criada para fiscalizar as ações da Renova – realizada em Belo Horizonte/MG nos dias 10 e 11 de julho.

E será novamente tratado na próxima quinta-feira (18), em reunião da Associação de Pescadores de Jacaraípe (ASPEJ) com o defensor público Rafael Portella. “Queremos o reconhecimento dos pescadores entre Jacaraípe e Carapebus”, afirma o presidente da Associação, Manoel Bueno dos Santos, conhecido como Nego da Pesca.

Na capital mineira, a secretária da CPP denunciou, aos próprios representantes da Renova, que a entidade age deliberadamente com objetivo de prejudicar os pescadores, ao se utilizar de leis inapropriadas.

“Me parece um equívoco que vocês utilizem como marco legal a legislação do seguro-defeso, porque não são todos os pescadores que acessam o seguro-defeso, portanto, essa legislação é utilizada de forma equivocada e de má-fé pra restringir o número de pescadores [que podem acessar os programas da Renova]”, afirmou Ormezita.

A legislação correta, explicou, inclui a Lei da Pesca, segundo a qual, “pescador profissional é quem exerce a pesca com fins econômicos”. “Não fala de exclusividade”, sublinhou, pois isso é estabelecido apenas na Lei do Defeso. 

Ormezita também destacou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece o direito do pescador a “um atendimento diferenciado e específico”, o que não tem acontecido.

A exigência de documentos dos quais os pescadores não dispõem é um exemplo. “Os pescadores não têm RGP [Registro Geral da Pesca – a carteira de pescador profissional] porque o Estado brasileiro deixou de emitir RGP desde 2012. Os trabalhadores estão sendo prejudicados por ausência do Estado”, afirmou a secretária da CPP, que, ao ser questionada pela Renova, citou as decisões seguidas da Justiça Federal em Brasília – portaria e liminares –  desde julho de 2018, que garantem a legalidade plena dos protocolos com pedidos de RGP emitidos a partir de 2012, devolvendo ao pescador o direito de pescar de forma legal e de acessar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

“A Justiça reconheceu o protocolo como documento pleno em 2018 e o reafirmou diante do INSS. Como a Renova se coloca acima da Justiça?”, inquiriu Ormezita, referindo-se à decisão da Fundação de só reconhecer os protocolos feitos a partir de 2014, enquanto a Justiça Federal determinou a aceitação dos pedidos feitos desde 2012.

“Vocês estão entrando num mundo totalmente subjetivo e achando que o elemento técnico vai dar conta, mas não dá conta”, disse, questionando inclusive os recursos técnicos da Fundação, como a composição da equipe – “tem antropólogo?” “Quais são os profissionais da pesca? Tem oceanógrafo, engenheiro de pesca?” “Quem constrói os questionários [para feitura dos cadastros como atingidos]?”.

Ormezita disse ainda da necessidade de os pescadores acionarem a Justiça contra a forma como a Renova está tratando a categoria. “Porque esse procedimento do pescador de fato é uma violência e nós não vamos permitir que os pescadores continuem sendo tratados na marginalidade”, bradou.

Crime que se renova

Na reunião com a Defensoria Pública, a Associação de Jacaraípe trará novamente à tona a má-fé da Renova para traçar estratégias que garantam o reconhecimento de todos os pescadores serranos, sejam os profissionais ou os “de fato”, que não possuem carteira ou protocolo de registro profissional, mas tinham parte importante da sua renda oriunda da pesca.

“Eu já disse isso pra Renova: o nome da Fundação está bem certo mesmo, porque a cada dia que passa eles estão só renovando o crime”, ironizou Nego da Pesca. “Quando ela não reconhece os pescadores atingidos, está forçando as pessoas a pescar, e assim elas se contaminam e contaminam as que consomem os peixes”, diz.

Nego lembra que a Renova já fez estudos na região de 4 km, entre Nova Almeida e Carapebus, mas não apresenta os resultados pra comunidade. “Se a água prevalece correndo pro sul, e o norte todo, até Itaúnas, já está reconhecido, porque o sul ainda não?”, questiona. “O Rio Jacaraípe, quando a maré está enchendo e o vento é leste, a gente consegue ver a lama subindo”, informa.

O não cadastramento tem colocado os pescadores da região em situação financeira muito fragilizada. Nego conta que os barcos maiores estão indo mais longe, até a Bahia, gastando mais com a viagem, para trazer menos peixe que conseguiam na costa capixaba. Os pescadores de barcos menores acabam comprando esse peixe e revendendo. E ainda têm dificuldade de vender o peixe, pois muita gente desconfia, acha que o pescado vem de área contaminada pela lama. Ou seja, a queda na renda atinge a todos. “Estava ruim, ficou muito pior”, constata.

 

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