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Pesquisa analisa as marcas do ES em Ação no ‘fast food educacional’ capixaba

Tese de doutorado detalha a influência da entidade empresarial no governo estadual

Desde 2003, quando Paulo Hartung (PSD) assumiu seu primeiro mandato no Governo do Estado, a entidade empresarial ES em Ação tem estabelecido presença marcante na gestão pública estadual. Em sua tese de doutorado, Israel Frois, professor de Geografia da rede estadual de ensino, analisa como a organização influencia nas políticas do Estado para a Educação, área que é um dos principais focos de atuação do grupo.

Israel defendeu em junho a tese “Os tubarões do capital nos mares da educação capixaba: vinte anos da atuação do movimento empresarial Espírito Santo em Ação (2003-2023)”. Ele realizou a pesquisa no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Para o professor, o ES em Ação defende um modelo pedagógico que em cada escola funciona como uma pequena empresa, transformando o ensino público em um “fast food educacional”.

Ricardo Ferraço e Renato Casagrande em cerimônia de posse da diretoria do ES em Ação. Foto: Divulagação

Para formular a tese, ele analisou documentos institucionais do ES em Ação, termos de cooperação da entidade com prefeituras e Governo do Estado, planos estratégicos elaborados pelo grupo, dentre outros materiais. Na visão do pesquisador, a atuação da entidade pode ser divida em três períodos históricos distintos.

O primeiro vai de 2003 a 2013, quando o ES em Ação estava focado na defesa de ganhos mais imediatos de instituições de ensino superior privadas que figuravam como mantenedoras, como Faculdades Integradas Espírito-Santenses (Faesa), Fucape, Universidade de Vila Velha (UVV) e Faculdade Centro Leste (UCL). É nesse contexto que surgem os programas Nossa Bolsa e Bolsa Sedu, oferecendo bolsas de estudo com dinheiro do Governo do Estado.

O segundo período, de 2014 a 2018, coincide com o terceiro mandato de Paulo Hartung como governador. Nessa época, o ES em Ação começou a estender a sua influência para a educação básica, por meio de acordos de cooperação técnica com a Prefeitura de Vitória, onde ajudou a implantar escolas em tempo integral, e com o Governo do Estado, com o programa Escola Viva.

De acordo com Israel, o ES em Ação importou do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), de Pernambuco, o modelo pedagógico da “Escola da Escolha”, modelo de gestão alinhado com as demandas empresariais. Na sua opinião, trata-se de um modelo de escola “pseudo integral”, em que os alunos apenas ficam mais tempo na unidade de ensino, em vez de ser uma educação, de fato, integral. “O professor é preparado para atuar como um atendente de fast food, apresentando um cardápio ‘pouco nutritivo’ aos alunos”, comenta o pesquisador.

O terceiro período de atuação do ES em Ação estudado por Israel é de 2019 a 2023, já com a volta de Renato Casagrande ao Governo do Estado. Nessa nova fase, a entidade empresarial sai do papel de mera mediadora de políticas públicas para de fato executar políticas educacionais. É nessa época que consultores começam a ofertar capacitações para as redes de ensino municipais, influenciando na implantação de escolas em tempo integral Estado afora.

“Isso não é feito sem interesses. Esse contexto é o mesmo do lançamento de dois programas do Governo do Estado, Proeti [Programa Capixaba de Fomento à Implementação de Escolas Municipais do Ensino Fundamental em Tempo Integral] e Paes [Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo], com investimento da ordem de bilhão”, afirma Israel Frois.

Mas o Espírito Santo não estaria entre os melhores estados em educação – a ponto de ter alcançado o primeiro lugar em 2024 entre as redes estaduais de Ensino do Brasil, na etapa do Ensino Médio, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)? Na visão de Israel, esses dados são enganosos.

“Em relação à questão do fluxo escolar, por exemplo, o que nós temos visto na rede é a aprovação compulsória – praticamente não tem reprovação na rede estadual. Ao mesmo tempo, temos uma overdose de avaliações, treinamentos e de rotinas pedagógicas vinculadas à língua portuguesa e à matemática, que são as disciplinas cobradas nessas avaliações externas. O que está sendo feito no Estado não é educação integral, e sim uma preparação para essas avaliações, de modo a construir plataforma política”, opina.

Na tese, Israel destaca o contexto de implantação de políticas como a do Escola Viva. Fazendo coro à propaganda midiática de crise fiscal, a gestão do então governador Paulo Hartung implementou diversos cortes em investimentos estatais na educação, contratando até mesmo consultorias financeiras privadas para identificar os espaços que poderiam surgir nas despesas com as escolas regulares para, então, redirecionar os recursos para o Escola Viva.

Segundo a Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes), o período do terceiro governo Hartung (2015-2018) foi marcado pela redução de 68% dos investimentos na educação, com o fechamento de 41 escolas públicas e 6,5 mil turmas, o que deixou mais de 60 mil crianças e adolescentes de 4 a 17 anos fora da escola.

Israel Frois. Foto: Arquivo Pessoal

Influência prossegue

A criação do ES em Ação e o desenvolvimento de sua progressiva influência no poder público estadual remete a uma crise institucional vivida pelo Estado, no início dos anos 2000. Com o Poder Legislativo imerso em denúncias de corrupção e de ligação com o crime organizado, o Poder Executivo se fortalece.
“Não se tratou apenas de uma crise institucional, da corrupção e do crime organizado. Essa é apenas uma parte, a aparência do processo. Existem outros elementos de disputa pelo aparelho do Estado”, ressalta Israel

É nesse contexto que Paulo Hartung, classificado por Israel Frois como um “intelectual orgânico” do empresariado que formou o ES em Ação, chega ao Governo do Estado pela primeira vez. “Paulo Hartung, embora não tenha um vínculo legal com o ES em Ação, foi um representante, um intelectual operador do projeto naquele contexto. Ao longo dos dois mandatos, isso fica muito evidente quando nós temos aí lideranças do ES em Ação pedindo licença dessa organização para assumir postos no secretariado”, afirma.

Usando essa força do Poder Executivo, o ES em Ação busca influenciar medidas políticas e econômicas de reforma do aparelho do Estado. Um exemplo claro dessa influência são os planos de desenvolvimento lançados pela entidade e adotados pelo Poder Público. Um dos mais recentes é o ES 500, que propõe uma série de ações para o Estado até 2035.

Mas o ES em Ação não aposta apenas em Paulo Hartung para garantir seus representantes na política. Uma evidência disso é a eleição de 2014, quando ele enfrentou Renato Casagrande (PSB) nas urnas. Naquela ocasião, apesar da preferência por Hartung, os dois principais candidatos receberam doações de campanha de empresas mantenedoras da entidade, como Vale, ArcelorMittal e Suzano (na época com o nome de Fibria). Naquele pleito, ainda eram permitidas doações empresariais.

Israel avalia que, atualmente, o candidato preferido do ES em Ação para o Palácio Anchieta em 2026 é o vice-governador, Ricardo Ferraço (MDB). Entretanto, um nome como o do prefeito de Vitória Lorenzo Pazolini (Republicanos), ligado a Paulo Hartung, também cairia bem junto ao setor empresarial. “O ES em Ação estará no governo do Espírito Santo, quem quer seja o governador. A tendência é de continuidade do mesmíssimo projeto”, sentencia o professor.

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