Profissionais evidenciam precarização do trabalho em audiência de prestação de contas da Saúde na Assembleia
“O governo federal está querendo passar a reforma administrativa, mas ela já acontece quietinha no nosso Estado há muitos anos”. A avaliação é da presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Espírito Santo (Sindsaúde), Geiza Pinheiro, após participar da audiência pública realizada nesta sexta-feira (14) pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, em que o secretário de Estado da pasta, Nésio Fernandes, apresentou a prestação de contas do trabalho da Sesa relativa ao terceiro quadrimestre (setembro a dezembro) de 2020.
Reconhecendo os diferenciais do Espírito Santo no contexto nacional, devido ao maior investimento próprio em saúde durante a pandemia, Geiza Pinheiro chama atenção, no entanto, para a necessidade de um melhor controle dos gastos, especialmente em relação aos valores repassados à iniciativa privada, por meio de contratos com Organizações Sociais de Saúde (OSSs).
“Gasta-se muito dinheiro sem tanto resultado para a população, que precisa e tem direito a uma assistência de qualidade, e sem condições para o trabalhador, que quer dignidade e um local adequado para trabalhar. Só que as OSSs vêm e ‘raspam o tacho’, deixando dívidas”, relata, ressaltando o caso da OSS IGH no Hospital Infantil de Vila Velha (Himaba), em que o Sindsaúde foi convocado pelo Ministério Público do Trabalho MPT para acompanhar as audiências de investigação sobre pagamento dos funcionários.
Geiza Pinheiro lembra que o sindicato empenhou “lutas ferrenhas contra o IGH e outras OSSs” que vêm atuado no Estado desde o governo Paulo Hartung. Para a entidade, o mesmo dinheiro que o Estado repassa para uma OSS seria melhor empregado se fosse administrado diretamente pela Secretaria. “O Estado reforma ou constrói um hospital de primeira linha, gasta dinheiro nisso, e daí entrega pra uma organização social, que paga mal o seu colaborador, não tem EPIs [Equipamentos de Proteção Individual], não paga insalubridade”, descreve, destacando o Jayme Santos Neves, na Serra, e o antigo Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), antigo São Lucas.
O ‘barato que sai caro’
A alegação de que a administração direta é mais cara que a gestão por OSSs, salienta, precisa ser melhor ponderada. “É gasto a mais qualificar e valorizar o trabalhador? Não temos pessoas capacitadas para gerenciar os hospitais no quadro de servidores de carreira da Sesa? Será mesmo?”, questiona, dirigindo críticas também à Assembleia Legislativa e órgãos de controle social, que devem questionar essa forma de utilizar o dinheiro público. “Faltou a Comissão de Saúde perguntar ao secretário sobre as OSSs, se o recurso que vai pra elas é aplicado de forma adequada. Fica só a gente cobrando”, provoca.
“Parece que os servidores da saúde que deram anos e anos de seu sangue não merecem ser gerenciados por funcionários de carreira, que conhecem o sofrimento do trabalhador. A OSS só vem procurando produtividade, quantidade, não quer qualidade”, denuncia. “Por que não pega dez funcionários de carreira do Estado com competência, para gerenciar? Por que não investir nele?”, insiste.
A mesma crítica é válida para a Fundação Estadual de Inovação em Saúde (iNova Capixaba), sublinha Geiza, que, mesmo sendo uma fundação do Estado, tem também precarizado as condições de trabalho. “O salário pago pela Fundação iNova é maior que o das OSSs, mas é menor que o da Sesa. Enquanto a Sesa paga R$ 2,3 mil, a iNova paga $ 1,8 mil. E nas OSSs não passa de R$ 1,5 mil”, elenca.
Para além dos salários menores e frágeis relações trabalhistas, destaca, os trabalhadores sofrem com sobrecarga de trabalho, que já existia antes da pandemia, além do assédio moral. Durante esse ano pandêmico, o único avanço conquistado pela categoria, conta, foi a insalubridade de 40%, aprovada via Conselho Estadual de Saúde (CES) para os hospitais que tratam Covid-19.
Paga nos hospitais administrados pela Sesa, a insalubridade não é concedida nos hospitais com outros modelos de gestão, como os filantrópicos contratualizados pelo Estado nem os geridos por OSSs. “Queremos que a Sesa também dê ‘um sacode’ no setor privado, que recebe recurso público. Vai muito dinheiro nos filantrópicos, nas OSSs, agora na iNova…e esses setores não valorizam os profissionais, pagam salários baixos, sem insalubridade. Faltam até EPIs! Temos recebido muitas denúncias sobre isso. Não se faz saúde pública sem os profissionais qualificados, valorizados e com boas condições de trabalho”, reivindica.
‘Farsa’
Posicionamentos semelhantes foram feitos durante a audiência pela presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren/ES), Andressa Barcellos. Em sua manifestação, a enfermeira mostrou a comparação entre os salários pagos diretamente pela Sesa e pela iNova e denunciou a precarização promovida por meio do programa estadual Qualifica APS, vinculado ao Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (Icepi).
“Inventaram essa farsa do Icepi”, aponta. Que, sim, fez aumentar quantitativamente a cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) em algumas regiões, principalmente a metropolitana, mas não aumentou a qualidade da assistência, visto que a contratação é feita por meio de bolsas de estudo, sem qualquer estabilidade e com salários menores.
Já na iNova, apesar de haver contratos baseados na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os salários pagos ainda são menores que os da Sesa, prossegue Andressa, apresentando uma comparação objetiva.
Para enfermeiros, o salário pago pela Sesa, para 40 horas semanais, é de R$ 4,4 mil, o que configura R$ 22,21 por hora de trabalho. No caso dos técnicos de enfermagem, o salário é de R$ 2,3 mil para as 40h, resultando em R$ 11,81 por hora de trabalho.
Já na Fundação iNova, o enfermeiro tem salário de R$ 2,6 mil para uma carga horária menor, mas que não compensa a redução dos rendimentos, pois alcança R$ 17,92 por hora de trabalho, valor 20% menor que o da Sesa. Entre os técnicos, o salário de R$ 1,6 mil resulta em R$ 9,03 a hora de trabalho, que é 24% menor.
“A iNova é do Estado, também, é o mesmo empregador. Por que paga menos?”, inquiriu.
A presidente do Coren-ES voltou a denunciar o uso de máscaras KN95 em diversas instituições próprias e municipais, e não N95 ou PFF2, como determina a legislação. “Desde junho de 2020 notificamos a secretaria sobre a máscara N95”, destaca. “A máscara KN95 é inadequada para o manejo clinico de doenças transmissíveis por aerossóis, expondo os trabalhadores a contaminação”, explica.
O assédio moral e a sobrecarga de trabalho, prévios à pandemia, também foram ressaltados, além da desorganização dos serviços de enfermagem e da seleção inapropriada de profissionais para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
“Falta uma política de educação permanente para os trabalhadores da saúde”, reivindicou. “Saúde é um serviço que precisa de profissionais extremamente qualificados. Amadorismo na saúde mata!”, alertou.
Em resposta aos seus questionamentos, no entanto, o secretário Nésio Fernandes insistiu que tanto o iNova quanto o Icepi são formas de valorização do trabalho e não promovem precarização das relações de trabalho. E não respondeu sobre as demais questões.
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