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O homem que não deixou o vinil morrer

2015 é o ano de Valter Vieira – ou Golias, como todo o Centro de Vitória o conhece. Referência capixaba no comércio de discos de vinil, esse homem de semblante fechado pela densa barba, mas de alma branda pelo riso fácil e jeitão gozador, celebra ano que vem 50 anos de atividade e 70 de vida. O melhor presente ele já ganhou: o recente, e vigoroso, renascimento do LP.

 
Falar em “renascimento” perto de Golias é imprudência – ele logo corrige: “Não, não, não. O vinil nunca morreu”. De qualquer modo, em termos mercadológicos, o gosto pelo velho bolachão se renovou a olhos vistos. A Polysom, única fábrica de vinil da América Latina, reativada em 2010, divulgou no final de 2013 uma projeção de crescimento na produção de 142% em relação ao ano anterior. 
 
Hoje a carta de vinis oferece de clássicos a novatos, desde a remasterização de Samba Esquema Novo (1963), a estreia de Jorge Ben Jor no olimpo da canção nacional, até Vista pro Mar (2014), segundo disco do incensando músico capixaba Silva. 
 
Para Golias, a tendência é ótima. De dois anos para cá, calcula um incremento de pelo menos 20% nas vendas. Mas não mede a questão apenas pela frieza dos números: “Pra mim foi uma alegria, porque você fazer o que gosta é a melhor coisa do mundo e eu faço o que eu gosto, que é vender discos”, festeja.
 
Ele dá um exemplo prático de como a ressurreição do vinil mexeu com seu negócio: pouco antes do repórter chegar, um senhor, advogado, acabara de levar discos de Billy Vaughn, maestro norte-americano cuja orquestra marcou época nos anos 50 e 60, ao lado das orquestras de Ray Conniff. Dias antes, um rapaz bem mais novo levara dois discos de Michael Jackson: ele é estagiário justamente do escritório do senhor acima.
 
“A alegria é que hoje vem o pai com o filho. É incrível. Atendo mais jovem do que velho”, continua. Ou seja: seu público se renovou. 
 
Enquanto a entrevista rolava, chegou um rapaz: cabelos grandes, barba rala, camisa Vans, tênis Adidas, mochila nas costas e skate nas mãos. Queria trocar discos. Da bolsa, saíram quatro que eram da mãe: duas coletâneas, um Luis Miguel e um Fábio Júnior. Dias antes, levara de Golias A Kind of Magic (1986), do Queen. “O que você quer?”, pergunta Golias. “Tem Mutantes?”. Não tinha. “Tem George Harrison?”. Tinha. O jovem, 17 anos, saiu todo satisfeito com Cloud Nine (1987).
 
“Agora tô achando gozado que os mais jovens estão procurando muito Led Zeppelin, Beatles, Rolling Stones, Deep Purple, James Brown – hoje mesmo duas pessoas procuraram James Brown”, fala Golias.  
 
Por ironia, quem lhe deu o presente acima foi a mesma revolução tecnológica que, 15 anos atrás, o levou à bancarrota. Em 1998, após 29 anos no número 765 da Avenida Jerônimo Monteiro, a Golias Discos quebrou por efeito do CD. O comerciante não sucumbiu: no ano seguinte, voltou à ativa, mesmo sob gozação e zombaria. “Me chamaram doido, maluco – ‘onde já se viu vender vinil usado em loja de CD?’”, relembra. 
 
  
 
Ele sobreviveu – e bem. Desde dezembro passado mudou-se do ponto no Mercado da Capixaba, onde estava há pouco maios de dois anos, para um novo pouco depois da Escola Técnica Municipal de Teatro, Dança e Música (Fafi). Não porque quis, mas acolhendo um pedido do prefeito Luciano Rezende e do então secretário municipal de Cultura, Alexandre Lima. 
 
Aos poucos, a histórica edificação está sendo desocupada em vista de um processo de restauração. “Houve uma reunião na prefeitura e o Alexandre falou – ‘deixa que eu converso com o Golias’”, diz. O fundador do Mahnimal é mais que cliente antigo. “Eu carreguei ele no colo. Sou amigo de infância do pai, Marcão”, fala, a seguir lamentando a triste situação que acomete o ex-secretário, em coma desde o fim do ano passado após um aneurisma. 
 
Golias começou a trabalhar no ramo em 1965 na Helal Magazine, grande centro comercial localizado onde hoje funciona as Casas Bahia, na Jerônimo Monteiro – uma espécie de Shopping Vitória da época. Ao mesmo tempo, animava festinhas no Iate Clube, Praia Tênis Clube e no Clube Libanês como discotecário (parou em 77). Ambas as experiências foram fundamentais para formar o conceito “Golias”: embora tenha predileção especial por Jazz, Blues, MPB e Bossa Nova, ele sempre se sentiu compelido a ouvir de tudo, sem preconceito.  
 
“Tudo o que você procurar comigo, mesmo que não tenha, tem alguma coisa parecida, do evangélico ao jazz”, diz. Realmente: só com uma passada de olho, o cliente vê de Kaoma a Djavan, de New Kids On The Block a João Bosco, de Ace of Base a Miles Davis. Um pouco mais de esforço e se acha belezas como Voz e Suor (1983), de Nana Caymmi e César Camargo Mariano, ou Circuladô (1991), de Caetano Veloso. 
 
Em 21 de dezembro de 71, após uma temporada nos Estados Unidos, abriu a Golias Discos. Após o colapso de 98, renasceu na Rua General Osório, depois foi para a Vila Rubim e, finalmente, convidado para voltar ao Mercado da Capixaba. 
 
“Sempre gostei de trabalhar no Centro. Desde garoto. É porque encontrei na venda de discos a minha alegria, a minha vontade de trabalhar”, diz ele, talvez uma das figuras mais conhecidas da Jerônimo Monteiro. Golias ainda cultiva o sonho de um dia morar na Cidade Alta, recanto que considera de beleza inefável.  
 
Golias, claro, é apelido. Ganhou em 1959 no Rio de Janeiro. De volta, em 64 iniciou a carreira de discotecário. Em um meretrício. “Nunca disso isso pra ninguém, você é a primeira pessoa”. E o nome, qual o nome? “Não vou falar, não posso falar”, diz, virando a cabeça, olhando para o lado e desprendendo um sorriso cheio de marotice.

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