A essa altura, Heriberto Gonzáles Pineda deve estar em algum ponto no céu da América do Sul. Ou em Santiago, a capital do Chile, aguardando embarque para a Cidade do México, a capital mexicana. Ou dentro do ônibus, já no México, indo para casa, em Guadalajara.
Mas o certo mesmo é que na última quinta-feira (10) esse mexicano de 33 anos, completos nessa segunda (15), professor de Marketing e torcedor do Chivas encontrava-se placidamente refestelado no sofá da ampla sala do Hostel Guanaaní, banho tomado, bermuda, camisa, chinelo e um livro nas mãos.
Berto chegou ao Brasil no dia 1º de junho. Motivo: Copa do Mundo, claro. O mundial impôs-lhe um ritmo frenético de viagens: rodou o país-sede de Sudeste a Nordeste, Rio de Janeiro, Vitória, Salvador, Natal, Recife, Fortaleza, Aracaju, Maceió. Viu todos os jogos do México e, ainda, Suíça e França. Cansativo? Bastante. Agora perguntem se valeu a pena…
O ritmo só abrandou a partir do último 8 de julho – não sei se vocês lembram desse dia. Ele veio para Vitória por causa de um amigo, também mexicano, que já mora aqui. Foi para casa dele, mas por algum motivo se sentiu desconfortável. Pediu uma dica de hotel e o amigo lhe indicou um no Centro de Vitória. Perguntei o que ele estava achando da estada: “Me encontró leyendo”, respondeu com um sorriso.
O sorriso de Berto é a melhor tradução da aura tranquila e acolhedora que envolve o Guanaaní. Localizado numa suave subida da Rua Coronel Monjardim, esse casarão em estilo eclético, afrescos no teto, ladrilhos hidráulicos pintados à mão no chão, cômodos de pé-direito alto e janelas grandes, está encravado no coração do Centro Histórico da Capital capixaba.
É o negócio certo no local certo, mas não por mero tino empreendedor. Também conta mais, talvez bem mais, a relação que um de seus sócios cultiva com o Centro de Vitória. “Eu sou um apaixonado pelo Centro, minha família é apaixonada pelo Centro, meu pai toca no samba, cresci sempre no samba”, conta Caio Perim (foto capa).
Com 15 anos, deixou Guarapari para morar no Centro de Vitória. Desde então, o samba da Unidos da Piedade, o da Xepa, atravessar o canal com os catraieiros, estudar na Escola Técnica Municipal de Teatro, Dança e Música Fafi, espairecer na Rua Sete, a Vila Rubim e descer e subir as ladeiras da Cidade Alta viraram atividades e paisagens cotidianas.
A ideia do hostel nasceu há oito meses. Antes de virar hostel, o casarão foi o lar da família de Caio por nove anos. Morava ali com a mãe, a avó e os irmãos. Ele se lembra como babava a cada vez que contemplava o solar ao subir ou descer a Coronel Monjardim. Um dia passou e viu um “Vende-se” numa placa. “Noooossa. Não é possível”. Anotou sem qualquer pretensão. “Nunca imaginei que eu fosse conseguir comprar essa casa. Mas nós negociamos e conseguimos”.
O casarão foi erguido entre 1924 e 1929 pelo homem que dá nome à rua, representante de uma das mais tradicionais famílias do Espírito Santo. Mas o coronel viveu ali apenas um ano; vendeu o imóvel para outra figura ilustra: Dório Silva. Em dois amplos pavimentos, o solar ostenta sete quartos, cinco banheiros, inúmeras áreas comuns. Ao adquiri-la, a família Perim submeteu-a a uma reforma.
Caio chama de “choque” a transição de residência familiar para hostel. Houve o seguinte. Um dos irmãos já tinha trocado Vitória por São Paulo.
Caio já pensava em deixar a casa também – e para um destino bem mais longínquo, Califórnia, nos Estados Unidos, ou Tailândia. Uma casa daquele tamanho viraria, pois, um castelo para a mãe e a avó.
Por outro lado, a ideia do hostel já era aventada. Caio sempre falava nisso, achava a casa linda demais para ficar à mercê do tempo. Quando falou que ia embora, a mãe ficou atribulada. Então procurou Caio:
– “Caio você ainda tem vontade de abrir aquele hostel?”
– “Muita.”
– “Você ficaria aqui para abrir o hostel?”
Como boa mãe, sabia que o hostel era a única coisa que seguraria o filho em Vitória. A família saiu e os pedreiros entraram. Foram três meses frenéticos: enquanto o casarão trocava a vestimenta, ele fez curso no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), comprava mobília, trabalhava a identidade visual, pensava no nome. Não só ele, mas também a outra sócia, Mainá Ferreira. Pronto. Em fevereiro deste ano, o Guanaaní era inaugurado. Hoje são três funcionários administrando 24 vagas em cinco quartos.
Caio Perim tem 26 anos e é um rapaz viajado. Já morou na Irlanda, Itália, Tailândia e Argentina; fala inglês, espanhol, italiano e português. Sabe, portanto, o valor dos bens culturais em um mundo globalizado. Naturalmente, Caio se coloca como uma espécie de elo entre o Centro e seus hóspedes. “Como sou um apaixonado pelo Centro, sempre os impulsiono a ir aos lugares mais próximos daqui”.
O Guanaaní tem uma localização privilegiada. Acima, avulta o Convento São Francisco, abaixo, a Igreja do Carmo e, mais afastada, a Capela Santa Luzia, formando uma espécie de triângulo de turismo religioso em torno do hostel. De resto, todos os monumentos, museus e teatro se encontram a poucos passos; mais distante está a Vila Rubim – mas não tanto. E se o caso é desfrutar a noite, os deleites boêmios das ruas Sete de Setembro e Gama Rosa estão ao lado.
“Nossa estadia promove esse tipo de turismo”, analisa Caio. Ele vê os gringos aproveitando tudo: Vila Rubim, Parque Moscoso, Mercado da Capixaba, Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo (Maes), Palácio Anchieta, a Catedral, Convento São Francisco, Igreja do Rosário, Gruta da Onça. Segundo ele, são os pontos mais visitados. O mexicano Berto, por exemplo, festeja a visita guiada que fez ao Palácio Anchieta. Gostou também de caminhar pelo Parque Moscoso e da Catedral de Vitória.
A Prefeitura de Vitória tem o Projeto Visitar, que oferece visitas monitoradas gratuitas no Centro Histórico. Dos 51 pontos turísticos e culturais que integram a área, sete são monitorados pelo projeto e ficam abertos à visitação de terça a domingo, inclusive feriados, das 9h às 17h.
Caio oferece outro exemplo. Há pouco tempo, uma estudante de Comunicação paranaense pegou o mapa dos pontos turísticos do Centro sumiu do hostel por um dia. Horas depois, retorna, empapada de suor, mas sorrisão no rosto. Tinha visitado todos os pontos do mapa. Virou para Caio e finalizou com um bem-humorado “Aqui tem ladeira, hein!”.
Serviço
Mais informações sobre o Projeto Visitar podem ser obtidas pelos telefones (27) 3235-7078 e 3235-2002, de segunda a sexta-feira, das 9 às 13h e das 14h às 18h ou pelo e-mail
[email protected].