Quarta, 24 Abril 2024

'The Economist foi superficial em matéria sobre Paulo Hartung'

'The Economist foi superficial em matéria sobre Paulo Hartung'

“Foi feito um ajuste das contas públicas, foram entregues dentro dos parâmetros da responsabilidade fiscal, não há discordância. [Mas] os cortes foram feitos sem mexer na estrutura econômica. E obviamente que, assim, dói mais em quem está embaixo da pirâmide social. Deveria ter havido uma composição entre algum corte de gastos, sim, e a entrada de receitas, reduzindo principalmente a sonegação e a isenção fiscal”.



A análise é do professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) Rodrigo Medeiros, um dos técnicos que elaboraram, em 2014, o estudo de gestão fiscal considerado fundamental para a vitória de Paulo Hartung nas eleições daquele ano, levando-o pela terceira vez ao comando do Poder Executivo capixaba.



A matéria publicada no jornal britânico The Economist, nessa quinta-feira (8), ressalta o acadêmico, não aborda os porões que sustentaram o azul das contas. Houve um lado dramático, do ponto de vista social e ambiental, que não é mencionado pelas grandes editorias de Economia da mídia hegemônica local e internacional, critica.



“A estrutura produtiva capixaba é frágil e envelhecida”, classifica Rodrigo, referindo-se aos grandes projetos industriais voltados à exportação de semielaborados, como o minério de ferro da Vale e a celulose da Aracruz Celulose (Fibria/Suzano).  “A matéria não abordou isso. Foi superficial”, assevera.



R$ 6 bilhões a menos



Os números que circulam entre os estudiosos da economia e da política capixaba falam em R$ 1,1 bilhão em renúncias fiscais por ano. Já a sonegação, anual, estaria em torno de R$ 5 bilhões, segundo estimativa do Sindicato do Pessoal do Grupo de Tributação, Arrecadação e Fiscalização TAF do Estado (Sindifiscal-ES), com base na metodologia do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) e seu “sonegômetro”.



Não se pode cair no erro de criminalizar as renúncias e incentivos fiscais, ressalva o professor. Essa prática teve início após segunda guerra mundial, principalmente na Europa, sendo ainda um instrumento em diversos países democráticos do mundo. A questão, sublinha, “é se é essas renúncias fiscais, esse dinheiro que não entra no cofre, que não está na saúde, na educação, na segurança, se isso se justifica do ponto de vista social, econômico e ambiental”, questiona.



Cruel



Utilizando uma metáfora preferida pelos oradores em suas explanações para o grande público, Rodrigo compara a administração do Estado com a administração da economia doméstica. “O primeiro ajuste que eu faço em casa é em cima de mim, não é em cima do meu filho, ele é mais frágil, está em fase de desenvolvimento. Não corto a escola dele, a natação dele, o plano de saúde dele. Eu corto a minha saída, mo meu lazer, corto em mim porque sou mais forte. Mas quando olho pro Brasil e pro Espírito Santo, não vejo esse tipo de metáfora ou parábola sendo aplicada. Corta-se nos mais fracos”, condena.



O resultado dessa verdadeira inversão de valores, pelo menos aqui nas terras da bandeira azul-branco-rosa, tem sido duramente sentido pelos setores de menor poder aquisitivo da sociedade, especialmente nas periferias das cidades e nas comunidades rurais.



E foi medido objetivamente por uma pesquisa de opinião do Instituto Futura realizada em 2018, quando a precarização dos serviços públicos estaduais fez subir ainda mais a avaliação ruim e péssima, que já era alta em 2013, no auge das manifestações de junho que colocaram o país em convulsão social.



“A população identificou a deterioração da qualidade dos serviços públicos estaduais, inclusive da educação”, afirma Rodrigo, destacando uma das joias publicitárias de Hartung e seu fiel secretário Haroldo Rocha. The Economist sublinhou a ascensão das escolas estaduais no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mas não mostrou as manobras cruéis que elevaram esses números.



Tragédia da educação



Sobre Educação, vale relembrar os dados incansavelmente apresentados pelo deputado Sergio Majeski (PSB), campeão de votos na disputa de 2018 à Assembleia Legislativa: a não aplicação do mínimo constitucional de 25% do orçamento na Educação e a consequente perda de 4 bilhões que o setor sofreu nesses quatro anos de Paulo Hartung; os 60 mil jovens e crianças em idade escolar que não estão matriculadas em nenhuma escola; as quatro mil salas fechadas, com destaque para as classes noturnas e, especialmente, de Educação de Jovens e Adultos (EJA).



“Os alunos do EJA são aqueles que, quando vem a avaliação do Ideb, têm a pior performance. Quando você tira esses alunos da escola, contribui pra elevar a avaliação. Essa melhora do Ideb tem tudo a ver com essa situação macabra de expulsar o aluno da escola, principalmente do noturno e do EJA”, exaspera-se o parlamentar, que também é professor.  “Aumentou em 50% o número de alunos fora da escola no governo de Hartung”, denuncia.



Manipulação



A tragédia da Educação teve como executor outro autor do citado estudo, o fiel secretário estadual Haroldo Rocha. O terceiro nome no documento é da também economista Ana Paula Vescovi, secretária da Fazenda de Hartung entre 2015 e 2016.



Juntos, os três especialistas se dedicaram, conforme mencionou reportagem publicada na Revista Piauí em maio último, em críticas ao aumento dos gastos públicos na gestão do então governador Renato Casagrande, especialmente os referentes à folha de pessoal, crescimento esse que acontecia em velocidade superior ao incremento da receita estadual.



O que o estudo não mencionou, no entanto, é que o aumento dos gastos públicos do Espírito Santo era menor que o registrado na maioria das demais unidades da federação, onde o acréscimo de receita era, em geral, menor que aqui.



Ou seja, a aparente displicência de Casagrande com o equilíbrio financeiro era, na verdade, menos acentuada que a média registrada naqueles tempos no país, quando a terrível crise econômica que se instalaria em breve, ainda não havia sido detectada por nenhuma das mais renomadas instituições de pesquisa brasileiras e os governadores ainda viviam a ilusão de que a bonança econômica continuaria num possível quarto mandato do PT. Com menos vigor, previam, mas continuaria.



O estudo foi publicado na imprensa capixaba em março de 2014, lembra Rodrigo, mas a crise só foi constatada três ou quatro meses depois, pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getúlio Vargas, mesma época em que Paulo Hartung, finalmente, formalizava sua candidatura.



“Foi criada uma grande polêmica que no fundo foi mais barulho que o fato em si”, ressalva o professor. No estudo, diz, havia um questionamento também sobre as operações de crédito que estavam sendo feitas por Casagrande. “Mas não era crítica às operações de crédito em si, mas aos valores”, “pois elas eram importantes para induzir o desenvolvimento do Estado”.



A crítica mais importante, salienta, era sobre o fundo do petróleo, que Casagrande sancionou. “As receitas de petróleo do Estado aumentaram porque aumentaram as operações das empresas petrolíferas, mas era uma receita finita, que acaba em algum momento”, pontua.



Esperança



Ressalvas póstumas à parte, o fato é que o estudo foi um dos substratos que ladrilhou a terceira subida de Paulo Hartung ao Palácio Anchieta. E, blindado por argumentos técnicos difundidos ampla e previamente na imprensa corporativa, Hartung aplicou com rigor o “ajuste duro” das finanças estaduais.



“Se essas renúncias estão servindo simplesmente pra sustentar uma estrutura produtiva envelhecida, até que ponto isso vai construir um futuro produtivo mais próspero e produtivo para os capixabas? O Espírito Santo pode se desenvolver modernizando sua estrutura produtiva”, indica Rodrigo Medeiros.



“Eu não conheço, talvez exista alguma avaliação do Tribunal de Contas sobre a eficácia dos efeitos das renúncias fiscais, mas não conheço. Gera emprego e renda? E qual o custo ambiental? Eu gostaria de ver isso em números”, provoca.

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